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Por que os filhos estão matando os pais?

Houve um aumento considerável, quase uma epidemia, dos fenômenos violentos na sociedade

O escritor irlandês Oscar Wilde afirma que “o homem mata o que ama”. O tipo de comportamento que temos visto ultimamente. Mais do que gostaríamos, temos nos deparado com uma realidade que parece ir contra a própria natureza. Filhos que matam os pais, geralmente por motivos fúteis. Um processo de eliminação de conflitos através da violência.

Houve um aumento considerável, quase uma epidemia, dos fenômenos violentos na sociedade. Do ponto de vista da mortalidade, observa-se que as mortes violentas da Classificação Internacional de Doenças (CID), que englobam suicídios, homicídios, acidentes de trânsito e de trabalho, começaram a se tornar uma das causas mais importantes de óbito, não só em países desenvolvidos, mas também nos de Terceiro Mundo.

Indicadores – A violência doméstica tem sido associada com a agressividade infantil e a delinqüência. E tem-se questionado até que ponto a agressividade poderia servir como um indicador que evidenciasse a presença de violência na família. Estariam adolescentes agressivos sendo mais punidos que os demais? Estas são algumas perguntas que uma sociedade perplexa com as manchetes dos jornais, onde as notícias contam histórias de filhos que matam os pais, procura responder e entender.

A agressividade entre crianças e adolescentes parece estar aumentando, porém este comportamento pode ser resultado de uma conduta menos repressiva em relação a este fenômeno. Por outro lado, os adolescentes podem estar mais violentos como resposta à violência estrutural da sociedade. Muitas perguntas, poucas respostas.

Outro aspecto sujeito a controvérsias refere-se à distribuição sócio-econômica da violência. Para alguns pesquisadores, a maior prevalência do problema está entre as classes menos favorecidas. Outros, porém, afirmam que pessoas de qualquer classe social podem apresentar condutas violentas e que os mais favorecidos socialmente, muitas vezes escondem seus comportamentos abusivos.

Crise de valores – Diante de acontecimentos que surgem esporadicamente na imprensa, sobre filhos que mandam matar os pais, netos que degolam avós, pais que matam filhos e toda sorte de crimes entre parentes próximos, podem ser apenas sintomas que denunciam uma alteração cultural, indícios de uma crise da própria civilização.

Psicólogos, educadores e sociólogos procuram estudar a associação entre o comportamento agressivo em adolescentes e a presença de violência em suas famílias, procurando verificar se a agressividade poderia ser um indicador de violência doméstica

O que é a violência – Conceitualmente, a violência pode ser considerada toda ação danosa à vida e à saúde do indivíduo, caracterizada por maus-tratos, cerceamento da liberdade ou imposição da força. Os conceitos de agressão e agressividade, assim como o de violência, envolvem múltiplos enfoques e direcionamentos. Podem estar inseridos dentro de marcos referenciais biologicistas, comportamentalistas, dentro de modelos exclusivamente psiquiátricos ou de abordagens mais amplas, como a da violência estrutural, proporcionada pelo próprio sistema social .

A temática parece andar em círculo, e a agressividade, por si só, não pode ser considerada um transtorno psiquiátrico específico, ela é, antes disso, sintoma que reflete uma conduta ‘desadaptada’. Como sintoma ela pode fazer parte de certos transtornos. Podemos dizer até, que a conduta agressiva costuma ser normal em certos períodos do desenvolvimento infantil, está vinculada ao crescimento e cumpre uma função adaptativa.

A família – Na família, a disciplina necessária na educação dos filhos fundamenta-se na idéia, culturalmente aceita, da dominação dos pais sobre os filhos, muitas vezes perdendo-se o limite entre punição física como norma educativa ou agressão Neste tema tão complexo e sujeito a vieses, fica difícil explicitar até onde o adolescente está exteriorizando uma conduta ‘agressiva’ como uma reação de defesa à violência estrutural da sociedade, ou quando há uma intenção deliberada de infligir dano ou sofrimento a outra pessoa. Nem sempre existe um culpado.

Torna-se difícil identificar em que momento eles são transformados de vítimas em réus. Pois seu comportamento certamente está articulado com as múltiplas formas de violência, explícitas ou não, que eles vivem no âmbito da família, da escola e de outras instituições da sociedade, muitas das quais com a função de protegê-los. E quando ocorre a tragédia, nem sempre é fácil identificar esses caminhos.

A Educação – A pedagogia atual pretender formar indivíduos com melhor saúde mental e emocional para que cheguem a ter atitudes mais equilibradas. Pessoas que saibam respeitar os limites aprendidos com seus pais e educadores e, em especial, que saibam enfrentar as frustrações naturais da vida, sem agressividade ou sem desejo de matar os que estiverem em seu caminho, como ocorreu com aquela moça que mandou o namorado e seu irmão matarem seus pais. Como ocorreu com um filho de 18 anos que matou os pais e três irmãos, e ainda como o caso do estudante que matou os pais, a irmã e os avós e após, foi passear no litoral… São muitas as histórias.

Esses e vários outros crimes cometidos por filhos contra familiares podem ser indicativos de que as crianças e os jovens estão sendo “educados” de modo errado, com ênfase na cobiça, na ganância e inveja, tornando-se adultos materialistas em excesso e que se relacionam com os outros por meio da competição, onde predomina o desejo de “passar a perna” para sobrepujá-los em todas as coisas.

Crianças e jovens educados com valores distorcidos que aprendem a não respeitar nada, agindo sem respeito aos limites, acreditando que não serão responsabilizados pelos atos errados que cometerem, achando que podem fazer tudo, formando uma “Geração pode tudo”. Os valores distorcidos ensinados a eles são de só valorizarem o “ter” cada vez mais bens materiais e dinheiro, em detrimento do “ser cada vez mais” pessoas com qualidades, honestas, esforçadas e outras características boas de seres humanos.

É provável que estejamos formando crianças e jovens que não sabem respeitar os limites e as regras da boa convivência. Jovens que só sabem agir com violência cujos relacionamentos são marcados por socos, pontapés, facadas, tiros e outras agressões para destruir os outros, além de terem muito stress, muita ansiedade, neuroses, as mais variadas e outras doenças mentais e emocionais.

Essa realidade gritante mostra que a sociedade como um todo (e ela engloba você, todos nós) precisa repensar as mensagens que as novas gerações estão recebendo e formando suas personalidades.

O que pensa a escola, a instituição – Íris Nery Medeiros é Supervisora Geral do Colégio Marista Pio X, em João Pessoa, um dos mais tradicionais da cidade. Ela lida diretamente com jovens e acredita que a violência dos filhos contra os pais não é uma regra, felizmente. Opinião compartilhada por uma boa parte de especialistas consultados, educadores e psicólogos.

Ela nos conta que o Pio X realiza encontros semanais entre os alunos, com o objetivo de desenvolver a socialização e a boa convivência. Um encontro monitorado por especialistas e com uma orientação religiosa. Pois ela acredita que a fé ensina a respeitar o outro, o que é fundamental no combate à violência.

Em relação aos recentes casos de violência de filhos contra os pais, sua opinião é de que seria necessário avaliar cada caso em particular, sempre analisando os ‘motivos’ de cada um e a sua estrutura familiar, todos os seus componentes. Em relação a todas as formas de se relacionar desses jovens, ela acredita que o que mais falta é a ‘capacidade de perceber o outro’, aprender a ouvir, desenvolver uma escuta saudável dos conflitos que possam surgir. Uma dificuldade enfrentada por pais e filhos.

A sociedade – A sociedade de hoje necessita, urgente, de pais e educadores mais conscientes da sua missão educativa das novas gerações, que tomem a decisão de fazer bem feito a sua parte para a melhoria da sociedade, e assumam a responsabilidade pelas mudanças que todos estão almejando.

Não basta apontar culpado, o que pode fazer a diferença é encontrar soluções, caminhos. Fugir da dualidade onde ora prevalece um sociologismo, atribuindo toda a responsabilidade da atitude humana às mazelas de nossa sociedade. Ora prevalece o psicologismo, enfatizando traumas infantis com severas repercussões sobre a maneira de ser atual das pessoas ou o organicismo, atribuindo a postura da pessoa às características funcionais do Sistema Nervoso Central.

Enfim, parece que o único inocente e isento completamente de responsabilidades sobre o ato humano é a própria pessoa. Parece que se desconhece totalmente a vontade humana, essa particularidade completamente soberana de nosso caráter.

Não existe uma única variável ou algumas variáveis simples que possam ser consideradas indícios seguros do surgimento de comportamento agressivo e violento. Assim como não existem respostas prontas.

Mas um bom sinal de caminhos a se buscar, é identificar que as empresas modernas valorizam hoje o comportamento e não apenas a formação dos indivíduos. Elas procuram, através de suas dinâmicas de seleção, valorizar aspectos comportamentais e identificar valores como ética, transparência e cidadania.

O que diz a lei – A legislação brasileira considera como criança a pessoa com idade entre zero e doze anos, e passíveis apenas da aplicação de medidas protetoras quando cometem infração (delinqüência) ou se encontram em situação de risco, de acordo com o art. 101 da Lei n. 8069/90, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente.

A adolescência, por sua vez, se considera para pessoas entre os doze e os dezoito anos, encontrando-se as mesmas sujeitas à aplicação das mesmas medidas protetoras e à aplicação de medidas sócio-educativas (art. 112 do mesmo Estatuto da Criança e do Adolescente).

Concomitantemente, a legislação imputa aos pais as medidas previstas no art. 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente, em caráter administrativo, possibilitando ainda a aplicação de multa por infração ao art. 249 da mesma lei.

Tais medidas citadas decorrem da filosofia de proteção integral ao menor. A pergunta que emocionalmente e moralmente fazemos é a seguinte: menor de que ou de quem? – Menor de altura, de idade, de maturidade… menor que a vítima, menor que a vontade política, que a capacidade da justiça?

Uma pesquisa – Leyla Nascimento, Diretora Executiva do Centro de Integração Empresa Escola (CIEE) do Rio de Janeiro, fala sobre uma pesquisa de relacionamento de pais com filhos, jovens, realizada em nove estados brasileiros (Espírito Santo, Rio do janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Distrito Federal, Bahia, Pernambuco e Amazonas).Realizada com cerca de 5.000 jovens, entre novembro do ano passado (2005) e janeiro deste ano.

Nela, 78% dos entrevistados demonstraram acreditar que a família de hoje em dia está em crise, mas que surpreendentemente, existe uma juventude comprometida com o valor da família, com o valor do trabalho. Em média, 93% recorre a figura da mãe, quando enfrenta problemas. Segundo Leyla “uma parte importante a ser considerada é a parte dos valores. Quando se pergunta porque a família está em crise ele diz que em primeiro lugar é o diálogo”. O que demonstra a importância de se ouvir essa juventude, formada à base de imagem, dos sinais, o que dificulta a comunicação verbal.

Um caminho – Pretensamente, as medidas de proteção ao menor almejam um caráter eminentemente desenvolvimentista e formador da cidadania, enquanto as medidas sócio-educativas, pretendem-se com caráter punitivo ou recuperadoras, bem como administrativo/punitivo.

A agressividade é sempre um tema da atualidade, especialmente a agressividade juvenil, atualmente relacionada às ações das gangues, dos franco-atiradores de escolas, dos queimadores de mendigos, dos homicidas de grupos étnicos, ou simplesmente dos agressivos intrafamiliares.

Não devemos acreditar que a violência infanto-juvenil restringe-se aos internos em instituições que recuperam menores ou às classes menos favorecidas da sociedade. Existe uma população de delinqüentes em outras classes sociais mais protegidas, seja pelos muros dos condomínios de luxo, seja por estatutos sociais não-escritos que zelam dos “bons hábitos familiares”, enfim, existe uma população de delinqüentes que raramente é punida e cujos atos nunca chegam aos nossos ouvidos.


Lilla Ferreira
ClickPB

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