Saúde

Piercing, moda de risco

Pelo menos para cinco de cada dez jovens, os piercings são o adorno do desejo. Além de adereço estético, é uma forma de identificação

Pelo menos para cinco de cada dez jovens, os piercings são o adorno do desejo. Além de adereço estético, é uma forma de identificação. É moda colocá-los em umbigo, pálpebra, língua, orelha, nariz, lábios e até mamilos e genitais. Em janeiro, o estudante Daniel Silva, 17 anos, aderiu à moda: “Fica bonito, as ‘minas’ gostam”. Colocou três na orelha direita, precisamente na hélice, a parte mais alta, onde fica a dobrinha. Rapidamente, o sonho dourado virou pesadelo.“No segundo dia, o local começou a latejar e a doer; no terceiro, saía pus, minha orelha virou uma bola de tão inchada”, lamenta. “No quarto dia, acabei num pronto-socorro. Tirei os piercings, fiz tratamento por quase um mês; sobrou uma cicatriz horrorosa.”

A estudante Renata Lozano, 18 anos, queria porque queria colocar piercing no umbigo; a mãe acabou cedendo. Três meses depois, quando trocou a jóia, surgiu uma bolhinha de pus no local, que começou a crescer. Foi ao médico, que não teve dúvidas: “Ou eu tirava ou perderia tecido da barriga; a contragosto, tirei”, relembra Renata, que “ganhou” uma cicatriz no umbigo. “Um amigo teve problema com piercing nos lábios: deu infecção e pus; ele também foi obrigado a tirá-lo na marra.”

Os piercings em cada orelha eram o xodó da estudante de Direito Milena Nunes Lemos de Melo, 22 anos. Porém, aos poucos, nos catorze furos foram brotando os temidos quelóides — formações deformantes que lembram “couve-flor” e resultam de cicatrização anormal da pele. “As bolinhas tinham um a dois centímetros de tamanho”, arrepende-se Milena. “Não podia usar cabelo preso, que todo mundo ficava olhando. Tive de retirar os piercings e fazer infiltração de cortisona nos quelóides, para diminuí-los. Agora, como diz um amigo da faculdade, minha cara voltou ao normal.”

Érica Vaz dos Santos, 29 anos, não teve a mesma sorte. “Minha orelha esquerda encolheu; ficou ‘mastigada’”, sofre Érica, que luta contra as seqüelas do piercing, cujos riscos desconhecia na época. A infecção começou uma semana depois. Foi ao médico, que prescreveu antibióticos, mas não resolveram. Tomou mais antibióticos, e nada. A orelha só fazia inchar, e formar mais pus. Um médico chegou a lhe propor a amputação. Foi parar no Hospital das Clínicas de São Paulo, onde ficou em tratamento durante mais de um ano, para fazer drenagem da lesão e controlar a infecção. “Minha orelha ficou deformada, e repuxa muito”, lastima. “Pior é que, atualmente, há jovens colocando em si próprios.”

“Infelizmente, os casos de Daniel, Milena, Renata e Érica não são raros”, alerta o médico Perboyre Lacerda Sampaio, chefe do grupo de cirurgia plástica funcional da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP). “Só nós temos pelo menos 20 pacientes com orelha ou nariz deformados pelo piercing; alguns com destruição total!” No ambulatório de Cirurgia Plástica do HC, outra porta de entrada de problemas por piercings na instituição, também crescem os casos de infecções e deformidades na orelha (principalmente) e no nariz, segundo o cirurgião plástico e professor Rolf Gemperli: “São regiões inoportunas demais”. No Ambulatório de Dermatologia do HC, as encrencas não são menores: infecção é a complicação mais freqüente. “Nenhum usuário de piercing está 100% livre desse risco”, avisa a médica dermatologista e professora Leontina da Conceição Margarido. Que faz questão de acrescentar: “Nem todo paciente com quelóide tem o resultado de Milena; às vezes, as injeções de cortisona, que são muito dolorosas, não resolvem satisfatoriamente.”

Objeto estranho ao organismo

A busca da melhoria da aparência física faz parte da história da humanidade. Por exemplo, os antigos egípcios, quando morriam, levavam consigo potes de cremes para eternizar a beleza no além. Os índios brasileiros, já na época do descobrimento do País, se adornavam. O mundo se transformou, surgiram novas tecnologias e materiais, e o hábito de enfeitar-se permanece. A procura do belo, aliás, se intensificou nos últimos tempos. O adereço da vez, principalmente entre os jovens, é o piercing, palavra inglesa que significa perfuração penetrante, aguda. Como os brincos, largamente usados pela população, os piercings, são objeto estranho ao organismo.

“A diferença é que os brincos são colocados no lóbulo da orelha (parte inferior, que só tem pele e gordura), e, aí, dificilmente ocorrem complicações, exceto raros quelóides graves”, observa a especialista em cirurgia de face Flávia Lira Diniz, da Clínica de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP. “Além disso, os brincos são tirados diariamente, o que já não acontece com os piercings”, lembra a médica dermatologista e acupunturista Soraia Aracele Lozano, chefe do Ambulatório de Doenças Dermatológicas do setor de Acupuntura da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

O fato é que os piercings podem provocar infecção onde quer que sejam postos: umbigo, pálpebras, mamilos, orelha, nariz, língua, lábios, genitais. Alguns dos motivos: falta de assepsia do local antes da colocação, luva, instrumentos ou piercing contaminados. Nesses casos, em geral de um a cinco dias depois, a região inflama, fica dolorida e com secreção purulenta. “Aí, é preciso retirar a jóia”, recomenda Leontina. O mesmo é aconselhável para quem tem alergia ao metal do piercing – a chamada dermatite de contato. É um tipo alergia de pele, que se caracteriza por coceira e aparecimento de bolhinhas de água no local da perfuração. Ao se romperem, podem abrir caminho para infecção.

“Mas, o nosso maior pavor são os piercings na hélice de orelha e na asa de nariz”, salienta Flávia. “As infecções nessas regiões são de difícil controle, já que são cartilagem, e se defendem muito mal.” Ao palpar a orelha, você sente a cartilagem. É como se fosse plástico; é o mesmo tipo de tecido que existe no peito do frango. É ela que faz com que a orelha tenha armação e formato característicos, com reentrâncias e saliências. Às vezes, basta uma batida no travesseiro ou o enroscar do pente ao cuidar do cabelo, para traumatizar o furo do piercing, e permitir que algum germe, que naturalmente existe na pele, penetre no ferimento e se instale na cartilagem. Como a cartilagem tem poucos vasos sangüíneos, sua defesa imunológica é pobre, favorecendo a proliferação de bactérias. Para complicar, devido à circulação precária, os antibióticos, mesmo em altas doses, não chegam lá adequadamente. Logo, nem sempre funcionam, e o germe continua atuando na cartilagem, até destruí-la totalmente.

Sampaio faz uma grave advertênbcia: “Mesmo quem tem piercing quietinho há anos, pode ter infecção repentina, e perder a orelha a qualquer hora. Fica uma deformidade horrorosa, e o resultado da cirurgia de reconstrução da orelha não dá bom resultado estético.”

Na asa do nariz, o risco é semelhante. A cartilagem serve para mantê-lo na posição piramidal, e a infecção por piercing pode destruir a ponta do nariz, expondo a narina. Vira um “cano” a céu aberto.

“A ponta da língua é outro local de alto risco para colocação de piercing”, previne Gemperli. Para começar, pode dar mau hálito. O acúmulo de resíduos de alimentos no local da perfuração facilita também a multiplicação de bactérias. Às vezes, apenas uma aresta irregular da jóia é suficiente para ferir a língua e a infecção se instalar. Aí, por ser um órgão muscular com muitos vasos sangüíneos, a infecção pode provocar inchaço rápido da língua e obstrução grave da respiração, com possibilidade de morte por sufocação. “Há um caso informado no HC de uma jovem que só que não morreu porque foi submetida no ato à traqueostomia (abertura da traquéia, na frente da pescoço, para a pessoa respirar e não morrer”), informa Sampaio.

Existe ainda a possibilidade das seguintes conseqüências de piercing na língua:

1) O foco infeccioso de bactérias da boca pode eventualmente migrar para a circulação e atingir o coração, causando endocardite – inflamação do endocárdio, a membrana que forra o órgão internamente. “Já há casos relatados na literatura”, afirma Soraia.

2) Inflamar a gengiva.

3) Quebrar os dentes, ao se mastigar alimentos ou durante o sono.

“Já nos genitais, o simples fato de furar para a colocação do piercing pode desencadear crise de herpes em quem tem o vírus, e facilitar, depois, infecção por bactérias”, previne Leontina. O mesmo pode ocorrer em quem tem herpes na boca ou no rosto.

Desequilíbrio da circulação energética

A medicina tradicional chinesa também reprova o uso de piercings. “Podem causar desequilíbrio da circulação energética, já que às vezes são colocados em pontos importantes de acupuntura”, diz a médica dermatologista e acupunturista Soraia Aracele Lozano. Ela mesma explica: a circulação energética pode ser grosseiramente comparada à circulação elétrica, e o metal do piercing , como todo metal, é condutor de eletricidade. Ao ser colocado numa região sensível, o sistema nervoso reconhece-o como estímulo elétrico, tal como na acupuntura. O problema é que sua permanência no local forneceria estímulo constante ao cérebro. Isso comprometeria o equilíbrio do organismo, de acordo com a função do ponto utilizado. Por exemplo: o que fica acima do umbigo pode causar retenção de líquidos e alteração intestinal. Já os da hélice da orelha estão relacionados a urticária e dores no braços.

Conclusão: tanto a medicina ocidental quanto a tradicional chinesa desaconselham o uso de piercing. Afinal, não existe um lugar do corpo que seja 100% isento de efeito colateral. Pelo menos, potencialmente, todos estão sujeitos à infecção. Mas os locais de maior risco são hélice de orelha, asa de nariz, língua e genitais. Os cinco especialistas consultados por NoMínimo são unânimes: não se deve colocar piercings nesses pontos; o possível risco não compensa o benefício estético. “Se você já os usa, que tal tirá-los?”, propõe Flávia. “Substitua por piercings de plástico, que são colados com adesivo, e saem com água e sabão.”

Usuários que conhecem o lado nada glamuroso dos piercings engrossam o coro. “Antes de colocar, a gente não sabe quem vai fazer quelóide”, argumenta Milena. “É melhor não arriscar.” Daniel garante: “Apesar de ser bonito, é a maior roubada; piercings, nunca mais”. Para quem se recusa a ouvi-los, Érica manda um recado: “Jovem, quando quer fazer alguma coisa, faz. Mas, não saia furando o corpo por aí. Procure se informar sobre o piercer escolhido; converse com outras pessoas que já fizeram no mesmo estabelecimento”. Nem sempre o lugar mais caro é o melhor, diz Renata, que dá outra dica preciosa: “Se notar ou sentir algo estranho com o piercings, busque ajuda médica rapidamente. Afinal, sua saúde e beleza podem estar em perigo”.

Fonte: Último Segundo

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