Esclareço antecipadamente que não tenho a ínfima pretensão de convencer quem quer que seja das minhas assertivas. Meu escrito é uma personalíssima confissão de fé, constrito diante do Espírito Santo de Deus.
Então lá vamos:
Não há dúvidas de que a Bíblia é um livro de extrema complexidade.
Estima-se que, para a escritura apenas do Antigo Testamento, levaram-se treze séculos. Já o Novo Testamento somente foi escrito entre 50 e 100 anos após Cristo. Os conteúdos foram concebidos em hebraico, aramaico e grego.
Os dois testamentos são supostamente complementares, enquanto o Antigo, dentre outros aspectos, revela a criação do universo, a aliança de Deus com a humanidade e profetiza a vinda do Messias. O Novo narra precipuamente a vida de Jesus e, também, mostra as tradições das primeiras igrejas, com as exortações de Paulo, e as profecias apocalípticas.
Em ambos, não há provas científicas acerca de quem, de fato, escreveu significativa parte dos livros compilados na Bíblia. Inexistem evidências cabais de que Moisés discorreu sobre o Pentateuco, como possivelmente os Evangelhos canônicos também não foram redigidos por Marcos, Lucas, Mateus e João.
Para conturbar ainda mais a questão, como dito, a Bíblia é uma junção de livros de variados autores inspirados, em tese, por Deus. Todavia, havia inúmeros escritos sobre a vida de Jesus, à época, os quais, com a romanização da igreja cristã, foram destruídos ou escondidos, e cristãos dissidentes do dogmatismo oficial de Roma foram perseguidos.
Que ser humano teria o poder de decidir que evangelhos eram sagrados ou heréticos?
Ademais, vejo com perplexidade a mudança drástica da narrativa, entre o Antigo e o Novo Testamento, quanto à face comportamental de Jeová. O Deus, por vezes, vingativo, iracundo, punitivo e autoritário transforma-se, de uma época para outra, numa personalidade plenamente misericordiosa, acolhedora e amorosa.
As rusgas entre o Antigo Testamento e o Novo são exaustivamente explicadas pelo judaísmo que jamais aceitou Jesus como “Aquele Enviado por Deus”. A meu ver, os judeus apresentam-se teologicamente mais coerentes do que nós cristãos. Jesus, embora inspirado na doutrina judaica e nela enraizado, não a seguiu fielmente e mais, por vezes, contrariou-a.
Henry Sobel, ex-presidente da Congregação Israelita Paulista, em texto escrito para Editora Unisinos, revela milhares de descompassos entre Jesus e as leis da Torá. Explica que a ideia cristã “ninguém vai ao Pai a não ser por mim” (João 14,6) é absolutamente alheia ao judaísmo, pois não há intermediários entre o Criador e as criaturas.
Ao passo que os profetas hebreus não tinham autoridade para perdoar os pecadores, já que o perdão caberia somente a Deus. Jesus aclamava: “Saibam que o Filho do Homem tem autoridade na terra para perdoar os pecados” (Mateus 9,6). Cristo operou milagres no sábado, contrariando visceralmente o mandamento judaico que proibia atividades no dia do repouso divino (o shabbat).
É óbvio que teólogos católicos e protestantes, mais conhecedores da Palavra do que eu, têm milhares de explicações, teses e justificativas para harmonizar a Bíblia que é uma belíssima e rica obra, todavia repleta de contradições literais e ontológicas.
Se observada, nos dias de hoje, na sua unidade e literalidade, alguns trechos bíblicos são versos homicidas (Êxodo 22,18), beligerantes (Números 31, 1-35), infanticidas (Números 31, 17-19), apologetas da tortura (Deuteronômio 17, 5-7), misóginos (Efésios 5, 22-24) e escravagistas (Êxodo 21, 21).
Para agravar, a cristandade hodiernamente revela-se cruel e absolutamente dissonante da experiência de Nosso Senhor Jesus Cristo: sacerdotes pedófilos, pastores estelionatários, mercadores da fé alheia, “cristãos” políticos e materialistas, mesquinhos, perseguidores e armamentistas. Uma tristeza!
Vem a calhar então o autoquestionamento: o que me faz cristão?
A resposta é simples: a vivência compassiva de Jesus Cristo, o Amor Absoluto Encarnado e a perfeição de Seus Atos. São os quatros Evangelhos que me firmam a certeza de que Deus enviou Seu Filho amado para ensinar a lição nunca aprendida pela humanidade decaída e desmoralizada: “Ame ao próximo como a ti mesmo” (Mateus 22,39), pois “bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus” (Mateus 5,10).
Jesus não permitiu o apedrejamento da mulher adúltera, acusou os falsos crentes, castigou os vendilhões do templo e amparou os pobres e excluídos que a si recorreram. É o amor perfeito que me preenche e dá-me a certeza de que a vida não acaba com a morte e que, nele, tudo se justifica.
Sem amor, o eruditismo teológico não se mantém; lideranças são ilegítimas; nenhuma igreja será a casa do Senhor. Fora dele, não há cristianismo. Há religiosismo proselitista.
Sou cristão por amor. Este amor que vem de Deus e é tão imenso que me faz buscar amar aqueles que de mim discordam; aqueles que não me amam e aqueles que me fizeram mal. Para mim, este amor dá sentido à nossa fugaz existência corpórea e me faz crer no plano espiritual superior, onde todos se sentarão à mesa, no mesmo nível, sem discriminação, e celebrarão juntos a unidade no Divino.