Criminalista, dono de um currículo vitorioso construído em 50 anos de embates nos diversos tribunais do País, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, está literalmente do outro lado do balcão: há duas semanas ele protagoniza o papel do acusado. Pesa contra Bastos a denúncia de que seria cúmplice da condenável quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, na medida em que teria tentado proteger o ex-ministro Antônio Palocci. É nesse contexto que na terça-feira 18 Bastos fará sua própria defesa. Desta vez sem toga e no Congresso Nacional. A estratégia a ser adotada pelo ministro foi definida na segunda-feira 10 em uma reunião com o presidente Lula. A conversa durou cerca de uma hora e ficou acertado que Bastos vai para o ataque. Ele dirá que tomou todas as providências cabíveis quando soube da evidência de um crime contra o caseiro – embora não tivesse conhecimento de que o extrato bancário de Francenildo estava nas mãos de Palocci. Esclarecerá que alertou o presidente da gravidade da situação e que a investigação da Polícia Federal não seria contaminada de forma alguma, ainda que atingisse altos escalões do governo. Bastos não poupará o ex-ministro da Fazenda e não perderá a oportunidade de politizar a situação, lançando farpas contra a oposição. Ele vai afirmar com todas as letras que setores do PSDB e do PFL jogaram contra o País ao retardar sua oitiva no Congresso, com o propósito de manter o governo sob pressão num embate pré-eleitoral. O desejo do ministro era o de prestar os esclarecimentos o mais rápido possível. Queria já ter resolvido o problema antes da semana da Páscoa.
Na reunião com Lula, Bastos narrou sua tática de defesa, fez questão de obter o apoio explícito do presidente e deixou claro que não está disposto a deixar o Ministério, a menos que essa seja a vontade de Lula. “Eu não sou desses ministros grudados ao cargo”, avisou. “E eu não vou fazer o jogo da oposição. Vá para cima deles”, respondeu Lula. Quando deixou o encontro, Lula reuniu-se com a coordenação política do governo e pediu apoio irrestrito a Márcio Thomaz Bastos. No dia seguinte, o ministro tratou de acertar apoios com alguns oposicionistas. Como bom advogado de júri, ele sabe que angariar a simpatia de jurados é fundamental para que a tese da defesa transcorra de forma favorável no momento da explanação. Na terça-feira 11, o ministro recebeu em seu gabinete um dos mais ferozes críticos do governo: o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA). De ACM, ouviu a avaliação de que a crise em torno de seu nome estava se esvaziando. Interpretou como um sinal de que seu depoimento no Congresso possa ser menos traumático do que imagina, embora admita não ser um especialista na decodificação dos recados brasilienses.
O fato de possuir uma linha de defesa definida, porém, não é o suficiente para que Bastos mantenha-se inabalável. Abatido, o ministro tem repetido uma única frase a diversos interlocutores: “Estou absolutamente tranqüilo, mas tenho ciência de que a politização do caso torna o resultado do depoimento imprevisível.” Não é por outra razão que nos últimos dias no semblante do ministro transparecem de forma inequívoca a tristeza e a preocupação que o acompanham desde que foi incluído no rol dos cúmplices da condenável quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo. A tristeza é provocada pelo fato de ver seu nome jogado na vala comum dos protagonistas da crise que abate o governo. E a preocupação tem natureza política: o ministro sabe perfeitamente que é o último anteparo do presidente Lula, de quem é amigo há mais de 20 anos. “No calor da disputa eleitoral, se eu cair tenho certeza de que eles partirão para cima do Lula”, revelou o ministro a alguns assessores na terça-feira 11. É uma preocupação verdadeira. Desde que estourou a crise do mensalão, Bastos se tornou um dos principais articuladores do governo e privilegiado interlocutor do presidente.
O ministro tem conversado com assessores e não deixa de acordar às 5h30 para sessões diárias de exercícios físicos, como esteira e musculação. Nas conversas com os principais auxiliares revela uma decisão tomada no final do ano passado, mas potencializada após o maremoto em que está envolvido. “Ainda que Lula vença as eleições, não farei parte de um novo governo”, disse a um delegado da Polícia Federal. “Tenho uma biografia a defender.” A familiares e a alguns poucos colegas de profissão, Bastos se diz indignado com uma faceta do escândalo que o rodeia. “Como é possível alguém cogitar da possibilidade de que eu tenha participado de um esquema para oferecer dinheiro a funcionários da Caixa para que assumissem a quebra do sigilo? Isso não é coerente com minha história e não tem nexo de realidade. Afirmam que o suborno foi tratado comigo e com o Arnaldo Malheiros. Como fariam isso na mesma hora em que foram apresentados ao Malheiros?”, pergunta. “Não tem o menor sentido.”
Bastos esteve reunido com Palocci e Jorge Mattoso(ex-presidente da Caixa Econômica Federal) na casa do ex-ministro da Fazenda na quinta-feira 23
de março. O objetivo do encontro era apresentar aos dois o advogado Arnaldo Malheiros Filho, pois Palocci gostaria de obter informações jurídicas sobre o caso em que estava envolvido: a quebra do sigilo bancário de Francenildo. Na reunião, segundo o ministro, nada foi dito sobre a responsabilidade dos anfitriões no crime, fato que só veio a público na segunda-feira seguinte, quando Mattoso depôs na Polícia Federal e confessou ter entregue o extrato do caseiro para Palocci. Malheiros também nega que na reunião tenha havido qualquer menção ao extrato bancário de Francenildo, mas não conta detalhes do que foi falado. Para manter o silêncio, recorre ao justificável sigilo profissional.
A conta bancária do caseiro se tornou pública na noite de 17 de março. Dois dias depois, Bastos determinou ao diretor da PF, Paulo Lacerda, que iniciasse uma investigação para apurar os responsáveis pela quebra do sigilo bancário de Francenildo. O que a oposição suspeita é que tudo foi um jogo de cena. Pesa a favor das suspeitas o fato de dois assessores de Bastos terem se reunido com Palocci pelo menos 24 horas antes de o extrato ser divulgado. Nessas conversas, o ex-ministro da Fazenda teria solicitado aos assessores do Ministério da Justiça que intercedessem para que a PF investigasse o caseiro, pois seria publicada uma reportagem dizendo que Francenildo teria movimentações atípicas em sua conta. É possível, então, que esses assessores já soubessem que fora Palocci o responsável pelo crime. O desafio de Bastos será o de convencer deputados e senadores de que nem ele nem seus assessores sabiam da efetiva participação de Palocci e de Mattoso na quebra do sigilo de Francenildo.
No Congresso, o ministro da Justiça vai dizer que foi enganado por Palocci.
Ele vai narrar detalhes da conversa que teve com o presidente Lula, em 23 de março. Palocci também estava presente o encontro teve momentos de alta tensão. Bastos sugeriu ao presidente que seu colega da Fazenda fosse afastado do cargo. Disse também que a investigação da Polícia Federal estava em andamento e que era irreversível. Os detalhes dessa reunião, já confirmados por Lula a alguns auxiliares, são favoráveis ao ministro da Justiça. Afinal, se Bastos estivesse participando de um plano para proteger Palocci, não teria sido tão incisivo nos petardos contra o então ministro da Fazenda. E isso não significa que ele soubesse que fora Palocci o autor do vazamento para a imprensa da quebra do sigilo bancário de Francenildo. É por essa razão que Márcio Thomaz Bastos tem a convicção de que poderá se sair muito bem em sua explanação no Congresso, mas nem a habilidade construída nos tribunais ao longo de meia década poderá ser capaz de poupar de constrangimentos o ex-ministro Palocci.
ISTO É
Último escudeiro de Lula, o ministro da Justiça vai ao ataque num depo
Criminalista, dono de um currículo vitorioso construído em 50 anos de embates nos diversos tribunais do País, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, está
Política
Política
Política
Política
Política