Paraíba

[Especial] UFPB dá o pontapé inicial para a implantação da TV Digital

Sob a supervisão do professor Guido Lemos o Laboratório de Vídeo Digital desenvolveu o middlleware, software que viabiliza a TV Digital no País

A cada semana uma novidade na mídia sobre a implantação da TV Digital no Brasil. A cada notícia uma referência ao trabalho realizado pelo Laboratório Associados de Vídeo Digital (Lavid) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob a coordenação do professor Guido Lemos de Souza Filho, 40 anos, que desenvolveu o middleware, que deverá se chamar ‘Ginga’, uma alusão ao espírito criativo do povo brasileiro. Ao pé da letra, interatividade, ou melhor, um software que cria um ambiente virtual colaborativo.

Isso significa dizer que o trabalho desenvolvido pela equipe do Lavid-UFPB proporcionou o surgimento do ‘cabo’que irá fazer a conexão entre o sistema e os aplicativos da TV digital brasileira. O intermediário que irá revolucionar as transmissões, que não serão mais realizadas via-satélite.

A surpresa – De tanto aparecer na mídia, o assunto acabou transformando-se em pauta do ClickPB, até porque, o ambiente virtual suscita a busca por novidades e avanços tecnológicos. Foi marcada a entrevista com o Professor Doutor Guido Lemos, apesar dele estar sempre muito ocupado e geralmente viajando em função dos seus projetos. O difícil mesmo foi encontrar o Laboratório, um local discreto que fica no Centro de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN) da UFPB. Todas as aplicações do projeto foram testadas no Campus I da UFPB, em João Pessoa.

A repórter, que não o conhecia pessoalmente, pergunta a um dos ‘rapazes’ descontraídos que circulam pelo local onde pode encontrar o professor. Vestido de calça jeans e camiseta azul, esse rapaz diz que o ‘professor’ Guido é ele mesmo, naquele momento dirigindo-se até a sua sala, um dos seis ambientes que compõem o Laboratório. Um local prático e discreto, que tem trabalhado até agora, apesar de uma série de limitações, com os três principais ingredientes para realizar uma boa pesquisa – tempo, dinheiro (um pouco) e qualidade, principalmente dos profissionais envolvidos em todo o processo.

Como tudo começou – Guido Lemos inicia a conversa contando que tudo começou há cerca de 15 anos, quando ainda cursava o doutorado e desenvolvia pesquisas na área, algo relacionado a “Sincronização Temporal de Apresentação de Dados Multimídia”. Estudava padrões de certificação de qualidade, os ISO (International Organization for Standardization), focados para o desenvolvimento da TV Digital. Logo depois, se engajou em projetos para a implantação de TVs Universitárias, incluindo aí a TV UFPB. Mas o Projeto propriamente dito, aprovado pelo Governo Federal, só teria início a partir de 2002. Todo o trabalho foi desenvolvido até dezembro de 2005.

Segundo Guido Lemos, desde janeiro deste ano, a decisão para a implantação do novo sistema de modulação da TV brasileira depende única e exclusivamente do presidente Lula e de sua equipe. Agora o assunto é político, a dimensão técnica da história já foi concluída, com a entrega dos relatórios ao Ministério das Comunicações.

Os sistemas – O SBTVD (Sistema Brasileiro de Televisão Digital) deve adotar o H264 como padrão de compressão de imagens e uma versão adaptada da modulação OFDM (Orthogonal Frequency Division Multiplexing), que utiliza antenas de baixo custo. O H264 é um formato de compressão recente, uma variação do padrão MPEG4, já estabelecido em diversos países.

Os sistemas de TV digital baseiam-se em hardware, software, middleware e aplicações. Graças ao trabalho desenvolvido pela UFPB, o Brasil acaba de desenvolver o modelo mais avançado de middleware do mundo. Animadamente e de forma sempre apaixonada, uma postura distante daquela imagem de pesquisador e de homens de laboratórios, Guido Lemos explica que “isso não surpreende, afinal estudamos todos os outros modelos – o europeu, o americano e o japonês – e criamos o nosso. Ele tinha que ser o melhor”, explica ele, em um tom ao mesmo tempo confiante e com uma dose de humildade. Afinal, a descoberta não é nenhum milagre, mas apenas o resultado de muito esforço, trabalho e pesquisa, uma intersecção de tudo que havia sido desenvolvido até agora no mundo inteiro. E quem disse que isso é simples?

Como funciona – Esse é o primeiro sistema desenvolvido e criado no hemisfério Sul e pretende atender cerca de 80 milhões de pessoas no mundo que não têm computador. Pelo middleware, funções de computador estarão disponíveis na TV digital, como correio eletrônico e navegador Web. Será possível também arquivar os processos interativos para serem realizados após a programação ou em um momento que seja mais conveniente para o usuário. A complexidade da tecnologia desenvolvida fica evidente, pela presença de 100 mil linhas em seu código, criadas por quase 40 instituições de pesquisa. O middleware é o coração da TV Digital e define suas aplicações.

A preocupação com o social – Um dos requisitos fundamentais, previsto no decreto 4.901, que criou o projeto e instituiu o SBTVD, é a exigência que a TV digital brasileira seja uma ferramenta de inclusão, uma recomendação específica do Governo Federal em relação ao foco principal das pesquisas. O professor Guido Lemos informa que no Brasil mais de 90% da população possui uma televisão em casa, número esse que é maior que o número de geladeiras, um artigo diretamente relacionado com uma necessidade básica do ser humano, de sobrevivência. Apenas 2% possui computador, e menos de 1% tem acesso à Internet, a rede mundial de computadores.

Colocar funções de microcomputadores na televisão é uma maneira de levar tecnologia para essa população. E para que a população em geral se familiarize com a interatividade, a principal vantagem desse sistema, é preciso uma política pedagógica. Uma realidade que não faz muito sentido em outros países, onde a população tem acesso irrestrito ao mundo dos computadores, inclusive com facilidades econômicas, e não apenas de compreensão da linguagem. O projeto atende à necessidade nacional, mas com uma compatibilidade internacional, em termos de tecnologia.

Ajustes iniciais – Antes mesmo da implantação será necessário realizar uma campanha de capacitação do público, uma adequação das redes de TVs e uma reordenação da publicidade. A medição da audiência deve sofrer profundas transformações. E existem também questões regulatórias, tecnológicas e industriais a serem resolvidas. Ao que tudo indica, só em 2007 a TV Digital deve chegar aos consumidores. Até mesmo a legislação brasileira de telecomunicações precisa ser aperfeiçoada para acompanhar os avanços da tecnologia.

Pela Lei Geral de Telecomunicações (5070/66), cabe à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) cuidar dos planos básicos de TV e rádio e encontrar os aspectos tecnológicos e as inovações do setor. A Anatel já regulamentou as faixas que serão usadas pela TV digital. No primeiro momento, ao lado de cada canal analógico haverá um digital, mas a agência ainda estuda as possíveis interferências que os canais podem causar entre si.

O sistema escolhido – O Brasil já assinou um memorando de entendimento com o Japão, no qual são previstas as responsabilidades dos dois países no caso da implantação do sistema japonês (ISDB-T). Ele prevê a democratização do conteúdo e o desenvolvimento de tecnologias nacionais, sem o pagamento de royalties, que permita a implantação autônoma em solo brasileiro de uma indústria de semicondutores e equipamentos eletrônicos.

O professor Guido Lemos lembra que a intenção do governo japonês de investir no Brasil, além das vantagens técnicas da escolha, seria um dos motivos da tendência do país em escolher o sistema japonês. Seria uma parceria estratégica, aliada à conveniência de adotar um sistema e um modelo de negócios muito mais parecidos com o brasileiro. As empresas de radiodifusão e a maioria dos consorciados também apóiam a escolha do sistema asiático.

TV no Brasil com sotaque nihongo, ou melhor, japonês – Esse padrão permite transmitir quatro canais na mesma faixa de freqüência, utilizadas pelas TVs abertas. Sendo que cada canal poderá ter uma característica, como um de alta definição (HDTV), outro de baixa definição (para aparelhos móveis), outros de definição padrão (atualmente utilizado) e outro para informações adicionais (compra de produtos direto pela TV e etc.).

No padrão europeu também é possível transmitir quatro canais na mesma faixa de freqüência, atualmente usadas pelas tvs abertas. Só que em apenas um tipo de canal. Em outras palavras, transmitindo quatro canais de HDTV ou quatro canais para Aparelhos Móveis. Ou então, quatro canais para as TVs atuais ou quatro canais de informações adicionais.

Ao decidir implantar seu sistema, o Japão não mediu esforços no desenvolvimento da nova tecnologia, fruto de um trabalho de mais de uma década com pesados investimentos. Somente com a rede experimental para testar e validar o seu sistema, os japoneses investiram US$ 400 milhões.

Afinal, como funciona a TV digital? – A maioria esmagadora dos brasileiros, 80%, ainda não sabe o que é TV digital. Que pode ser explicada como a transmissão de áudio e vídeo de TV aberta, pela atmosfera, via sinais digitais, para recepção livre e gratuita por todos os que dispõem de receptores. Seu nome, a rigor, deveria ser TV digital terrestre em radiodifusão ou broadcasting.

Enquanto na transmissão analógica (o sistema atual) são utilizadas ondas eletromagnéticas contínuas, análogas aos sinais originais, na transmissão digital, é utilizada uma corrente de pulsos (bits), em código binário, formado de zeros e uns. Ou seja, a mesma linguagem digital dos computadores, dos CDs, dos DVDs e do celular. A tecnologia digital converte tudo em bits – som, voz, ruídos, imagens, fotos, gráficos, textos.

No sistema atual, quase tudo, menos o sinal que vai da torre de transmissão da emissora à casa do assinante, ainda é analógico. Todas as etapas anteriores já são digitais – como a captação de imagens, a produção, a edição, o acabamento, os equipamentos de estúdios e transmissões de TV por assinatura, a cabo, via satélite ou microondas.

Ao longo dos próximos 10 anos ou mais, as emissoras vão transmitir tanto os programas analógicos como os programas digitais no mesmo canal. Para captar programas digitais, os televisores convencionais precisarão de uma caixa de conversão (set top box) que poderá custar em torno de R$ 300 a R$ 400. Os televisores atuais não podem captar programas digitais porque, sendo analógicos, não decodificam sinais digitais.

No início do processo, serão oferecidas duas possibilidades de utilização: além de acoplar essa caixa de conversão ao velho televisor, você poderá comprar um novo televisor, especial para TV digital, que virá pronto para receber TV digital e TV analógica.

O diferencial – O grande salto da TV digital é a interatividade, que é assegurada por um canal de retorno (linha telefônica fixa ou celular) e que permitirá ao telespectador responder a questionários e pesquisas, votar em eleições virtuais, obter informações e serviços públicos (governo eletrônico) e, no futuro, fazer comércio eletrônico e acessar à Internet em banda larga.

E ela também oferece muitas outras vantagens, como por exemplo: qualidade total de imagem; a possibilidade de gravar qualquer programa, mesmo enquanto se assiste a outro; som estéreo envolvente (surround) em seis canais; mobilidade, portabilidade, multiprogramação e flexibilidade.

Um novo modelo – E como demonstra o professor Guido Lemos, o trabalho desenvolvido pela UFPB em relação à TV Digital brasileira, também possibilita concluir que o investimento em pesquisa vale à pena. Não apenas pela satisfação acadêmica, mas também pelas possibilidades concretas de aplicação desses estudos. Inclusive com rentabilidade financeira. Sem contar a perspectiva de se criar mais um produto genuinamente brasileiro, de qualidade internacional.

Quem sabe assim, estabelecer o pontapé inicial também para um novo modelo de pesquisas no Brasil. Inspirado no modelo da jovem e inspirada equipe do Lavid-UFPB, que já se adiantou e criou a Torcida Virtual, um mecanismo que possibilita escolher, no sofá de casa, uma cadeira virtual para assistir aos jogos de futebol na TV. De um ângulo exclusivo e acompanhado por alguém que esteja a quilômetros de distância, mas na cadeira ao lado, virtualmente.

E o Lavid segue trabalhando. Acabou de criar uma ferramenta que dá suporte para redes de TV, com a possibilidade das retransmissoras construírem sua grade regional de programação com programas de outras praças.

Mas esta já seria uma outra história!

Lilla Ferreira
ClickPB

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