Sob o título “The elite squad”, ”Tropa de elite” não foi unanimidade, mas causou sensação no Festival de Berlim, onde estréia nesta segunda-feira (11). Apesar de os inesquecíveis bordões do Capitão Nascimento terem sido todos narrados ou traduzidos com neutralidade, a reação da crítica foi positiva.
Exibido para a imprensa presente no evento na manhã desta segunda, “Tropa de elite” recebeu legendas em alemão e foi narrado em inglês, francês e espanhol por meio de fones de tradução simultânea.
Não é preciso nem dizer que metade do charme do filme se perde na tradução. Pede para Sair virou "ask to quit. "O senhor é um moleque" virou "youre punk”. A goiabada servida no quartel da polícia virou “fresh jelly” e “o fogueteiro” do tráfico virou “the boywatcher”. A essência do primeiro longa-metragem de ficção do diretor José Padilha não se perde. Já a piada…
"O senhor é um fanfarrão" virou algo como "youre buffon". Sem contar que a grande maioria de expressões que fazem do filme um dos mais citados do cinema brasileiro recente não foi simplesmente traduzida. Pudera, como traduzir, e narrar, ao mesmo tempo, expressões como “vaza”, “xaveco”, "caveira!" (o grito de guerra do Batalhão de Operações Especiais da Polícia do Rio era simplesmente ouvido, mas não houve como explicar para a platéia o que significava o tal grito toda vez que ele era repetido no filme?) e “nunca serão” (a provocação dos veteranos aos novatos virou um insosso "never will be”). Sem contar que "põe na conta do Papa não tem a mínima graça quando traduzido para "on popes account.
A narradora do filme em inglês se esforçou, mas como seguir o ritmo de "O Bope tem guerreiros que defendem o Brasil"? Ela até que tentou, mas sem a mesma empolgação dos pupilos do Capitão Nascimento.
E para citar só mais algumas, digamos, lacunas da versão para o inglês, "pega o saco", "traz o saco para ele" (a “delicada” tática de persuasão usada pelo Bope no filme) virou "bring the plastic bag". Safado virou “asshole” e “quebra essa” virou “can you see my point”.
A imprensa estrangeira, obviamente, não entendeu metade das tiradas hilárias do Capitão Nascimento, mas adorou a “cena da granada”, um dos pontos altos do filme dirigido por Padilha (que veio ao festival acompanhado dos atores Wagner Moura e Maria Ribeiro, do diretor de fotografia Lula Carvalho e do produtor Marcos Prado). Mesmo com o esforço dos narradores para acompanhar o pensamento frenético de Nascimento, muita gente não entendeu muito bem os diálogos.
"O início é muito difícil. O capitão explica tantas coisas. E a ação acontece simultaneamente. Além disso, a versão em inglês foi narrada por uma mulher, e filme é quase todo masculino. Isso faz perder o impacto", reclamava um jornalista britânico ao fim da sessão.
Houve quem discordasse. "Mas este filme é quase uma “didascalia” (legenda em italiano), ou seja, explica muita coisa. Sem a legenda e com narração por cima do que os personagens falam fica parecendo sessão do século passado. Prejudica sim", rebateu um italiano. "Não é culpa do filme, mas da estrutura de legendagem e narração", comentou um espanhol.
Apesar dos percalços, a reação da imprensa durante a entrevista coletiva concedida por Padilha e sua equipe foi animada. O diretor afirmou não ter idéia de como o filme será recebido no festival, na Europa e, conseqüentemente, no exterior.
"Tem coisa que a gente não controla na vida. Uma delas é como seu filme vai ser recebido. Mas acho que vai ser visto de um jeito diferente, porque aqui na Europa o histórico cultural e a realidade são outros. Acho que Tropa vai ser visto mais como um filme como qualquer outro e não como um assunto que deu margem a tanta discussão, como aconteceu no Brasil", comentou o diretor, que mostra o filme pela primeira vez fora do Brasil.
Diretor e equipe ouviram as questões que também rondaram o filme em sua estréia brasileira. Houve a curiosidade de sempre sobre como é ter de negociar com traficantes para poder filmar numa favela, a violência, a crueldade da guerrilha dos morros, o ponto de vista de um policial (que foi, claro, comparado a Don Corleone, do clássico “O poderoso chefão”) e a pirataria que “bombou” o lançamento no Brasil.
Pirataria
Padilha fez questão de deixar claro para os jornalistas estrangeiros que a pirataria não foi uma estratégia de marketing. Ele contou que ele e a Weinstein Company, responsável pela carreira de “Tropa” no exterior, contrataram duas empresas de pesquisa para descobrir quantos brasileiros haviam assistido ao filme em cópia pirata. Segundo o resultado, cerca de 11 milhões.
José Padilha: "Não foi golpe de marketing" (Foto: AFP)"Com ou sem a pirataria, que nos fez perder de cara milhões de espectadores no cinema, o filme é o mais comentado da história do cinema brasileiro no nosso próprio país. Isso gerou um debate enorme sobre temas que já sabemos que existem, mas, por hipocrisia, fingimos não ver, como o salário baixo dos policiais ou o quanto eles também são vítimas de um sistema social cruel. Sem contar a legalização do comércio de drogas no Brasil", afirmou o ator Wagner Moura.
"Acho que a droga deveria ser legalizada. O álcool não era proibido nos EUA nos anos 30 e veja o tanto de violência que causou toda a ação da máfia lá. Depois de legalizado, virou um comércio comum e controlado pelo Estado. Acho que com a droga, assim como é o com cigarro, deveria ser assim. Vende-se, mas há campanhas alertando para o mal que faz. Claro que maconha é muito diferente de cocaína e heroína. Mas é preciso haver conscientização de qualquer forma", completou Padilha.
Ainda nesta segunda, às 16h (horário de Brasília), o filme terá a sua sessão oficial para público e convidados. Assim como visto na sessão para a imprensa, não deverá ser o favorito, mas quase ninguém deve pedir para sair da sessão.
G1