Vinte e quatro horas depois do assassinato brutal do presidente do Haiti, Jovenel Moise, o primeiro-ministro interino Claude Joseph assume provisoriamente o comando do país.
O assassinato de Moise mudou o que havia sido planejado para Joseph. O seu substituto, o médico Ariel Henry, já havia sido anunciado, mas ainda não tinha sido nomeado formalmente por decreto. Como esse protocolo não ocorreu, Joseph segue como primeiro-ministro.
Questão de legitimidade
Há uma outra questão de legitimidade que coloca a liderança de Joseph em xeque. Pela Constituição, ele não estaria na linha de sucessão porque ele é o primeiro-ministro interino: o Parlamento nunca aprovou o seu nome.
Isso aconteceu porque, na prática, não há Parlamento: o mandato de uma parcela de legisladores já terminou, mas as eleições para preencher as vagas foram adiadas e ainda não foram realizadas. Desde janeiro de 2020, Moise governava por decretos presidenciais —assim, nenhuma decisão era aprovada pelo Legislativo (o mesmo teria acontecido com Henry).
O próximo na linha sucessória seria o presidente da Suprema Corte do país, mas ele morreu de Covid-19 e ainda não há substituto.
Primeira decisão
Joseph decretou estado de sítio em todo o território nacional. A medida reforça o poder do Executivo para realizar buscas para esclarecer a morte do presidente e os objetivos do assassinato. “Esta morte não ficará impune”, declarou ele em discurso à nação.
Luto nacional e reunião do Conselho de Segurança
Moise foi morto a tiros durante a madrugada de quarta-feira (7). Um luto de 15 dias foi decretado na sequência, em homenagem ao presidente cuja popularidade estava em queda, em meio à crise econômica e social no país. O crime agrava ainda mais as incertezas no Haiti.
Quatro “mercenários” envolvidos no assassinato do presidente foram mortos nesta quarta-feira e outros dois foram presos, informou a polícia. Uma operação foi iniciada horas depois do ataque contra Moise, disse o chefe da polícia, acrescentando que “três policiais que haviam sido feitos reféns foram libertados”.
Nenhuma informação sobre a identidade ou as motivações dos criminosos foi revelada. Segundo o primeiro-ministro, eles eram “estrangeiros que falavam inglês e espanhol”. Bocchit Edmond, embaixador do país nos Estados Unidos, disse que a equipe de criminosos era integrada por mercenários “profissionais” que se fizeram passar por funcionários da agência americana antidrogas.
A imprensa local, citando o juiz encarregado do caso, indicou que Moise foi encontrado alvejado por 12 balas e que seu escritório e quarto foram saqueados. O Conselho de Segurança da ONU, que realizará nesta quinta-feira uma reunião de emergência para debater a situação no pequeno país, exigiu que os responsáveis pelo assassinato “sejam rapidamente entregues à justiça”.
Estados Unidos pressionam por eleições
Washington, muito influente no Haiti, insistiu na realização de eleições presidenciais e legislativas, previstas para 26 de setembro. Mas para o pesquisador Frédéric Thomas, do Centro Tricontinental de Louvain-la-Neuve (Cetri), na Bélgica, esse prazo é irrealista.
“Há mais de 10 mil pessoas deslocadas por causa dos enfrentamentos entre gangues rivais, mais de 150 pessoas mortas. Há um conselho eleitoral provisório, ilegal e ilegítimo, uma desconfiança da população, um impasse político, e eleições previstas daqui a menos de 100 dias”, explicou o cientista político, em entrevista à RFI. “Na verdade, são eleições dos americanos, e não da população haitiana, que pede uma transição que impeça a continuidade desse status quo”, disse o especialista no país da América Central.
O ataque contra o presidente em sua residência privada, que também deixou a primeira-dama ferida, chocou o país, duramente atingido pela pobreza e as incertezas. Os sequestros em busca de resgate aumentaram nos últimos meses, refletindo ainda mais a crescente influência de gangues armadas neste país caribenho.