Apesar da previsão de safra recorde de grãos e de um clima favorável em 2025, economistas estimam que preços de alimentos importantes da cesta de consumo das famílias deverão aumentar no próximo ano. A combinação de dólar mais alto e oferta restrita de alguns produtos aponta para reajustes entre 4,5% e 11% em itens como café, frango, ovos e óleo de soja.
Analistas já veem a inflação de alimentos em até 7,4% em 2025. O aumento supera a inflação geral projetada para o ano que vem, que está em torno de 4%, conforme o Boletim Focus, que reúne as estimativas do mercado. No ano, a moeda americana já subiu 19,2% e chegou R$ 5,869 ontem, o maior patamar do governo Lula.
Só o preço das carnes deve subir até 16,1% em 2025. Se confirmado, será o maior aumento em cinco anos: em 2020, foi de 17,97%. Após um alívio em 2023, o custo da proteína vem subindo este ano, motivado por uma redução na oferta de gado no campo, alta da demanda interna e da exportação elevada.
Alexandre Maluf, economista da XP, espera reajuste de 7,4% para alimentação no domicílio em 2025, em parte puxado pelas carnes. Ele conta que o mercado financeiro tem sido surpreendido com a alta recente da arroba do boi, cujo repasse para o consumidor tem sido mais rápido do que o esperado.Maluf projeta um aumento de pelo menos 12,5% da carne bovina este ano e avanço de 16,8% no ano que vem. A carne suína e o frango, por sua vez, devem ficar 13% e 11% mais caros no próximo ano, respectivamente.
— É uma pressão forte no setor de proteínas. Esse ciclo (de alta das carnes) deve se estender até 2026. O cenário global está ainda pior, com restrições de oferta nos Estados Unidos.
Alta de carnes
A arroba do boi gordo alcançou R$ 300 no dia 16 de outubro, segundo levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP. Esse patamar não era atingido há 20 meses. Segundo boletim do Cepea, os novos preços indicam uma inversão de tendência e refletem principalmente a baixa oferta de animais para abate.
Thiago Bernardino de Carvalho, pesquisador da área de pecuária do Cepea, acrescenta que os preços das carnes já vêm subindo pela conjuntura desfavorável no campo. Historicamente, a falta de chuvas entre maio e setembro reduz a quantidade de pasto disponível para o gado. Neste ano, porém, o cenário foi agravado pelas queimadas:
— Falta gado pesado pronto para o abate. Isso tem impacto diretamente nos preços da carne e do leite. A perspectiva para o ano que vem realmente é ter preços mais elevados.
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Outro fator que contribui para a redução da oferta de carne é o aumento da demanda externa, impulsionado principalmente por China e novos mercados, que provoca o desvio da produção para as exportações, cita José Carlos Hausknecht, sócio-diretor da MB Agro.
O especialista explica ainda que o ciclo da pecuária deve se reverter em 2025, com uma diminuição no abate de fêmeas, à medida que os preços elevados incentivam os pecuaristas a retê-las para a produção de bezerros. Esse movimento ocorrerá após um intenso abate nos últimos dois anos.
— O preço da arroba do boi pode subir entre 10% e 20% em 2025, a depender do nível de retenção de fêmeas no ano que vem. A expectativa é que os preços de carnes realmente fiquem pressionados, e isso acaba afetando outras proteínas.
Fábio Romão, economista da LCA Consultores, tem projeção mais conservadora para a inflação de alimentos em 2025: alta de 3,7%. Ainda assim, cita que parte dessa alta virá dos preços das carnes, que devem subir em média 6,3% no período:
— A alta da carne provoca o efeito de substituição — diz ele, que espera que frango e ovos fiquem 4,5% mais caros no ano que vem.
Café sobe até 32%
Andrea Angelo, estrategista de inflação da Warren Investimentos, prevê aumento de 5,5% na alimentação no domicílio. Ela alerta que a continuidade do patamar elevado do dólar adiciona mais riscos inflacionários à estimativa. A carne bovina deve subir 10% em 2025, seguido das altas de 6,2% da carne suína e 5,3% do frango.
Outro produto destacado pelos economistas é o café. A seca e as altas temperaturas têm prejudicado a produção do grão, e a previsão também é de safra reduzida no ano que vem. Tudo isso num cenário de diminuição da oferta do grão em outros países, o que piora a situação.
Andréa estima que o preço do café suba ao consumidor 22,5% este ano e 7% no próximo, por causa de “safras com desempenho ruim”, diz ela.
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Já nas contas de Romão, da LCA, o café deve fechar o ano com alta acumulada de 32% e ter novo aumento de 11% em 2025. Segundo ele, o resultado é reflexo das queimadas e de um ciclo de baixa produtividade nas lavouras.
Um agravante no cenário de alimentos é o dólar. Segundo Andréa, da Warren, o câmbio mais alto, entre R$ 5,40 e R$ 5,55, afeta os preços no varejo, a exemplo dos produtos panificados já que boa parte do trigo é importado, diz ela. E a tendência é que novas altas sejam repassadas conforme o dólar aumenta.
— O câmbio atrapalha muito. E o que favorece o repasse cambial é a atividade resiliente, com mercado de trabalho forte e aumento da renda. Tudo isso cria um efeito psicológico: as empresas mal perceberam que o câmbio se estabilizou em um patamar elevado e já repassam esse custo.
Frutas mais caras
O óleo de soja também deve ficar mais caro ano que vem, cita o economista da XP, que espera alta de 8%. Maluf avalia que a previsão de safra recorde de soja pode ajudar a segurar um pouco o preço do produto, mas parte desse alívio deverá ser compensado pela depreciação cambial e pela demanda por biodiesel após a aprovação do projeto de lei “Combustível do Futuro”.
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— Embora tenhamos uma boa produção de grãos, o efeito da variação de preço não será muito significativo devido ao cenário já negativo — explica Maluf.
Já Andrea, da Warren, tem na conta um recuo de 2,8% sobre o óleo de soja no ano que vem, diante da safra 12,7% maior prevista pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para 2024/2025, mas alerta que o item é especialmente vulnerável às oscilações do dólar.
As frutas são outro foco de pressão. Segundo Romão, da LCA, a alta deverá ser de 10,1% em 2025, taxa alta para o grupo de produtos que já subiu 15,9% este ano. O aumento será puxado principalmente pela laranja, diz o economista. A doença greening, que afeta plantas cítricas, atrapalhou a produção e a precificação de produtores, além de dificultar a recuperação dos pomares prevista para 2025.
Em compensação, arroz, feijão e alguns alimentos in natura devem ficar mais baratos, já que não há previsão de fenômenos climáticos como El Niño e La Niña, que afetaram fortemente a produção agrícola este ano.
Romão projeta uma deflação em cereais e leguminosas (que inclui arroz e feijão), com redução de até 5,6%. Tubérculos e raízes (que inclui batata e cenoura), também podem ficar mais baratos, com queda de 2,7%, enquanto os preços de hortaliças e verduras devem recuar 0,4%.
— Falar de normalidade hoje em dia é complicado. (…) Mas, sem esses efeitos climáticos que alteram muito o volume e a distribuição das chuvas, aumenta a chance da agricultura ter boas safras. Pode ser que tenhamos uma inflação de alimentos dentro da meta. E isso,para as famílias de baixa renda que gastam mais com alimentos, é como se conseguíssemos preservar o poder de compra delas — pondera André Braz, coordenador da área de preços ao consumidor do Ibre/FGV.