Política

Lula reserva R$ 890 mi para habitação e favorece aliados

Numa operação marcada pela pressa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reservou, em pleno ano eleitoral, R$ 890 milhões para gastos extras em habitação

Numa operação marcada pela pressa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reservou, em pleno ano eleitoral, R$ 890 milhões para gastos extras em habitação, sendo a maior parte (R$ 840 milhões) em programas de urbanização de favelas e o restante na construção de moradias de baixa renda. A maior parte da verba vai para municípios governados por partidos aliados a Lula.

Objeto de uma autorização de despesa extraordinária no Orçamento, criada por medida provisória, o dinheiro já havia dado o primeiro passo na direção do gasto –o chamado empenho– antes mesmo da aprovação da MP pelo Congresso. A maior parte dos recursos foi comprometida com obras em apenas um dia.

O elo entre a pressa e o calendário eleitoral é claro. “É importante que prefeitos e governadores se apressem, pois a Lei Eleitoral restringe repasses de recursos federais após o dia 30 de junho”, disse o ministro das Cidades, Marcio Fortes, em mensagem publicada no endereço eletrônico da pasta.

Nessa mensagem, Fortes cobra que municípios e Estados que tiveram projetos selecionados apresentem logo a documentação necessária na Caixa Econômica Federal. Os contratos devem ser assinados até 16 de junho. O dinheiro só pode ser liberado após a vistoria das obras, mas a lei não proíbe repasses aos contratos assinados antes da data-limite.

O Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, de onde sairão os recursos, foi criado em 2005. Mas as suas duas principais ações –urbanização de favelas e construção de moradias para pobres– já existiam e receberam R$ 368,3 milhões no ano passado. Ou seja, em um ano, menos da metade do valor comprometido num único dia.

Os R$ 890 milhões chamam a atenção mesmo se comparados com os valores do maior programa social do governo Lula. O crédito extraordinário para a área de habitação representa pouco mais de um terço do total comprometido até a semana passada com o Bolsa-Família (R$ 2,5 bilhões). É também mais que o dobro das verbas para a manutenção das rodovias federais (R$ 405,1 milhões).

Aliados

Dados registrados no Siafi (sistema de acompanhamento de gastos federais) mostram que 101 cidades vão receber mais de R$ 1 milhão do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social.

Os repasses para esse grupo somam R$ 808 milhões dos R$ 890 milhões do fundo. A maior parte do dinheiro será destinada a cidades governadas por políticos de partidos aliados ao governo Lula.

Considerando o PMDB um aliado (tem cargos no governo), 63% dos recursos vão para 60 municípios governados por aliados. Esse percentual cai para 52,5% sem os peemedebistas –o partido tem governistas e oposicionistas.

Já os partidos da oposição, que governam 32 cidades, ficam com 25% do total. O restante é administrado por partidos que oscilam entre oposição e situação.

Votações obstruídas

O suposto favorecimento atrapalhou as votações no Senado de medidas provisórias que tratavam de gastos extras para outras áreas. O senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) comandou a obstrução. “Não venham dizer que a pressa é ditada por exigências legais, face ao calendário eleitoral”, reclamou. “O que o governo faz agora é um acinte.”

O Ministério das Cidades nega favorecimento. Diz que a distribuição dos recursos obedeceu a critérios de seleção de propostas encaminhadas por prefeitos e governadores. Entre os critérios considerados estão o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e a falta de moradias apropriadas.

A Folha consultou a lista de municípios atendidos e encontrou uma matemática peculiar na seleção. Fortaleza (CE), governada pelo PT, por exemplo, é o terceiro na lista dos que mais devem receber recursos –R$ 30,736 milhões. Mas ocupa o 50º lugar no ranking de desenvolvimento humano dos municípios escolhidos e está longe de atender ao maior número de famílias. Há outras 17 cidades com mais que 1.760 famílias a serem beneficiadas.

Belém (PA), administrada pelo PTB, é a segunda cidade que mais receberá dinheiro do fundo (R$ 33,459 milhões), embora esteja em 46º lugar no ranking dos municípios menos desenvolvidos. O número de famílias atendidas em Belém é menor do que o de outras 12 cidades selecionadas.

Lula faturou politicamente o programa de habitação em solenidade no Palácio do Planalto, no início de fevereiro. Em seu discurso, Lula disse que dava prioridade “ao setor mais humilhado da sociedade, aquele que mora nas piores condições, a começar por aqueles que moram em situação degradante, em palafitas espalhadas por este país afora.”

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