Cotidiano

Pesquisa científica corre risco em SP

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Está em discussão na Assembléia Legislativa o projeto de lei de inovação para o Estado de São Paulo, enviado pelo governador em 6 de fevereiro de 2006.

Como a Lei de Inovação Federal (lei nº 10.973/04) foi recentemente sancionada pelo presidente da República, cabe aos Estados fazer projetos específicos para suas realidades, com instituições estaduais próprias, a partir do marco geral estabelecido para todo o país. Isso é especialmente relevante para São Paulo, tendo em vista suas universidades estaduais (USP, Unicamp, Unesp), seus institutos de pesquisa (IPT, IAC, Butantan e outros) e a força de sua economia.

No entanto, o projeto de lei enviado à Assembléia retrocede em relação à lei federal ao introduzir pequena modificação -porém carregada de conseqüências negativas para a pesquisa científica e tecnológica no Estado.

A Lei de Inovação Federal busca facilitar a relação entre as instituições de ciência e tecnologia públicas (ICTs) e o setor privado a fim de incentivar a inovação custeada pelas empresas. O sistema público de ciência e tecnologia desenvolveu até hoje laços frágeis com o setor privado. Este ainda se beneficia muito pouco dos desenvolvimentos do setor público e do potencial da nossa ciência, em especial da produzida em São Paulo.

Um dos entraves históricos na relação entre as ICTs e o setor privado era a necessidade de licitação para a comercialização dos direitos de propriedade intelectual gerados na universidade e nos institutos de pesquisa, seja isoladamente, seja em parceria com empresas. Informalmente, diz-se que as pesquisas universitárias vão para a “prateleira”, e não para produtos e serviços economicamente relevantes.

O desperdício do potencial inovador das ICTs ocorria porque a obrigação de licitações favorecia as empresas oportunistas. Um agente privado interessado em determinada inovação passava anos investindo em uma universidade ou fundação. Quando havia uma tecnologia pronta para ser licenciada, a obrigatoriedade do processo licitatório permitia que outros grupos econômicos, em geral com maior escala e plantas industriais amplas, se apresentassem e ganhassem a concorrência, frustrando as empresas que haviam investido na inovação.

A nova lei federal, para resolver esse problema, passou a permitir a comercialização simplificada de “qualquer desenvolvimento que possa acarretar o surgimento de um novo produto, processo ou aperfeiçoamento incremental obtido por um ou mais criadores”.

Ou seja, as ICTs passaram a ser autorizadas a realizar contratos de propriedade intelectual com o setor privado sem recorrer ao processo de licitação (licenciamentos de patentes, desenho industrial, transferência de tecnologia etc). Esse procedimento representa um salto enorme no sentido de estimular e premiar as empresas que investem em inovação e apostam em parcerias com o setor público. E isso sem deixar de se preocupar com os processos de concorrência.

Pela lei federal, se o contrato determina a exclusividade de usufruto da “criação” pelo setor privado, é preciso apenas um edital simplificado, e se o contrato não for de exclusividade, a contratação pode ser direta.

Ou seja, provê-se às ICTs flexibilidade e rapidez para aproveitar a oportunidade de transferir à sociedade o fruto de seus desenvolvimentos. Como conseqüência direta, políticas de gestão da propriedade intelectual mais ativas podem ser estabelecidas nessas entidades.

Surpreendentemente, o projeto de lei paulista voltou a exigir a licitação, o que representa um visível passo atrás no estimulo à inovação e à diminuição do fosso que separa a pesquisa básica, as empresas e o mercado. O parágrafo 1º de seu artigo 6º estabelece que “a contratação com cláusula de exclusividade ao receptor da tecnologia e de licenciamento (…) deve ser precedida de licitação (…)”.

Se a Assembléia não alterar esse ponto, as instituições de ciência e tecnologia de São Paulo ficarão defasadas e amarradas, não somente em relação aos países que mais geram tecnologia mas também aos centros de pesquisa federais e de outros Estados.

Este artigo faz um alerta e deixa um convite ao Executivo e ao Legislativo paulista: por favor, corrijam esse descuido e não recoloquem na frente da ciência e da tecnologia obstáculos já superados. São Paulo, que sempre esteve na liderança científica e tecnológica do Brasil, pode e deve aprovar uma lei efetivamente modernizadora.

GLAUCO ARBIX , 57, doutor em sociologia pela USP, é professor do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da mesma universidade. Foi presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de março de 2003 até maio de 2006.

MARIO SERGIO SALERNO , 49, doutor e livre-docente em engenharia de produção pela USP, professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP, é diretor de Desenvolvimento Industrial da ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial). [Folha de S. Paulo]

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