Eduardo Varandas

Eu não falo português!

O desprezo dos lusitanos pelo português brasileiro e as diferenças evidentes entre o falado no Brasil e em Portugal autorizam a criação de um idioma exclusivamente nacional: o brasileiro.

Eu não falo português!

As relações intersociais entre Portugal e Brasil sempre foram intensas, nomeadamente nos dias presentes. O país lusitano está em alta pelo promissor turismo e como alvo de migração de pessoas (não apenas brasileiros) as quais buscam um sítio belo, com educação, saúde e segurança pública em níveis minimamente aceitáveis.

Morei por dois anos em Portugal. Fiz mestrado em Cências Jurídico-Processuais na Universidade de Coimbra, aprovado com distinção.  Antes, como os demais brasileiros, sentia orgulho de supostamente falar o idioma de ídolos como Fernando Pessoa, Florbela Espanca, José Saramago e Eça de Queiroz.

Primeiro impacto que tive foi o de saber que os portugueses desdenham do “português” falado no Brasil. Dizem lá que cá se fala “brasileiro”, um português ortograficamente desviado. Durante tal período, optava por falar inglês em bares, restaurantes e centros comerciais a fim de ser atendido sem discriminação.

O jornal lisboeta “Diário de Notícias”, em 10 Novembro 2021, advertiu a nação: “Há crianças portuguesas que só falam brasileiro ”. Referiu-se a folheca, a exalar xenofobia, ao facto de que comunicadores brasileiros, como o Lucas Neto, estariam por influenciar o sotaque dos infantes.

Gritou o periódico: “Dizem grama em vez de relva, autocarro é ônibus, rebuçado é bala, riscas são listras e leite está na geladeira em vez de no frigorífico. Os educadores notam-no sobretudo depois do confinamento – à conta de muita horas de exposição a conteúdos feitos por youtubers brasileiros.”

Isso é desconcertante e paradoxal. As famílias portuguesas orgulham-se dos filhos que falam línguas estrangeiras como o francês ou inglês, até porque é extremamente comum que jovens portugueses migrem para outros países da União Europeia que oferecem melhores salários e condições de trabalho.

Ademais, foram os navegadores portugueses que invadiram a Ilha de Vera Cruz, a promover a matança dos indígenas, traficar africanos, impor-lhes o seu idioma em detrimento da riqueza linguística que , à época, correspondia a 1.078 diferentes idiomas dos povos originários da “Terrae Brasilis”.

Penso que os portugueses têm razão quanto à dicotomia “português” e “brasileiro”. Definitivamente nosso idioma não é português .

Nunca usamos as mesmas colocações pronominais que os portugueses (ênclise), e nossa concordância verbal desobedece as regras gramaticais advindas do português clássico. Invertemos pronomes pessoais (do caso reto e oblíquo) nas construções frásicas. Não consideramos as consoantes mudas desde sempre, e palavras corriqueiras na “pontinha” da península ibérica são desconhecidas por nós. Registo que nossas derivações sufixais também nem sempre coincidem. 

A fonética entre os dois idiomas é tão estranha que sequer entendemos, de imediato, os portugueses. Aliás, parece-me ser este um problema do país já que portugueses continentais têm dificuldade de compreender o português falado no arquipélago dos Açores, parte de seu território nacional.

As poucas produções audiovisuais lusitanas, exibidas no Brasil, são dubladas em brasileiro ou legendadas. A maciça maioria da população brasileira não percebe o acento lusitano, mas compreende com facilidade o sotaque nordestino, sulista, sudestino, nortista e centro-oestino.

A verdade é que o português é supostamente um dos dez idiomas mais falado do mundo, com cerca de 225 milhões de falantes. Todavia, sem o Brasil, a abranger aproximadamente 213 milhões de falantes, a língua seria significativamente menos importante, a ficar próxima ao camaronês, húngaro ou cazaque (com 15 milhões de falantes em média).

Que se decrete a autonomia do idioma brasileiro! Continuaremos sendo uma uma língua crucial do mundo contemporâneo e de nada dependemos da intolerância e arrogância ultramarinas. Quem tem literatas ou poetas como José de Alencar, Machado de Assis, Jorge Amado, Ariano Suassuna, Carlos Drummond de Andrade e tantos outros não necessita de referências alienígenas.  

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