Maurílio Batista

Haveremos de Amanhecer

A cada dia que passa estamos mais céticos sobre a eficácia da Lei Ficha Limpa. Cremos que a lei tenha […]

data-src=/artigos/arquivos/drumond.jpgA cada dia que passa estamos mais céticos sobre a eficácia da Lei Ficha Limpa. Cremos que a lei tenha sido apenas uma espécie de  gaze para absorver as secreções purulentas vistas a olho nú. Como deter o banditismo que ‘impesta’ na política sem a participação popular? Nunca é demais lembrar que vivemos num país onde as pessoas não conhecem o poder do voto. 

A miséria do povo também é outro fator decisivo. Ele fica anestesiado, sem ação. Na realidade fica de cajado e chapéu nas mãos esperando que, de dois em dois anos, apareça um oportunista para fazer de seu voto uma mercadoria. 

Lá, nos bolsões de miséria onde impera o escravagismo e há um mundaréu de votos, a Justiça Eleitoral não tem vez. Não se ouve e nem ouse em falar de ficha limpa. Nesses locais reina a degradação humana, e atende pelo nome de assistencialismo público. 

Como esperar um alento da lei da ficha limpa sabendo que a indecência política é quem domina? A lei vai atingir apenas alguns ‘gatos pingados’ flagrados em pleno delito. Esses, talvez, sejam expurgados da vida pública por oito anos, certamente, mas na prole sempre tem mais um para, a passos mais largos ainda, nunca deixar que o voto consciente predomine. 

Mas, como no poema Carlos Drummond de Andrade À Noite Dissolve os Homens, “Haveremos de amanhecer”

À Noite Dissolve os Homens

A noite
desceu. Que noite!
Já não enxergo meus irmãos.
E nem tão pouco os rumores que outrora me perturbavam.

A noite desceu. Nas casas, nas ruas onde se combate,
nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total incompreensão.
A noite caiu. Tremenda, sem esperança…
Os suspiros acusam a presença negra que paralisa os guerreiros.

E o amor não abre caminho na noite.
A noite é mortal, completa, sem reticências,
a noite dissolve os homens, diz que é inútil sofrer,
a noite dissolve as pátrias, apagou os almirantes cintilantes!
nas suas fardas.

A noite anoiteceu tudo… O mundo não tem remédio…
Os suicidas tinham razão.

Aurora, entretanto eu te diviso,
ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender
e dos bens que repartirás com todos os homens.

Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
adivinho-te que sobes,
vapor róseo, expulsando a treva noturna.

O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,
teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam
na escuridão
como um sinal verde e peremptório.

Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.

O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes
se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão
simples e macio…

Havemos de amanhecer.
O mundo se tinge com as tintas da antemanhã
e o sangue que escorre é doce, de tão necessário
para colorir tuas pálidas faces, aurora.

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