Entrevista

Promotora analisa que solução para violência contra a mulher não está na repressão: “educação é determinante”

“Nós criamos nossos meninos entendendo que homem não chora, para serem os machos. Normalmente, só se culpabiliza as mulheres e elas se sentem culpadas. Elas estão no ciclo da violência, ficam de forma pendular", disse a promotora.

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"A violência doméstica tem suas peculiaridades e é complexa. “Me alegro muito quando chegam histórias que, a partir de uma medida protetiva policial, judicial, houve uma mudança estrutural”.

A solução para a violência contra a mulher não está na repressão. A afirmação foi feita nesta quinta-feira (7), no programa Arapuan Verdade, pela Promotora de Justiça do Ministério Público da Paraíba, Rosane Araújo, como acompanhou o ClickPB. Ela tem atuação na área dos direitos da mulher e da violência doméstica. 

“Se fala muito no enfrentamento, no combate, penas flexíveis. Nós só temos um olhar, a repressão”, disse. Para ela, é preciso trabalhar as causas estruturantes do fenômeno da violência, que é complexo e multicausal. “E se é complexo e multicausal, a solução não se resume na repressão. Muito pelo contrário. É muito antes disso”, pontuou. 

“Nós criamos nossos meninos entendendo que homem não chora, para serem os machos. Normalmente, só se culpabiliza as mulheres e elas se sentem culpadas. Elas estão no ciclo da violência, ficam de forma pendular. Ontem, fiz dez audiências e a grande maioria reconsidera porque tem que manter o casamento, a família, os filhos”. 

Conforme a promotora, o ciclo deve ser quebrado no começo porque violência é comportamento aprendido. “Ninguém nasce violento, ético, amável. Tudo isso é aprendido. Nós reforçamos esses estereótipos e isso não é coisa simples. Nós pensamos que é. A Lei Maria da Penha está resolvendo porque se não fosse essa lei seria muito maior essa violência estrutural que nós naturalizamos”.

A promotora lembrou também que houve uma época em que era normal o homem matar a mulher que traía pela legítima defesa da honra. Por isso, segundo ela, o feminicídio passa pela questão cultural. 

Mudanças na legislação 

A promotora afirmou que a principal mudança que poderia sugerir seria no sistema da educação. “O sistema de educação, dentro da teoria dos direitos humanos que é tão satanizada, e não dizer que a teoria dos direitos humanos tem muita influência dos valores judaicos cristãos. Se fala muito em conservadorismo, mas tem pauta que é universal, inclusive o respeito ao diferente, ser inclusivo, ser respeitoso. É aquela regra, faça com o outro o que você quer que faça com você”.

Rosane Araújo destacou que educar é transformar, que a educação é transformadora. “Respeito às diferenças, sem estímulo à competição predatória. Ser mais humano não é ser tolo. Conviver tem conflitos, mas terminar em força bruta é o que temos que desconstruir num processo a longo prazo”, ressaltou. 

E a prevenção também é importante, na visão da promotora. Ela afirmou que o cadastro no Tribunal de Justiça para consultar antecedentes do homem antes de iniciar um relacionamento é importante. 

“O segredo de justiça que, normalmente, os processos têm, é para proteger as mulheres e não os homens. Eu acho importante esse acesso. Nós somos humanos. Temos situações que têm uma aparência do bem e não são. O agressor de violência doméstica é diferente dos demais. Ele é aquele tiozão que lá fora é o simpático no campo de futebol, é o gaiato, o brincalhão. Agora, chegou em casa, ele se transforma”, constatou.

 Conforme a promotora, após um dia de trabalho, ele acha que a mulher tem a obrigação de fazer a comida e ela faz para manter o casamento. “Tem que ter a partilha natural da empatia. No dia em que se chegar a uma plateia com cem homens e uma mulher e se disser bom dia a todas, e eles todos se sentirem contemplados, nós estaremos num sistema democrático, igualitário e respeitoso. Mas, a linguagem é masculina”. 

Ciclo da violência e redes de proteção

Às que estão sofrendo agora no ciclo de violência e que estão sob proteção do estado, a promotora Rosane Araújo ressaltou que a Lei Maria da Penha deu instrumentos para se criar um sistema extremamente articulado.

“E digo, orgulhosamente, que na Paraíba nós temos as melhores redes de proteção à mulher do Brasil. Nossa Patrulha Lei Maria da Penha começa a acompanhar essa mulher desde que ela vai na delegacia, conta o fato e já entra no sistema, e passa a ser monitorada. Imagine quantas medidas protetivas nós temos que a Patrulha bate na porta para saber se está tudo bem”. 

Ela ressaltou o SOS Mulher no celular, que tem o botão vermelho, o amarelo e o verde para acionar o socorro. “Nós temos um aparato específico para fazer esse atendimento. 

Não é um sistema perfeito que não tenha suas lacunas, que não precise ser aperfeiçoado. Muito se construiu e na estatística de feminicídio, mais de  90% dessas mulheres nunca procuraram”.

Para a promotora, essas mulheres que estão no ciclo da violência têm que ser empoderadas, têm que se aperceber porque elas não percebem. Dizem que foi só uma vez, que ele vai mudar, mas esse discurso é recorrente a todas elas. 

“A Lei Maria da Penha diz que é preciso ser criado um centro de reeducação, grupos reflexivos para homens e isso tem tido um impacto muito grande. Não estou minimizando as violências, mas esse homem hoje agressor viveu num sistema de violência. Infelizmente, a violência doméstica é geracional. Um menino que assistiu o pai agredindo, provavelmente poderá ser agressor. A possibilidade de reproduzir esses comportamentos é enorme”. 

Na Paraíba, recentemente, uma mulher foi morta num posto de combustíveis porque decidiu terminar o relacionamento. Este, segundo ela, é o momento de maior vulnerabilidade. “Estamos realizando um mutirão e vemos casos de mulheres que permanecem no relacionamento. Eu não quero julgar essas mulheres porque elas se sentem tão responsáveis por manter a família, o casamento, a questão cultural que foi imposta de que as mulheres têm que ser perfeitas. Elas se colocam no final da fila. Por isso, aprendi a não julgar. Quando falamos em empoderamento, é para que elas percebam o risco. É muito complexa a violência contra a mulher. 

Violência que não deixa marcas físicas

Nem sempre a violência deixa marcas visíveis e, apesar de ser mais subjetivo, esse tipo de violência também é contemplado na Lei Maria da Penha. Além da violência física, a lei abrange a moral, xingamentos constantes, humilhação, violência patrimonial e sexual. 

“Todas nós, mulheres, de alguma forma, na nossa história, sofremos violência. A discriminação ou a falta de equidade de gênero é gritante. Nós conquistamos.

As estatísticas mostram que as mulheres são mais intelectualizadas, têm maior nível de escolaridade. Todavia, os espaços de poder num ambiente de trabalho nós ainda somos minoria”. 

Como exemplo, ela citou o Tribunal de Justiça de São Paulo que tem 360 cargos e apenas 29 mulheres. Agora foi estabelecido um concurso com uma vaga de desembargadora e só quem vai concorrer é mulher. “Setenta por cento são naturalmente dos homens. Isso é privilégio. O salário da mulher é menor. Na política também é gritante. No espaço público e privado. 

Reconciliação

A promotora afirmou que a violência doméstica tem suas peculiaridades e é complexa. “Me alegro muito quando chegam histórias que, a partir de uma medida protetiva policial, judicial, houve uma mudança estrutural”.

Ela ressaltou que há casos em que há mudanças. “Nos nós alegramos com isso. Quando esses homens começam a se aperceber – e não estou minimizando – temos que reprimir de forma qualificada e que eles não venham repetir com outra companheira. O sistema tem se esforçado para fazer a sua parte, mas o que é determinante é a educação”.

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