Política

[Especial] Uma viagem nos ‘trilhos’ do tempo: a aventura de passear de

Em tempos de modernidade excessiva, um passeio de trem se transforma em uma viagem no tempo

Em tempos de modernidade excessiva, um passeio de trem se transforma em uma viagem no tempo. Muito mais do que utilizar-se de um meio de transporte, uma viagem ao passado. É como sair do século XXI e embarcar em uma outra época. No desembarque, a emoção de ter vivido um pouco da história nessas máquinas que há muito encantam gerações.

Quarta-feira pela manhã, o dia escolhido para o que seria considerada a aventura de realizar pela primeira vez uma viagem de trem em João Pessoa, e conhecer os serviços oferecidos pela Companhia Brasileira de Transportes Urbanos (CBTU). Exatos 30 quilômetros de linha férrea de Cabedelo à Santa Rita, passando por João Pessoa. São 28 viagens por dia, que transportam cerca de 8.500 usuários/dia.

A Estação – O espaço impressiona por sua bela arquitetura. Localizada na praça Napoleão Laureano, Varadouro, bairro vizinho ao centro de João Pessoa. Próximo ao Teatro Santa Rosa, Estação Rodoviária e caminho para o Aeroporto Castro Pinto. À entrada, é possível avistar ao longe a torre da Catedral Nossa Senhora das Neves, padroeira da cidade.

Uma mistura de modernidade e antiguidade, um cheiro de história no ar. Construção de pé-direito alto, antigas luminárias. Encanta aos visitantes de primeira viagem, e agrada aos portadores de deficiências com suas rampas, muitas vezes esquecidas até mesmo em prédios públicos. Algumas peças antigas compõem o ambiente do hall de entrada, que possui bancos que mais parecem saídos de uma novela de época, espalhados por todo o ambiente, e se confundem com as modernas mesas e cadeiras da lanchonete que encontramos no local.

Um telefone público, caixa de correio, e um terminal eletrônico de banco completam o cenário de serviços, que conta ainda com uma recepção, onde uma funcionária esclarece as dúvidas dos passageiros, e duas bilheterias. Ao lado, os indicativos dos horários – à direita, para a viagem João Pessoa/Cabedelo. À esquerda, João Pessoa/Santa Rita.

O ambiente – Famílias inteiras, grupos de amigos, ou solitários geralmente cheios de sacolas, pastas ou livros nas mãos, aguardam o embarque. Lá fora, o trânsito intenso parece fazer parte de um outro mundo. Ele quase impede a audição das músicas que insistem em tocar o tempo todo na rádio da estação, embalando o ritmo de espera.

A espera é longa, em média 50 minutos. E se você não está familiarizado com os horários, cinco minutos de atraso podem fazer com que você passe um bom tempo aguardando a hora do embarque. O providencial é munir-se imediatamente de uma Tabela de Horário, uma publicação distribuída à entrada da estação com o sugestivo título “Ande com o trem no bolso”.

Nessa manhã de quarta-feira, 29 de abril de 2006, foram 10 minutos de atraso os responsáveis por uma espera de 1 hora e 4 minutos. Chegando à estação ás 10h17, a placa de horário informava que o próximo trem com destino a Cabedelo, o percurso escolhido, sairia às 11h21. O anterior havia partido pontualmente às 10h07. Alguns sentam-se nos batentes da entrada enquanto aguardam, outros aproveitam para fazer um lanche. Uma boa parte apenas observa, enquanto quem está acompanhado aproveita para colocar o assunto em dia. As crianças brincam ou assistem a programação da televisão, isso já na plataforma.

A administração da empresa está localizada no prédio da estação e é comum ver os funcionários misturando-se aos passageiros. Os que mais circulam no local são os responsáveis pela limpeza, que o tempo todo realizam algum tipo de atividade. O quadro de aviso mistura informações de interesse geral, como a Campanha contra a Hanseníase, que tem o apoio da CBTU, e informações corporativa, como licitações ou a eleição da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA).

A espera – Aos poucos, a espera vai causando uma sensação de desconforto, não por causa do tempo. É que o sentimento de aventura quase se envergonha, diante da sensação de cotidiano presente no comportamento dos passageiros que aguardam o embarque na plataforma. Aquela viagem faz parte do dia-a-dia de quase todos eles. Em cerca de 3 horas, entre espera e a viagem, percurso de ida e volta, é possível observar que andar de trem é a rotina daquelas pessoas.

Que vêm à cidade para trabalhar, passear, estudar e em muitos casos, para se abastecer de produtos que não encontram em seus bairros ou municípios. Mandacaru e Ilha do Bispo, em João Pessoa; Jacaré e Renascer, em Cabedelo; Bayeux, Várzea Nova e Santa Rita. O fator principal para a escolha do trem como meio de locomoção é o preço. A passagem custa R$ 0,50. Para se ter uma idéia, uma viagem de Cabedelo até Santa Rita, de ônibus, só de ida, sai por R$ 3,60.

João Batista, estudante de 20 anos que se prepara para fazer vestibular de Engenharia, morador de Cabedelo, vem a João Pessoa para estudar e se preparar para o vestibular. Mas também utiliza-se do trem para passear, a trabalho, e para fazer sexo (esta última observação, feita sem maiores explicações). Ele costuma aguardar o trem no jardim localizado ao lado da Plataforma de Embarque. Um espaço que encanta com suas belas flores, grama verdinha, galhos milimetricamente podados e um cenário de casa de campo. Isso graças aos esforços de alguns funcionários, que contam com o apoio da Empresa.

Mas não é apenas o fator econômico que atrai os usuários de transporte ferroviário em João Pessoa e seus municípios vizinhos. Eles também sentem-se atraídos pelas viagens mais curtas, e a ausência da agitação do trânsito. Além da praticidade de poder saber exatamente o horário de embarque, o outro lado da moeda, visto como uma comodidade. O comentário geral é de que os atrasos não são freqüentes, o que surpreende, e quando ocorrem, não costumam passar de 5 a 10 minutos.

O desconforto só aumenta se uma das máquinas quebrarem, o que pode provocar um atraso de mais de duas horas. Mas isso, segundo informam os passageiros, também acontece raramente.

A viagem – A longa espera chega ao fim, anunciada pelo apito do trem, que chega à estação. Vai embora a tímida vergonha de ser a única a estar ali por simples escolha, a nítida intenção de passear. O segredo é esquecer a obrigação, a intenção, e embarcar na viagem como se entra em uma aventura. E talvez seja exatamente essa a circunstância da viagem, na maioria das vezes. Camuflada em rostos preocupados com os afazeres do cotidiano. Cada um faz o seu trajeto, percebendo-o da maneira que mais lhe convém. Mas a magia está lá, a cada estação, a cada movimento do vagão que imprime um ritmo divertido à viagem. Enxergá-la, só depende de você.

Ao entrar no vagão, uma pequena decepção, as janelas praticamente impossibilitam apreciar a paisagem, o que só pode ser feito de verdade se você ficar em pé. Tudo bem, como informa um dos passageiros, a mudança ocorreu há cerca de três anos, porque as crianças das comunidades por onde passam o trem tinham o hábito de jogar pedras pelas janelas. A mudança foi um mal necessário. Mas a segurança interna é garantida com a presença de vários profissionais, que passeiam entre os vagões.

E por falar em crianças, foi em relação à elas uma das poucas sensações de desconforto ao longo do trajeto. Uma certa angústia de vê-las próximas aos vagões. O trem praticamente passa ao lado de seus quintais em uma grande maioria de comunidades muito simples, boa parte visivelmente carente. Adultos também se debruçam nas janelas e interrompem seus afazerem para observar a passagem do trem.

Outra observação a ser feita seria em relação a ausência de um sistema de alto-falante interno, informando a chegada em cada estação, prática comum em outras cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, observando também que a sinalização visual também deixa um pouco a desejar. Mas isso não parece incomodar aos usuários habituais. Apenas os ‘marinheiros’ de primeira viagem parecem se atrapalhar com o fato, como foi o caso da estudante de Letras Luciene, que deveria ir até Santa Rita com os seus colegas de Faculdade, de onde seguiriam até Guarabira, onde estudam. Ela confundiu-se e fez um passeio forçado até Cabedelo, pegando o sentido contrário.

Durante a viagem, apenas um casal de turistas, vindos da Alemanha, foi visto fazendo uso do trem. Mas, segundo informa a Gerência de Comunicação e Marketing da CBTU, através de seu Informativo, Via Férrea, o número de turistas que fizeram o passeio este ano pode ter aumentado cerca de 20% em relação ao ano passado.

Ao final do percurso, de volta a João Pessoa, uma pausa para ler a poesia de Lau Siqueira, Políbio Alves e outros poetas, espalhadas pelas paredes da estação, parte do Projeto “Parede Poética”. A sensação de querer mais, quem sabe um tempo onde a praticidade e a magia de uma viagem de trem possa se aliar ao conforto e às comodidades de outros meios de transporte. Ou quem sabe então, outras alternativas, um investimento maior nos passeios turísticos na cidade, trabalhando uma série de atrativos que na verdade formam uma grande demanda, pronta para ser explorada.

O advento do trem de passageiros pode ser considerado um dos marcos fundamentais para o que o turismo é hoje, já que a concepção de se transportar grande número de viajantes para um mesmo destino, de uma só vez, se iniciou com eles. Fazer um passeio de trem é realmente visitar o que no passado se chamava “viagens organizadas” e que deu origem ao que é hoje a atividade turística.

CBTU, a Empresa – Foi criada em 22 de fevereiro de 1984 (Decreto-lei nº 89.396) vinculada à Secretaria Nacional de Transportes do Ministério dos Transportes e das Comunicações, na forma de uma Sociedade de Economia Mista, subsidiária da Rede Ferroviária Federal – RFFSA, com a missão de modernizar, expandir e implantar sistemas de transporte de passageiros sobre trilhos, visando a ampliar a mobilidade da população e contribuir para o desenvolvimento dos setores produtivos da sociedade e para a melhoria da qualidade de vida nos centros urbanos.

Com a edição da Lei nº 8.693, de 3 de agosto de 1993, dispondo sobre a descentralização dos serviços de transporte ferroviário urbano de passageiros da União para os Estados e Municípios, o controle acionário da CBTU foi transferido, em 10 de março de 1994, da RFFSA para a União. Desde então, a CBTU passou a ser vinculada diretamente ao Ministério dos Transportes, focada na modernização e expansão dos sistemas que operava visando à transferência da administração e gestão daqueles sistemas para os poderes locais de governo. Atualmente, está vinculada ao Ministério das Cidades, desde 1º de janeiro de 2003 (Decreto nº 4.566).

A origem do trem em João Pessoa – A princesa Isabel, em 15 de dezembro de 1871, assinou o Decreto nº 4.838, concedendo aos conselheiros Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, deputado geral Anísio Salatiel Carneiro da Cunha e André Rebouças, o privilégio de construir e explorar a estrada de ferro Conde D’Eu, ligando a sede da Província à vila de Alagoa Grande, com ramais para as de Ingá e Independência (antigo nome da cidade de Guarabira). Essa concessão não vingou. Em 1880, teve início a construção da estrada de ferro. Em 1881, foi inaugurado um trecho de 30 km ligando João Pessoa à localidade Entroncamento, em Sapé. Era a Companhia Estrada de Ferro Conde D’Eu, do Brasil Imperial, detentora da concessão.

Segundo o historiador paraibano Horácio Almeida, “o progresso entrou na Paraíba pela linha de ferro”.


Lilla Ferreira
ClickPB

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