O maracatu é um ritmo tradicional do Nordeste do Brasil. Em Recife e Olinda, no coração de Pernambuco, desenvolveu-se há mais de 400 anos. Música e tradição dos escravos, um traço da cultura negra no Brasil.Um ritmo de origem africana, com elementos indígenas e portugueses, e que tinha no passado uma característica altamente religiosa.
Baseado em elementos religiosos e profanos das antigas festas coloniais de Coroação dos Reis Negros, eleito pelos escravos com a função simbólica de líder. Não se pode afirmar ao certo qual o significado da palavra Maracatu, alguns pesquisadores acreditam que é de origem indígena. Maracá, instrumento musical. Catu, bom, bonito. Outros acreditam que o nome Maracatu vem de Luanda, um nome africano.
Mas o desfile do Maracatu é uma grande cerimônia de coroação, da rainha e do rei, que são acompanhados por sua corte: príncipe, princesa, duques, baronesas, diversos elementos fazem o séqüito desta tradição. Durante o desfile, levam a boneca calunga, que simboliza as rainhas mortas. Desde o século 17, o maracatu é tocado mais ou menos como hoje, mas pela ausência de registros, tem uma história e um passado de difícil reconstituição.
A história – Aproveitando a atmosfera de Carnaval, o Clickpb foi investigar um pouco mais sobre o maracatu, um dos nossos ritmos mais tradicionais. E para isso, conversou com José Alberto Silva, um admirador da cultura popular, professor de folclore nordestino e brasileiro, do Departamento de Artes da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com especialização em Apreciação e Crítica no Ensino de Artes Cênicas.
Clickpb – É possível definir o que significa o maracatu e como ele surgiu no Brasil, traçar uma história linear de suas tradições?
José Alberto – Alguns especialistas colocam que o termo “maracatu” foi colocado por alguns policiais, para definir a organização dos negros. E a gente vai ver essa questão da preocupação do maracatu de fato, desse surgimento, a gente vai ter referência em Portugal e na Espanha. Aqui no Brasil, teve uma preocupação maior especialmente em Pernambuco, por conta das nações, porque lá se definiu bem maracatu. Em outras regiões passou a ser congadas, reizados, cambindas, que tem todo o registro de uma nação, ou seja, de um ritual de rei e rainha.
Clickpb – Quais as principais características, os principais elementos representados pelo maracatu, e que definem esta representação musical?
José Alberto – A gente vai ter a calunga, que a diferencia do coco, reizado e das cambindas; vamos ter o “pálio” que é a figura que protege e que segura aquele guarda-chuva enorme, para proteger; e os lanceiros, que a gente encontra com o maracatu rural. São essas as figuras de fato do maracatu, as outras, rei, rainha e súditos, a gente encontra também em outras manifestações.
Clickpb – Seria correto afirmar que a falta de registro sobre o maracatu, e no que se refere também às diversas manifestações e representações da cultura negra, deve-se ao fato de, no Brasil, eles terem sido durante muito tempo escravos, pobre e analfabetos?
José Alberto – Eu nunca vi por esse prisma, até porque, quando a gente vai ver Gilberto Freyre, Roberto da Mata, e alguns pesquisadores, colocam de fato essa coisa do negro, do coitadinho, do pobre, porque na realidade o maracatu é uma manifestação de cultura popular. Ele está no seio dessas pessoas mais carentes, que hoje está tendo uma reversão. As pessoas estão se inserindo mo maracatu, estão se inserindo na cultura popular, inclusive os artistas, que estão se aproveitando demais das manifestações da cultura popular, especificamente do folclore. Mas eu não coloco dessa forma, porque se for colocar assim, eu acredito que se a gente ver assim, vai ser de maneira preconceituosa, apesar de se saber que existe preconceito. Mas não é essa coisa que faz esse maracatu ser esquecido. Assim, a “chula” do Rio Grande do Sul, que tem uma referência muito grande, seria altamente divulgada.
Clickpb – Ainda existe no Brasil uma tradição de maracatu, ou ele se transformou em algo exótico e folclórico?
José Alberto – Existe. Na realidade ele teve uma força muito grande em Pernambuco, na década de 60 e 70. Eu acho que até exagerada. E ele permanece hoje, e inclusive tem uma influência muito grande nos jovens que estão começando a vislumbrar a questão da cultura popular. Aqui em João Pessoa nós temos o Maracahyba.
Clickpb – Como é a batida do maracatu, como é possível diferenciar a cadência dos diversos instrumentos utilizados?
José Alberto – Existe o maracatu do baque-solto e do baque virado. O do baque-virado é onde tem só percussão, que é o maracatu tradicional. O baque solto vem a orquestra acompanhando, e é aí quando a gente vai encontrar os lanceiros, que é do maracatu rural. A diferença que existe é essa, o maracatu rural, ele não tem, de certa forma, um toque fixo, ele tem a “loa” ou a cantiga, a chamada, e depois uma batida constante com os guizos. O maracatu rural se diferencia muito dos outros por causa disso, na realidade você faz o canto e depois é que toca, como se fosse um “aboio”, que é belíssimo. A quantidade de guizos é a quantidade de anos que o brincante sai, com o passar dos anos fica um peso enorme.
Clickpb – Qual a importância dos elementos cênicos na construção do universo simbólico do Maracatu?
José Alberto – É bonito ver essa coisa do que tem de encenação nas manifestações da cultura popular de uma maneira geral, e no maracatu a gente vai ver uma referência muito forte do rei e da rainha, que são ligados à questão da Europa, mas na África também tinha, inclusive nações, reis acompanhados de príncipes, que aqui chegaram e foram presos, pra ser escravos. A sociedade era escravocrata. E na encenação eles começam a usar os trajes europeus, isso é tudo encenação, e os europeus acham bonito, “os negrinhos estão brincando de rei e rainha”. Esses elementos, a própria calunga, a boneca, tinha que ter a mesma roupa que a Dama do Paço, com todos os detalhes, e até hoje ainda permanece isso. É um elemento cenográfico, de encenação, inclusive, porque eles trabalham todo um ritual. Existe um respeito com relação à Corte, o mesmo respeito, a mesma hierarquia que existe na Europa, existe na África. Isso é uma encenação que é bem esmiuçada, ela é aparente, as pessoas percebem, a elegância que passa a ter uma pessoa comum. A pessoa muda, naturalmente, ao botar a roupa e a coroa.
Clickpb – Quem patrocinava esses figurinos?
José Alberto – Em alguns lugares, quando se ia colocar o maracatu nas ruas, existia uma preocupação de escolher roupas, e elas eram doadas, pelas figuras dos mecenas. E como a Igreja estava muito próxima dos maracatus, é ela que controla o maracatu, ela mostrava que o negro era respeitado porque tinha ganhado uma roupa do senhor, que nem todo mundo ganhava, uma roupa de gala.
Clickpb – Nós temos uma tradição de maracatu aqui na Paraíba?
José Alberto – Interessante, você vai no interior da Paraíba, Pombal, aí você vai ver os congos, as congadas, que é a coroação de rei. É uma festa de homenagem à Nossa Senhora do Rosário e é o mesmo ritual do maracatu, embora não tenha o mesmo peso festivo que tem o maracatu, que é no carnaval. Lá, o ritual é mais ligado à religiosidade. E a gente vai ter as cambindas aqui em Lucena, onde Paulo Ró faz um trabalho fantástico, resgatando a cultura local, procurando manter as tradições, com as cambindas. E isso também é maracatu. Porque a base do maracatu é a mesma, o toque, o ritmo, o balanço, são diferentes. Aqui em João Pessoa tem a Nação Maracahyba, que está começando a se organizar, e estão uma beleza, fiquei encantado, eles estão trabalhando a variação do ritmo, o baque-virado, sem orquestra. Então, na Paraíba, nós temos a referência do maracatu ligado às cambindas e ao coco, não o maracatu de fato propriamente dito. Em Pernambuco, a presença é mais forte porque eles se organizaram, aqui eles se dispersaram, as pessoas passaram a curtir outras cosias.
Lilla Ferreira
Clickpb
Maracatu, baque-solto e baque-virado
Um dos sons do Carnaval no Nordeste brasileiro, e um símbolo da pluralidade cultural do País
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