O sistema de gerenciamento das chamadas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu/192), em João Pessoa, mostrou um dado alarmante: das 32.577 ligações recebidas, no período de 1º de dezembro de 2006 a 18 de janeiro deste ano, 19.823 foram trotes, uma média de 404, por dia. O número representa 61% do total de chamadas e é quase duas vezes maior do que o número de atendimentos. A brincadeira de mau gosto está preocupando a coordenação do Samu, que teme que vítimas de acidentes deixem de ser socorridas, enquanto a equipe atende trotes.
Segundo o relatório do Samu, em 49 dias, foram registrados 9.950 atendimentos a pessoas vítimas de acidentes (31% do total de chamadas), 1.063 ligações por engano (3%), 402 orientações gerais (1%) e 196 orientações médicas (1%). No ano passado, antes da informatização do sistema de atendimento, os tipos de chamadas, a exemplo dos trotes, não eram registrados de forma fidedigna, o que dificultava o levantamento dos dados. Agora, o sistema conta com um aparelho de identificação e gravação de chamadas.
Terminais ocupados – De acordo com a coordenadora geral do Samu, Roberta Abath, o trote parece uma simples brincadeira, mas as ligações ocupam os terminais e podem impedir que usuários em situação crítica peçam socorro. Ela explicou que os trotes são realizados principalmente por crianças, a exemplo de um caso em que um menino de seis anos acionou o serviço de forma ininterrupta por 32 vezes. Trotes infantis são mais fáceis de serem identificados. O problema maior é quando parte de um adulto mau intencionado. “A situação é ainda mais delicada quando os trotes são realizados por adultos, pois nestes casos são mais bem elaborados e ocasionam o deslocamento das ambulâncias”.
O técnico auxiliar de regulação médica do Samu, Arimatéia Carlos, disse que, no dia-a-dia, recebe diversos tipos de trotes, inclusive com chamadas de outros municípios. Ele lembrou um fato que ocorreu numa noite de setembro de 2005, quando várias pessoas ligaram para o Samu e para o Corpo de Bombeiros, informando que as arquibancadas montadas para um show do grupo Timbalada, no Jacaré, haviam desabado, ferindo diversas pessoas.
Segundo ele, a situação levou os órgãos a montarem um plano de catástrofe com o deslocamento de viaturas e um forte aparato de técnicos, mas quando chegaram ao local o show transcorria normalmente. “Se um acidente grave ocorresse em outro local neste intervalo de deslocamento, as vítimas poderiam vir a óbito sem o pronto atendimento”, alertou.
Roberta Abath explicou que em cidades como João Pessoa, que também atende a outros municípios, é difícil mapear a origem de alguns tipos de chamadas. Segundo ela, quando as ligações são identificadas é possível retornar e orientar a família e o autor do trote, mas nos casos onde a identificação (ID) dos celulares está suprimida fica impossível saber a origem.
Ela explicou que a obstaculação de serviços de urgência é crime e, como as ligações são gravadas, os responsáveis pelos trotes podem ser acionados judicialmente. “Não queremos ter que trilhar por esse caminho, pois consideramos que é preciso educar as pessoas para a utilização de maneira correta do serviço considerado de referência nacional e tão importante para salvar vidas”, explicou.
Projeto Samu na Escola – Um dos meios encontrados pelo Samu para conscientizar as pessoas é o projeto de educação continuada que está possibilitando que os alunos das escolas municipais e privadas conheçam o funcionamento do Samu, desde o recebimento das chamadas, passando pelo trabalho dos operadores de frota até os atendimentos das equipes médicas.
O trabalho possibilitará que as crianças e jovens se conscientizem da importância do serviço para socorrer as vítimas de acidentes e sejam agentes multiplicadores do combate ao trote realizado principalmente por crianças. As escolas também podem agendar visitas ao Samu com antecedência para que os alunos conheçam o trabalho das equipes que diariamente prestam socorro a população em residências, rodovias e vias-públicas.