Fugir não era uma escolha, era a única saída para a família da paraibana Silvana Pilipenko, que morava na Ucrânia, país invadido pelas tropas militares da Rússia desde fevereiro. Em entrevista ao ClickPB, nesta segunda-feira (18), ela contou como escapou ilesa, junto com o marido e a sogra, da guerra que já ceifou a vida de milhares, além de deixar feridos, desaparecidos, refugiados e órfãos.
Com a resistência da Ucrânia aos ataques russos e as negociações por um cessar-fogo se arrastando por meses, a guerra parece estar longe de um fim. Segundo a ONU mais de 10 milhões de ucranianos precisaram deixar as suas casas por causa da invasão russa. Isso representa mais de um quarto da população da Ucrânia.
Oito dias após sua chegada em João Pessoa, ela compartilhou também sobre os desafios do recomeço e de estar de volta à terra natal, e revelou que estão sobrevivendo da ajuda do governo e das pessoas que estão fazendo doações via número de Pix, que foi liberado pela família para conseguir sobreviver nos primeiros meses na Paraíba, através dos dados a seguir:
SILVANA VICENTE PILIPENKO
Caixa Econômica Federal
Agência 0904
Operação 013
Conta Poupança 9319-6
Confira a entrevista e o relato emocionante dessa sobrevivente de guerra a seguir:
A Rússia já tinha feito ataques anos atrás para anexar a Crimeia. Com esse histórico de conflitos, vocês imaginavam a possibilidade de algum novo ataque?
Tem outra cidade na Ucrânia que estive nessa área com permissão, onde uma guerra da Rússia já dura mais de oito anos. Estive nessa área para um casamento. Eu já tinha uma noção pouca da guerra, pois familiares que vivem nessa região me contavam como estava a situação lá. Mesmo assim, a gente não acreditava que tivesse guerra, pois Putin dizia que não pensava em atacar a Ucrânia. As pessoas que a gente convivia não acreditavam que a guerra chegaria. A gente não acreditava, nós pensávamos que pudesse ter um acordo até para poupar os civis. Nossa cidade, Mariupol, tinha 400 mil habitantes com muitos idosos e crianças. Jamais imaginávamos que uma guerra podia chegar até nós.
Mesmo sabendo que a Rússia é muito mais potente, o que ainda motiva os ucranianos a resistirem?
Quantos mais armas fornecidas, menos os ucranianos pensam em se render. Se eles se renderem, qual será o destino deles? Então, se você entra em uma guerra, por que você iria se render? Enquanto eles estão recebendo armas, irão continuar resistindo. Eles irão lutar até o último soldado. No meio dessa guerra, existem os civis e aqueles que não sabem nem pegar em uma arma. É inacreditável, quantos não foram convocados sem querer ir, vão ainda jovens, obrigados.
Eles são muito patriotas, muito amor pelo país. Nesse tipo de situação não é fácil retroceder. Um passo para trás pode justificar a morte deles. Eles preferem morrer lutando. Torço muito para que eles se rendessem para que a guerra terminasse. Eu não apoio partido nenhum, meu coração é ucraniano, e por ser pela Ucrânia, penso nos civis, nas pessoas que conviviam comigo. Então, pela vida delas, penso que seria melhor uma situação de trégua. O que adianta a Ucrânia vencer algo e não sobrar nada? As cidades estão totalmente destruídas. Minha sogra que é de lá e meu marido não querem saber quem ganha, quem perde, querem o pão na mesa, querem o mínimo para viver.
Se tivesse colocando um plebiscito ninguém teria votado pela guerra. Se fosse assim eu não teria passado 12h em uma fila dentro de um carro. Quase que a gente não passava, todo mundo querendo sair, querendo sobreviver. Só conseguimos sair pois fomos pela fronteira com a Rússia. Quem saiu pela Ucrânia, principalmente os homens, foram obrigados a ficar para lutar, muitas famílias foram separadas.
Como fizeram para manter a saúde mental em meio a um cenário de terror? Houve momento de pânico? ou mantiveram a esperança?
Eu acreditava em milagres. Nós estávamos resistindo, aprendendo a viver sem saber o dia de amanhã. Meu filho tem 26 anos e se tivesse lá teria sido convocado para essa guerra. Havia a possibilidade de morte, pois vivíamos com os bombardeios constantes. A qualquer momento, podíamos dormir e não acordar, mas eu sou cristã, e nas situações difíceis, decido e escolho por exercitar a fé. Nunca escolho o lado negativo. Nosso apoio era entre nós mesmos. Orávamos juntos, e quando estava querendo esmorecer, meu esposo e os vizinhos ajudavam uns aos outros.
Não vi ninguém entrar em desespero, vi pessoas cozinhando e dando apoio umas as outras. Crianças brincando nas ruas. Pessoas com muita coragem e muita força, principalmente os idosos. Minha sogra, por ser fragilizada, ainda chorava, mas eu me fortalecia e não me abatia para dar força a ela.
Nós não tínhamos tempo para ficar remoendo a morte e o sofrimento. Todo tempo estávamos ocupado procurando madeira para cozinhar, fazer os pavios, buscar água e roupas que sujavam muito rápido com o fogo e a fumaça das bombas. Na hora de dormir, pela graça de Deus, ainda conseguia dormir, mas acordava com os estrondos, acordava cedo para orar, e pedia para que Deus fosse a nossa proteção, e que o prédio não fosse abatido, apesar de uma mina ter atingido o prédio e estourado todos os vidros.
Como foi sobreviver em meio a uma guerra sem as condições mínimas de existência?
Tinha acabado nossos mantimentos, mas sempre tinha a solidariedade dos vizinhos. Tínhamos quatro sardinhas, mas tivemos que dividir. Tudo a gente dividia com os outros. Os últimos ovos, a gente cozinhava todos para não perder a lenha, era um ovo para três pessoas. A janta era sempre chá. Fizemos pães com o último saco de farinha.
Passamos pelos 32 dias de guerra. Fiquei sem comunicação 26 dias. A medida que os dias iam passando as coisas iam acabando. Meu filho começou entrar em desespero. Ele havia ficado sabendo que uma mina tinha atingido nosso prédio. Ele localizou via satélite, entrou em contato com a empresa para pedir demissão e ir atrás da gente. Ele queria ir para a Ucrânia, mas sabendo que poderia ser pego para lutar obrigado, ele entrou nos grupos de pessoas que queriam ganhar dinheiro e apareceu um motorista que foi informado sobre minha existência. Fomos resgatados da porta do nosso prédio. Tínhamos ido buscar água e o motorista estava nos esperando.
Saímos em comboio de três carros e todo mundo estava naquela pressa. Foi um milagre. Não sabia do alcance de nossa história, de quantas famílias estavam orando por mim. Foi tudo um milagre. Muitas pessoas não tiveram a nossa sorte.
E como está sendo essa jornada de iniciar uma nova vida, de deixar toda a história construída lá, e das perspectivas por aqui?
Qualquer barulho a gente ainda pensa que é uma bomba. Estou aliviada, segura e muito contente por estar de volta. Estou orgulhosa do meu filho, que tomou uma atitude de oferecer todo o dinheiro que ele juntou para resgatar o pai, a avó e a mãe dele, e ainda pedir demissão do emprego para conseguir nos salvar. Todas as articulações foram feitas pelo meu filho com as embaixadas, o Itamaraty. Meu filho não desistiu da família dele. Eu estou muito feliz por ter um filho como o meu. Que homem de caráter que eu consegui educar.
Parte de mim está aqui, mas a outra parte está lá. Tenho 27 anos de casadas com Ucraniano. Então, me sinto ainda triste por tudo que está acontecendo lá. Ainda acordo muitas vezes, e oro por todos. Só virá o sossego com o fim da guerra. Sonho com Putin deixando a Ucrânia em paz.
A principio, nós iremos ficar aqui. Mesmo que a guerra acabe, nós iremos ficar aqui. Se minha sogra conseguir superar aqui, quando a guerra acabar lá, vamos realizar o sonho que ela tem de voltar lá.
O currículo do meu esposo é muito bom, na área marítima, e já está sendo encaminhado para outros estados também. Vasyl é engenheiro naval e capitão de navio. Ele é fluente em português, russo e inglês, e está tentando conseguir emprego, em breve estaremos estabilizados. Ele tentou conseguir emprego no Porto de Cabedelo, mas por causa da qualificação alta dele, ficou difícil encontrar um cargo por aqui. O governo está tentando mediar uma função em outros estados. Esperamos recomeçar com a paz necessária que perdemos nos últimos meses.
Leia mais sobre o caso:
Paraibana que saiu da Ucrânia durante a guerra chega à Paraíba e é recebida por familiares e amigos