Provas são pedaços da realidade, que geram convicção
sobre um determinado fato ou hipótese.
(Dallagnol)
Causou “frisson” no meio jurídico e em toda a sociedade a postura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que indeferiu o registro de candidatura do ex-procurador da república e então deputado federal Deltan Dallagnol, ensejando a cassação do respectivo diploma.
A Corte Eleitoral amparou seu entendimento no disposto no artigo 1º, inciso I, alínea q da Lei Complementar 64/1990 o qual prescreve que são inelegíveis, por 8 anos, para qualquer cargo, os magistrados e membros do Ministério Público que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar (PAD).
Observou-se claramente que Deltan pediu desvinculação do Ministério Público Federal 11 meses antes das Eleições de 2022, enquanto tramitavam no Conselho Superior do Ministério Público (CNMP) 15 procedimentos de natureza administrativa que poderiam vir a ser convolados em processos administrativos disciplinares.
Segundo o TSE, o desligamento voluntário de Dallagnol teve o condão de evitar que eventuais procedimentos disciplinares futuramente instaurados tornassem-no inelegível para o pleito eleitoral que se aproximava.
O Ministro relator compreendeu que a postura do réu visava a fraudar a aplicação da lei de inelegibilidade, já que ele já havia sido penalizado em dois procedimentos administrativos disciplinares anteriores (advertência e censura) e, uma vez desligado do MPF, as medidas que tramitavam no CNMP seriam extintas, suspensas ou paralisadas.
Foi, por conseguinte, o argumento de fraude à lei de inelegibilidade que solapou o mandato de Dallagnol.
A questão parece simples e, em tese, desmerecedora de polêmicas ou controvérsias. Todavia, a realidade não é bem assim.
Embora não nutra concordância com a postura do ex-procurador que já fora apenado, por duas vezes, pelo CNMP por conduta incompatível com o cargo de Membro do Ministério Público Federal e condenado pelo Tribunal de Contas da União por malversação em diárias percebidas durante a condução da Operação “Lava Jato”, na condição de jurista, compreendo que há de prevalecer o dever de avaliar o caso sem paixões ou divergências éticas, ideológicas ou morais.
A lei de inelegibilidade expressa que é inelegível o Membro do Ministério Público que peça exoneração, enquanto estiver respondendo a processo administrativo disciplinar. O texto legal não menciona (o que poderia) sindicâncias, pedidos de providências, reclamações, inquéritos ou outros procedimentos administrativos que, embora com alguma similitude com o PAD, a ele não se equiparam juridicamente.
No momento do registro da candidatura, Dallagnol não respondia a nenhum processo administrativo disciplinar no CNMP, embora fosse alvo de sindicância e outras medidas administrativas.
A Lei Complementar nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União – LOMPU) e o regimento interno do CNMP são claros ao diferenciar os institutos da reclamação disciplinar, da sindicância, do inquérito administrativo, do pedido de providências e do processo administrativo disciplinar.
Em resumo, prescreve-se que a sindicância é o procedimento prévio e sumário que tem por objeto a coleta de dados para instauração, se necessário, de processo administrativo disciplinar. A sindicância poderá ou não ser convertida em PAD. Isto porque, não verificada infração, o feito será arquivado.
A aplicação de penalidade somente poderá ocorrer através de processo administrativo disciplinar, com a manifestação fundamentada do colegiado seja do CNMP ou do Conselho Superior do MP, quando então infrator poderá ser punido.
Lembrando que o Direito Administrativo Sancionador e o Direito Penal mantêm entre si intercâmbio de princípios e regras, embora com intensidades diferentes, dentre as quais: presunção de inocência e o devido processo legal, assegurada a ampla defesa.
Não se pode antever se que o CNMP instalaria processo administrativo disciplinar em face do Dallagnol pelas falhas funcionais que lhe foram imputadas por representações diversas. Aliás, é vedado ao TSE, sob pena de extrapolar sua competência material e invadir o rol de atribuições do CNMP, deduzir que reclamações ou sindicâncias seriam necessariamente vertidas em PADs, acarretando a inelegibilidade do réu.
Foi exatamente neste aspecto, com o máximo de respeito, que percebo o erro do TSE.
Não é questão de literalismo ou legalismo. Quando se trata de norma punitiva, é basilar, na Ciência do Direito, que a interpretação deve ser restritiva e não extensiva.
Se o TSE protagonizou inversão paradigmática nos conceitos e primados do Direito, rumo a maior rigor na aceitação de candidaturas a cargos políticos, então que o faça então para todas as hipóteses em prol da coerência e da isonomia de seus julgamentos.
Quanto a Dallagnol, remédio já não há para sua salvação. Ainda improvavelmente se acesse o STF via recurso extraordinário, a probabilidade de provimento do seu apelo é insignificante.
Talvez o ex-procurador tenha provado do seu próprio veneno: agir com base em convicções, sem provas concretas.