Parece até que foi ontem e mais uma vez vem chegando o carnaval. Depois de 26 anos e tantas alegrias vividas, não tem como não deixar de fazer uma retrospectiva do projeto que mudou a cara da cidade e agregou as mais diferentes camadas sociais para a celebração única da paz e harmonia na semana que antecede ao nosso carnaval.
Tudo começou naquele ano em que as pessoas viviam irrequietas e “antenadas” na busca de fortalecer a auto-estima da cidade. Apesar de não existir carnaval e fantasia, existia alegria, amizade e compartilhamento. A cidade se entendia melhor e as pessoas interagiam entre si. Existia a Feirinha de Tambaú como ponto de convergência “Cult” da praia e que hoje foi transformada em um ponto comercial qualquer, sem nenhuma ebulição cultural. A cidade respirava alegria. Os bairros eram menos violentos e se comunicavam entre si. Não havia rancores e nem tão pouco restrições quanto ao uso da liberdade. Havia uma motivação espontânea que ultrapassava os limites de seus habitantes para uma sintonia impar capaz de mudar o mundo. Pura energia! A cumplicidade dos poderes nunca deixou de comparecer na avenida com os seus delírios de prazer e purpurina. Foi dessa energia que tudo começou.
Quando conheci a poeta e professora Vitória Lima e ela me encomendou o hino que levaria a primeira saída das Muriçocas, não imaginei que a autonomia de vôo se transformasse numa eternidade gratificante e se espalhasse no inconsciente coletivo da cidade. A Quarta-Feira de Fogo, fez decolar de vez, toda a alegria que estava adormecida no folião pessoense. Não demorou muito para que outros blocos fossem criados e se proliferado nos vários bairros da cidade. Esse movimento espontâneo e natural resultou no nascimento e crescimento do projeto Folia de Rua. Assim como eu, Walter Santos, Buda Lira, Ana Godim, Valeska Asfora, Marconi Serpa, e tantos outros, deram suas contribuições para solidificar o projeto. Foliões como Ednamay Cirilo, Sergio Carneiro, Keynes Carneiro, Lindembergue do Boi Bumbar, Zé da Macuca, Papito, o pessoal das Muriçocas Móvel, e tantos outros compartilharam numa única sintonia para que se fortalecessem os eventos. E assim nasceu As Virgens, Cafuçus, Anjo Azul, Picolé de Manga, Boibumbar, Piabas, e outras dezenas de alegrias. Criaram-se os bailes. O dos “Artistas”, do “Cafuçu”, o “Forró das Muriçocas”, etc. O movimento cresceu e assim foi criada a Associação Folia de Rua dando a devida visibilidade ao projeto. Nas gestões a partir de Lis Albuquerque (2005), no entanto, os problemas começaram a aparecer. Houve uma ruptura até certo ponto natural, talvez por ter havido um choque de conceitos ou pensamento na mudança da gestão. Muitas foram as divergências, mas nada disso fez enfraquecer o nosso movimento. Muito pelo contrário! O projeto cresceu e avançou, embora tenha que admitir que a partir desse determinado momento perdeu-se na sua essência principal finalidade. O trabalho social,por exemplo, que consistia em tirar crianças em situação de risco pessoal foi bruscamente interrompido pela falta de sensibilidade e capacidade de gerenciamento. Não vou culpar A ou B e nem tão pouco chorar leite derramado, mas a verdade é que parceiros como a Fundação Ayrton Sena e o Brasil Foundation foram obrigados a abandonar o barco e partir para outros Estados deixando a Paraíba a ver navios. O Projeto Folia Cidadã, como era denominada esta ação, foi empurrado ladeira abaixo e se afogou na memória do Rio Sanhauá, no momento em que começava a alcançar seus resultados, em um total desrespeito a Comunidade Porto do Capim que era por ele atendida e aos educadores, artistas e demais profissionais que nele atuavam. O estatuto da Associação acabou esbarrando na incredibilidade das intenções sendo engolido pelo poder público numa “apropriação” ou “desapropriação indébita”. Isso mesmo! Estão roubando a nossa folia e aos poucos inviabilizando a sua alegria. Embora o esforço do atual presidente Raimundo Nonato, conhecido como “Bola”, tenha sido reconhecido por todos da Associação, está difícil “driblar” o que já vem sendo arquitetado nos bastidores da política que rege o carnaval paraibano. Serviços públicos e essenciais são hoje cobrados dos blocos na maior cara de pau e sem nenhuma justificativa. Nunca houve isso antes! Será justo, por exemplo, pagar ao Sttrans uma taxa para ter a via interditada na concentração de algum bloco? Ora, desde que me entendo de gente, qualquer evento público que aconteça na cidade, é obrigação do poder público arcar com essa responsabilidade. A partir do próximo ano isso será regra embora já tenha cobrado de alguns blocos, como foi o caso do bloco “Caju Maluco” que, mesmo não pertencendo ao Folia de Rua, pagou R$490,00 para ter o disciplinamento do tráfego. Um absurdo! A SEMAN, por sua vez cobra uma taxa para aferir o som e uma dirigente de um bloco foi questionada por um funcionário sobre quem limparia a “bagunça” depois da folia? Será que em breve haveremos de pagar também a Emlur? Acho, sinceramente, tudo isso muito estranho. Mais estranho ainda é o Ministério Público querer estipular um horário para terminar a festa. Uma hora da manhã! Parece até piada, mas nossa cidade está cada vez mais velha e careta! Ou será que existe alguma má intenção por trás disso tudo? Cada vez mais penso que nessa terra tudo é possível! Parece-me que depois de muita confusão entraram num consenso para que às 1h30min tudo fique no silêncio. Muito pouco para quem é conhecido como o País do Carnaval, não acham? Agora me digam: qual o patrocinador que tem interesse de participar de uma festa que tem hora para acabar? Qual? Me digam! É lamentável, mas é a verdade! Estão acabando a folia! Torno a dizer!
E necessário repensar e analisar o que vem acontecendo ultimamente em João Pessoa com o Folia de Rua e outros projetos culturais. Mesmo sabendo que blocos como as Muriçocas do Miramar e mais recentemente o Cafuçú não estejam fazendo parte mais da Associação, esse não é o problema principal para que a cidade se transforme na maior prévia carnavalesca do Brasil. Em minha opinião falta investimento, pensar grande e transformar essa alegria espontânea no maior produto turístico da cidade. Trata-se de visão econômica e criativa de uma cidade e de um Estado na intenção de qualificar um evento já consolidado. Só isso!
De que adianta, por exemplo, as Muriçocas do Miramar ser tombada como Patrimônio Cultural e Imaterial da Paraíba se não existe a cumplicidade do poder público para fortalecer o evento? Enquanto o Galo da Madrugada, considerado o maior bloco do Brasil, representa o maior produto turístico de Pernambuco em feiras turísticas nacionais e internacionais, continuamos todos os anos tentando convencer os governantes de que esse é o projeto que tem a nossa cara e que bem poderia representar o nosso Estado e alavancar o nosso turismo e auto-estima. Da mesma forma que é preciso repensar a Associação Folia de Rua é necessário que o Poder Público compartilhe com essa lógica, caso contrario, não vai demorar muito para que a folia vá para o brejo ou morra silenciosamente na praia. Enquanto isso não acontece, continuarei me dedicando a celebração da alegria devendo voltar a escrever nessa coluna apenas quando as cinzas apagarem o reinado de Momo. É isso que penso! Até lá, bom carnaval para todos, e salvem a folia!