A comissão mista do Congresso Nacional, integrada por deputado e senadores, aprovou na quarta-feira (24), por 15 votos a 3, severas alterações no texto da medida provisória que instituiu a organização dos ministérios definida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva logo após a posse, em janeiro.
Inicialmente, é de se estranhar o interesse do Poder Legislativo na mera estrutura do Poder Executivo federal. Normalmente, quando um novo presidente assume, edita-se uma medida provisória para que a estrutura do novo governo se inicie imediatamente com seu mandato até para fins de exequibilidade do plano de gestão, aprovado pelo povo que o elegeu.
Não é praxe do legislativo promover alterações nessa estrutura, isto porque, como é óbvio, trata-se de questão de interesse voltado para quem administra o Brasil e não para quem legisla.
É óbvio que, de um parlamento conservador, composto, em parte, de integrantes terraplanistas, armamentistas, obscurantistas, religiosistas, racistas e machistas, pode-se esperar qualquer postura.
O texto solapou importantes atribuições do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, dentre elas, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a Agência Nacional de Água (ANA). Quanto ao Ministério dos Povos Indígenas, a mudança mais grave foi a retirada da demarcação de terras, transferindo-a para o Ministério da Justiça.
Tais atos visam a desidratar a atuação de duas autoridades, de importância fundamental, para a preservação do meio ambiente e para o resgate dos direitos históricos dos povos originários: Marina Silva (Ministra do Meio Ambiente) e Sônia Guajajara (Ministra dos Povos Indígenas).
O que Marina e Sonia têm em comum para gerar tamanha retaliação legislativa?
Marina Silva é mulher afrodescendente, acriana e filha de seringueiro. Seu nome dispensa extensas conjecturas, eis que se trata uma das maiores e mais respeitadas personalidades brasileiras no cenário internacional, quando se debate proteção ambiental e mudanças climáticas.
Já Sonia Guajajara constitui liderança indígena feminina, com vasto histórico de luta em prol do seu povo cuja militância já logrou reconhecimento do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Elas têm em comum, além do fato de serem mulheres e pessoas não-caucasianas, o real compromisso com a efetividade das agendas políticas que abraçaram.
Em alto e “bom” tom, a comissão mista do Poder Legislativo manda um recado para o povo brasileiro: os indígenas não devem decidir sobre seus próprios direitos e não se admite uma ambientalista-raiz com poderes amplos para a preservação do meio ambiente.
Tal aviso vem de um órgão composto, em cerca de 70%, por homens brancos e descompromissados com a pauta ambiental.
Para piorar, a mesma câmara dos deputados votou o texto final da MP 1150 que abre criminosas possibilidades de desmatamento da Mata Atlântica, viabilizando a ocupação de área de risco e desamparando unidades de conservação (UCs).
A postura do Poder Legislativo está em descompasso com as temáticas ambientais do mundo moderno e pode cerrar portas ao Brasil para mercados comuns e parcerias internacionais. Todavia, parece-me que os congressistas se preocupam mais com seus interesses pessoais do que os anseios coletivos e globais.
Decididamente, a política brasileira é puro enxofre.