Janildo Silva e Rebeca Carvalho
ClickPB
A urbanização do Vale do Jaguaribe é um dos projetos mais ousados da gestão do prefeito de João Pessoa, Ricardo Coutinho (PSB), e sendo concretizada em sua totalidade poderá transformar uma área carente de infraestrutura em um dos melhores espaços da capital, mas um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) acende no mínimo uma “luz amarela” sobre a legalidade de alguns atos praticados na licitação e execução da obra.
Fruto de convênio com o Ministério das Cidades e orçamento estimado em quase R$ 80 milhões, as obras possuem pelo menos duas irregularidades graves, conforme o relatório, entre as quais está “sobrepreço decorrente de quantitativo inadequado e fuga à licitação por meio da inclusão de objeto estranho ao licitado”.
Conforme o TCU esclarece em seu site, os prejuízos que a sociedade pode sofrer em uma obra com irregularidades são os seguintes: “Se for sobrepreço e falta de projeto, como TCU encontra com freqüência, a sociedade poderá pagar por uma obra mais do que ela vale e ainda há o risco de a obra ser feita de forma inadequada e insegura”, diz o texto institucional.
Conforme podemos observar nos documentos em anexo, todos produzidos pelos técnicos do TCU, as irregularidades encontradas nas obras de João Pessoa são “graves” e o Tribunal esclarece que tal qualificação é “indicativo de que o empreendimento pode causar prejuízo aos cofres públicos ou a terceiros; nulidade do procedimento licitatório ou do contrato; ou quando se detecta graves desvios aos princípios a que está submetida à administração pública, como o da moralidade”.
Em julho de 2007, o prefeito da capital e o ministro das Cidades, Márcio Fortes, assinaram a liberação de R$ 88,9 milhões para serem aplicados na urbanização do Vale do Rio Sanhauá e do Rio Jaguaribe. A solenidade de assinatura aconteceu no Teatro Paulo Pontes e contou com a presença do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que veio especialmente para João Pessoa para autorizar o repasse dos valores. Os recursos integravam o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e começaram a chegar para a Prefeitura de João Pessoa a partir de agosto do mesmo ano, conforme assegurou a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef.
Sobre o Vale do Jaguaribe especificamente, seriam repassados cerca de R$ 73 milhões destinados à construção de moradias, calçamento e vias de acesso, obras a serem executadas pela Prefeitura de João Pessoa. O projeto beneficiaria diretamente 35 mil famílias e não prevê a necessidade de retirar os moradores do local. "Com esta obra nós poderemos resgatar a dignidade das famílias, oferecer mais saúde e desenvolver a cidade", enfatizou o prefeito Ricardo Coutinho na época da assinatura.
Ritmo Lento
As obras de urbanização do Vale do Jaguaribe estão caminhando a passos lentos. De acordo com informações extraídas do próprio portal da Prefeitura de João Pessoa, desde o ano de 2007, o governo federal, através da Caixa Econômica Federal, já havia sinalizado para a concretização da obra.
O total de recursos destinados à obra soma um montante de R$ 73.544.389 milhões, sendo R$ 7.354.439 milhões, a contrapartida do governo municipal e R$ 66.189.950 do governo federal.
No site da prefeitura de João Pessoa ainda consta que as obras seriam iniciadas no ano de 2008, mas de acordo com informações do secretário de Infraestrutura do município, João Azevedo, os trabalhos só começaram em abril de 2009 e foram interrompidos no período das chuvas, sendo reiniciados há pouco tempo.
A urbanização do Vale do Jaguaribe compreende o desassoreamento do Rio Jaguaribe, pavimentação e esgotamento sanitário e a construção de casas para relocar a população ribeirinha.
Segundo o secretário, as obras serão entregues por etapa e o cronograma de execução prevê dois anos para a conclusão dos trabalhos, ou seja, a população só será beneficiada com a obra em 2011.
Irregularidades não paralisam obras
Como pode ser observado no próprio relatório (Fiscobras 2009) não existe a recomendação de suspensão das obras e nem o cancelamento do envio de recursos, mas diante das supostas falhas apontadas pelos técnicos do TCU, o prefeito Ricardo tratou de se precaver judicialmente.
No último dia 26, o prefeito enviou requerimento de juntada de procuração aos autos do município de João Pessoa, nomeando como advogados os membros da Procuradoria do município, sendo eles: Sandro Targino (Procurador Geral), José Vandalberto de Carvalho, Erika Oliveira Del Pino e Roberto Nogueira, entre outros.
Já a empresa vencedora da licitação e responsável pela execução da obra, Queiroz Galvão, nomeou no dia 9 de novembro os seguintes procuradores: Tiago Carneiro Lima, Roberta de Andrade Lima, Ellen Christina Lima Soares Leão, Bruna Bezerra Cavalcanti Fernandes, Laura Lícia e Mendonça Vicente, Luiz Felipe de Siqueira Galamba, Rodrigo de Miranda Azevedo, Esdras Melo Paes Barreto, Marina Bastos da Porciuncula Benghi e Alexandra de Santana Carneiro Vilela.
SOS Rio Jaguaribe
Em termos de drenagem urbana, o Rio Jaguaribe é o principal rio da capital paraibana, cortando o município no sentido oeste/leste, no entanto, ao longo dos anos o Jaguaribe sofreu vários impactos ambientais.
Devido a seqüência de agressões, o rio vem perdendo suas características podendo chegar a morte.
Tudo começou com o aparecimento de comunidades ribeirinhas, desmatamento, queimadas, deposições de resíduos sólidos e líquidos, envenenando as águas. Esta ocupação começou na década de 70 e hoje, o Vale do Rio Jaguaribe Possui cerca de 25 comunidades em toda sua extensão.
Dados publicados em estudo da UFPB revelam que pelo menos 80% da Bacia Hidrográfica do Jaguaribe não conta com qualquer tipo de vegetação, o melhor exemplo é a parte que passa pela mata do Buraquinho, onde a mata ciliar simplesmente sumiu.
No dia 31 de janeiro deste ano, o Comitê em defesa do Rio Jaguaribe publicou um texto em seu site, no endereço: http://sosjaguaribe.blogspot.com.
Veja o artigo
O Rio JAGUARIBE e sua Bacia Hidrográfica – SUA HISTÓRIA, SUA VIDA
*A maioria dos pesquisadores admite que do alto da serra da Joaninha partam os riachos Trici, Favela e Carrapateiras, e que se juntando ao sul da cidade de Tauá, formam o rio dos jaguares, rio das onças, ou seja, o rio Jaguaribe. Até sua foz, no oceano atlântico, em Fortim – , o rio faz um percurso de 610 km, para uns, para outros muito mais.
Desde 1708, ou seja, ao longo desses últimos 300 anos, a bacia do Jaguaribe assistiu a divisão de suas terras em sesmarias; observou as permanentes correrias, dos indígenas das suas ribeiras, que provavelmente eram nômades ou seja, não tinham residências fixas e transitavam do sertão para as praias e vice versa; presenciou os conflitos, entre o colonizador instalando os seus currais e seus ranchos, e os índios guerreiros, defensores intransigentes, do pedaço de chão que lhes servia de berço; e num silêncio mudo testemunhou o extermínio de vários Tapuias, o amansamento de outros; o escorraçamento dos Canindés, Icós, Janduins, dos Cariris, dos Paiacus…; a remoção dos Carius…, dos Jucás…, para outras áreas, se bem que jaguaribanas; assistiu à escravidão dos nativos e à batalhas sangrentas! E aos poucos, a bacia do Jaguaribe, ver seu solo ser ocupado pelo criatório, pela cultura do algodão e seu beneficiamento, dando riqueza e poder aos senhores do sertão jaguaribano; e viu surgir a cultura do coronelismo, da enxada e do voto. E assim, viu o “boi virar moeda” e a agricultura de subsistência substituir a sua mata original.
E no decorrer do tempo, a bacia do Jaguaribe vai assistindo ao desmatamento de suas várzeas, para ver se instalar as fazendas, os povoados, as vilas, e os distritos…E a partir do ano de 1735, quando viu criado o seu primeiro município, o de Icó , assistiu, ainda no século XVIII, a criação dos municípios de Aracati (1747), Crato (1764), Quixeramobim (1766) e Russas (1799)…. No começo do século XIX, viu a criação dos municípios de Tauá(1801 ), Jardim(1814 ), Lavras da Mangabeira (1816 ), Jucás ( 1823)…e mais um…e mais outro… até que, no ano de 1868, ou seja, a 139 anos, assistiu a criação do município de Limoeiro do Norte, que até então era distrito de Russas….e em 13 de setembro de 1957 assistiu a criação dos municípios de Alto Santo, São João do Jaguaribe e o de Tabuleiro do Norte, que pertenciam a Limoeiro, há exatamente 50 anos ( Anuário do Ceará 2007-2008). E ao tempo dos 272 anos, que nos separam da criação do município de Iço ( que foi o primeiro ), até hoje, a bacia do Jaguaribe presenciou a fragmentação excessiva do seu espaço, e viu serem criados, os 81 municípios que atualmente formam o seu território, ou seja sua área de drenagem .Viu crescer as comunidades rurais, os campos agrícolas e aumentar o desmatamento das margens de seus rios. Ao longo desses três séculos, a bacia do Jaguaribe viveu mais ou menos 60 anos se cos, registrados na literatura, fora os anos de chuvas escassas…, e testemunhou estarrecida, jaguaribanos esfarrapados, serem encurralados em verdadeiros campos de concentração… viu seu povo na miséria, morrer de fome, sofrer humilhações. Presenciou seu povo deixar a terra amada, em busca das cidades, onde passou a ser um miserável…, ou partir para a Amazônia, onde a borracha valia ouro, e de onde nunca mais voltou. Assistiu ao desperdício de somas fabulosas, destinadas ao combate das secas, onde as políticas públicas favoreciam cada vez mais a valorização do latifúndio, com as frentes de emergência construindo cercas, estradas vicinais, açudes e açudecos, em propriedades particulares…. Observou as frentes de trabalho corrompendo a tudo e a todos e viu surgir a indústria das secas. O rio Jaguaribe presenciou o desmatamento cada vez maior de sua bacia, e de perto, olhou a construção de grandes, médios e pequenos açudes, como solução para o flagelo das secas. E em 1906, na inauguração do açude Cedro,em Quixadá, o açude mais antigo do Brasil, cuja construção foi iniciada por D. Pedro II, em 1873, a bacia do Jaguaribe ouviu do então presidente da República, Afonso Pena , a seguinte frase: O Cedro “está muito bonito; mas isto só atesta o desperdício do dinheiro público, pois de nada adiantará para a solução do problema das secas”( Secas do Nordeste e a Indústria das Secas de Jorge Coelho ).
E tempos depois, possìvelmente no final do ano de 1962, ouviu de longe, o eco das palavras do baiano, jurista e escritor, Hermes Lima, primeiro ministro do Brasil, durante a breve experiência parlamentarista ocorrida no Governo Jango ( de 18 de setembro de 1962 a 1º de janeiro de 1963), que regressando de uma visita ao Nordeste, declarou no parlamento, que os grandes açudes do nordeste serviam “apenas para refletir a luz das estrelas.” ( A Civilização da Seca, de Brito Guerra – página 144 ). Foram proféticas as palavras, não só do Presidente, como as do Primeiro Ministro, pois durante muitos anos, as águas dos açudes ficaram simplesmente guardadas nos reservatórios, não resultando em nada. O próprio Euclides da Cunha refere-se ao açude do Cedro como “Quixadá único – monumental e inútil”( A Civilização da Seca, de Brito Guerra – página 143 ). 74 anos depois da inauguração do Cedro, e 19 da construção do Orós, o rio Jaguaribe, no dia 17 de julho de 1980, sentiu pela primeira vez, seu leito molhado, em plena estação seca. É o início da distribuição racional das águas de açudes, que através de uma válvula difusora, pereniza aproximadamente, 300 km do vale do rio Jaguaribe, a partir do açude de Orós, até sua foz, em Fortim, perdendo assim, o título de maior rio seco do mundo, e subindo ao pódio, como um rio perene. E a bacia do Jaguaribe, que também acreditava serem seus açudes inúteis, passou a acreditar neles, principalmente com o acréscimo de 90 km de perenização, no vale do Banabuiú, partindo do açude Arrojado Lisboa, ou açude de Banabuiú , como conhecemos …..,até se encontrar com o rio Jaguaribe, na altura da rua Joaquim Lopes dos Santos, no Bairro Luís Alves de Freitas, em Limoeiro do Norte, garantindo assim a agricultura irrigada nos seus vales perenizados.
(*http://sosjaguaribe.blogspot.com)