Voraz crítico do estágio de composição moral dos políticos e do Governo petista, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, confirma que o Conselho da instituição tem reunião agendada para o próximo dia 8, para analisar o pedido de impeachment do presidente Lula. Busato, entretanto, não arrisca fazer uma previsão do seu resultado. “O que posso garantir é que, qualquer que seja o seu resultado, será muito apertado”, diz, nesta entrevista exclusiva à Agência Nordeste.
Para ele, a crise que atinge o Governo Lula é gravíssima. “É bem mais extensa e profunda que a do Governo Collor, sobretudo após a denúncia formal do MP. Mas, por circunstâncias sociologicamente complexas, não produz a mesma mobilização de ruas”, observa. Há 10 dias, Busato esteve com Lula e ao próprio presidente confirmou a intenção da OAB de avaliar o pedido de abertura de impeachment.
Na última quinta-feira, por ocasião da posse da nova presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, Busato voltou a criticar duramente o Governo, num ato em que estava o presidente Lula, que chegou a demonstrar incômodo com o tom das palavras. Mas, o dirigente da OAB garante que não há fixação em fazer oposição ao Governo. “Minha visita ao presidente não me fez mudar de opinião”, garante.
Agência Nordeste – O senhor não acha que foi duro demais com o Congresso no discurso que fez na posse da presidente do ST?
Roberto Busato – Não quis constranger ninguém. Procurei refletir tudo aquilo o que aconteceu nos últimos dois anos. A Ordem não cria fatos, apenas os repercute quando eles afetam a sociedade civil. Não entendo, também, que tenha havido descortesia com ninguém, muito menos com o Congresso Nacional, tendo em vista que na posse da ministra Ellen Gracie, no STF, eu fiz um contraponto entre uma parte do Congresso e outra parte daqueles políticos que não estão ali mais. Quis me referir, ainda, as posições tomadas pelo Conselho de Ética e ao resultado no plenário. Acredito que tenha sido, sim, uma repercussão dos fatos como eles aconteceram.
AN – Mas, o líder do governo, Arlindo Chinaglia, disse que o senhor foi descortês com o Congresso em seu discurso…
RB – Eu posso sim ter sido descortês, mas com os liderados dele, que cometeram infrações éticas. Não fui descortês com o Congresso. Se fui descortês, fui exclusivamente com os deputados que agiram erradamente no Congresso e que são liderados por ele, Arlindo Chinaglia.
AN – Os governistas acusam a OAB de estar fazendo discurso oposicionista, enquanto a oposição cobra atitude crítica mais veemente contra o Governo. Como fica a instituição nesse fogo cruzado?
RB – Fica onde sempre esteve: ao lado da lei e da sociedade civil. A OAB não sobe em palanque. Não tem vínculo partidário ou ideológico. Nosso único compromisso é com a cidadania e com o que estabelece o Estatuto da Advocacia: a defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado democrático de Direito. É sob esse ângulo, e somente por ele, que fazemos à leitura crítica da crise política.
AN – E o senhor acha que ela pode desembocar no impeachment do presidente da República?
RB – A crise é grave, gravíssima – e bem mais extensa e profunda que a do Governo Collor, sobretudo após a denúncia formal do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Mas, por circunstâncias sociologicamente complexas, não produz a mesma mobilização nas ruas. Não há caras-pintadas, nem ambiente popular de rejeição ao presidente. Ao contrário, ele continua liderando as pesquisas de opinião para sua sucessão.
AN – A OAB vai examinar, no próximo dia 8, proposta de impeachment no âmbito de seu Conselho Federal. O senhor já tem noção da tendência?
RB – Não tenho essa resposta. A decisão será dos conselheiros federais da OAB. A proposta foi encaminhada por um de nossos conselheiros e submetida a uma comissão técnica. O relator, o advogado Sérgio Ferraz, apresentará seu voto, que será submetido a um universo de 81 conselheiros. Nossa instituição é plural. Reflete a diversidade da sociedade brasileira. Pode dar qualquer resultado, mas penso que será apertado.
AN – O senhor esteve com o presidente Lula, na semana passada. Ele lhe pediu alguma coisa em relação à proposta de impeachment?
RB – Fui ao presidente entregar um convite para a reunião, em novembro, da União Internacional dos Advogados, entidade mundial máxima de nossa profissão, que acontecerá no Brasil, em novembro, e empossará na sua presidência um brasileiro.
AN – Não é uma contradição levar um convite ao presidente e, simultaneamente, submetê-lo a um processo que poderá apeá-lo do poder?
RB – São coisas distintas. A importância do evento da UIA nos impõe uma liturgia, que é a de convidar para sua abertura os chefes dos três Poderes da República. O convite é impessoal; é para a pessoa jurídica. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
AN – No período ditatorial, a OAB assumiu bandeiras importantes devido restrições impostas aos partidos. Por que, em pleno regime democrático, os partidos não assumem essas bandeiras?
RB – Após a redemocratização, em face dos sucessivos escândalos políticos, os partidos perderam credibilidade e interlocução com a sociedade. E esta buscou em seu próprio âmbito referências mais confiáveis. Daí a presença de instituições como a nossa na cena política, ao lado de outras como CNBB, ABI e outras entidades.
AN – O que se diz é que, optando ou não pelo impeachment, a OAB pagará um ônus político, já que a sociedade está dividida diante da crise. O que o senhor acha?
RB – Não há ônus político quando se joga limpo e sem segundas intenções. A OAB não aufere dividendos políticos com os seus ideais. Se a sociedade está dividida, é em função das contradições do jogo político brasileiro e do mau papel de grande parte de seus agentes. Nem todos os que denunciam os atuais escândalos têm folha corrida que os autorize a fazê-lo. E isso confunde o eleitor. Mas a Ordem pauta sua atuação por princípios claros, baseados na ética e no apartidarismo, e não permitirá o uso de sua imagem nos palanques eleitorais. Quem o fizer será denunciado.
AN – Ainda sobre o impedimento, o ministro Tarso Genro destacou que há posições de setores da sociedade que o consideram discutível, ou uma espécie de “golpismo”, já que o presidente Lula teria 60% de aprovação dentro da sociedade. Ele tem razão?
RB – Eu conversei com o ministro Tarso Genro e a conversa não chegou nesse nível. Ele não falou em golpismo por parte da Ordem. A OAB sempre manteve uma posição muito altiva nesse ponto. O ministro Tarso Genro jamais tachou de golpista a iniciativa da Ordem. Nós acatamos uma iniciativa de plenário e vamos discutir esse assunto e resolvê-lo com a mesma tranqüilidade que discutimos os grandes acontecimentos da nação. A história da Ordem se mistura com a história da República do Brasil. E a OAB não construiu sua história com golpismo, com jogo baixo ou com influências político-partidárias. Ela sempre fez a sua história e a sua política na trincheira da luta democrática, tentando auscultar aquilo que a sociedade civil pensa e aquilo que os advogados entendem estar de acordo com o Estado Democrático de Direito.
AN – O senhor tem feito duras críticas ao Governo e batendo na crise nacional. Por que?
RB – Eu continuo dizendo que esta é a maior crise político-institucional que existiu desde o início da República. Eu não mudei de opinião em função da visita ao presidente da República. Aliás, o próprio presidente da República hoje se lamenta dessa política e eu acredito que nenhum brasileiro consciente está satisfeito com a situação aí colocada. Nós vimos na abertura do ano jurídico, por exemplo, o senador Renan Calheiros afirmar que Congresso Nacional ficou 65% de seu tempo paralisado por medidas provisórias. Quem é que está satisfeito com uma situação dessa? Evidentemente, nem o presidente da República está satisfeito e a OAB continua insatisfeita. Já disse um ex-presidente da OAB, na última sessão plena, que quando a Ordem não fala, não critica, ela já está aplaudindo, já está dizendo que está tudo correto. A Ordem estará, assim, se manifestando de forma altiva, como sempre fez. Não mudei de posição e continuo dizendo que o assunto do impedimento está pautado para o dia 8 de maio, em sessão pública, e não me cabe, como presidente, tangenciar agora o entendimento da entidade.
AN – Doutor Busato, o senhor não acha que o Congresso, que não cassa nem os “mensaleiros”, tem autoridade para cassar um presidente da República?
RB – Todos nós estamos apreensivos com a capacidade deste Congresso. Em relação a isso, discutimos com o presidente a reforma política para o ano que vem. O presidente Lula achou interessantes algumas teses que a Ordem vem discutindo, até mesmo aquela que expus – e fui bastante criticado – que é a de lançamento de uma Constituinte exclusiva, apartada do Congresso, com tempo correto e assuntos definidos para serem abordados. O presidente viu com simpatia esse projeto, sabedor de que alguma coisa tem que ocorrer para mudar a situação política do País.
AN – A OAB não teme a criação de um clima de polarização como ocorreu na Venezuela? Um presidente com apoio das camadas populares, enfrentando um pedido de impeachment na hora da eleição, isso não pode criar um clima negativo de polarização no País?
RB – Eu tenho dito que o pior remédio no Estado democrático de Direito é o impedimento do presidente da República. Ele é o guardião-mor da Constituição, é a autoridade número um do País, representa o País e a sua soberania. Evidentemente, este é um momento difícil, em que temos que ter serenidade. Ninguém quer, eu particularmente não quero – e tenho visto isso na advocacia brasileira – uma situação de divisão do País como a que ocorreu na Venezuela. Nós, absolutamente, não apoiamos qualquer atitude sectária de divisão de classes no Brasil. O País não tem esse tipo de problema. O problema do Brasil é outro. O problema do Brasil é ético, de crise moral que contaminou dois poderes. E temos que resolver isso de forma serena, de forma democrática e absolutamente altaneira, como sempre foi a posição do Brasil.
AN – Impeachment é uma decisão de colegiado no caso da OAB. Mas pessoalmente, o senhor, como presidente da OAB, acredita que há fundamentação jurídica para tal pedido?
RB – Como presidente da entidade, quero declarar que estou empenhado seja para a instituição votar a favor do impeachment seja contra o impeachment. Cabe a mim presidir o Conselho Federal. E o Conselho Federal da OAB é composto de excelentes juristas, sendo 81 juristas de todo o Brasil e mais os membros honorários vitalícios, pessoas de alto respeito dentro da instituição e na vida pública do país. O assunto está pautado. Consta do Diário Oficial da União de hoje a convocação do Conselho Federal para o dia 8 de maio, às 9h, em audiência pública aberta à nação brasileira. Nessa ocasião, a Ordem irá se manifestar a respeito dessa matéria, que foi acolhida por este presidente por ter sido uma deliberação de plenário dentro da Ordem.
Não me cabe, ao momento em que o assunto está pautado, discuti-lo. Eu tenho agido assim durante todo o meu período enquanto presidente. Quando está pautado um assunto dentro do Conselho Federal, o presidente procura não comentá-lo até para não modificar o pensamento dos senhores conselheiros. Cabe-me, repito, presidir a entidade. Somente afirmo que cumprirei com toda a dignidade a integridade daquilo que o meu Conselho determinar. O que a instituição se inclinar a fazer, o presidente estará à frente, acompanhando o que decidirem os advogados brasileiros.
Agência Nordeste
Busato: “Crise é mais profunda que a de Collor”
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