Um controlador de vôo do Cindacta de Brasília com mais de 20 anos de experiência confirma: existe um ponto cego no espaço aéreo brasileiro na região onde o avião da Gol caiu matando 154 pessoas. O controlador diz que nessa área há grande dificuldade de comunicação pelo rádio entre os centros de controle e os pilotos dos aviões.
Nesta semana o Fantástico teve acesso a novos documentos do Ministério da Aeronáutica que provam que os problemas no espaço aéreo brasileiro são antigos e graves. O relatório de um incidente de junho de 2001 revela mais um caso de quase-colisão no ar sobre a Amazônia.
Um ponto cego no espaço aéreo brasileiro
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Um MD-11 da Varig e um Airbus da Vasp quase se chocaram perto da cidade de Alta Floresta, no Mato Grosso. O diálogo entre dois controladores de tráfego aéreo deixa claro que o acidente esteve perto de acontecer.
Controlador 1: O Varig 2200 reportou qual nível?
Controlador 2: 310.
Controlador 1: Caramba! Os dois estão no mesmo nível aqui. Dá uma chamada nele aí, porque ele está no mesmo nível de um tráfego que está a três minutos!
Se os controladores não agissem rápido, em menos de três minutos os dois aviões se chocariam.
Controlador 1: Brasília errou tudo aqui!
Controlador 2: Está pau! Brasília não passou nada, foi mano?
Este incidente já tem mais de cinco anos. Mas, ao que tudo indica, pouca coisa mudou no controle de tráfego aéreo no Brasil desde então.
Nesta semana, o Fantástico conversou com um controlador de vôo que está na área há mais de 20 anos. Homens como ele estão marcados pelo Comando da Aeronáutica e, por isso, não podem ser identificados. Segundo o controlador, os problemas descritos nesses relatórios da Aeronáutica de 2001 podem ocorrer hoje. "Porque os equipamentos continuam tendo as mesmas falhas. Você tem dificuldade de falar, as freqüências são ruins. E hoje você tem um agravante: o número de vôos aumentou significativamente", diz ele.
Os controladores usam dois instrumentos para monitorar os vôos: os radares, que indicam onde está o avião, e freqüências de rádio, para se comunicar com os pilotos.
"A freqüência tem muito problema. Você pega celular, rádio pirata e, às vezes, até rádio oficial", diz o controlador. Os equipamentos sucateados também provocam sustos nos controladores. "A gente tem radar de 30 anos atrás operando no Brasil", conta o controlador. "Eles são obsoletos. Eles vão sendo revitalizados".
O controlador, que conversou com o Fantástico neste sábado (25), narra problemas assustadores: "Às vezes, o mesmo avião está em dois lugares ao mesmo tempo. Um deles é real, o outro é falso. Só que na hora você tem que descobrir qual é o real".
Além de aviões-fantasmas voando na tela, às vezes o sistema entra em pane. A tela congela ou simplesmente apaga: "Você está controlando e percebe que está tudo parado na sua tela. Parece que os aviões viraram helicópteros e estão estáticos no ar".
O controle de Brasília, responsável pelo tráfego aéreo de parte da região, às vezes trabalha às cegas. Em uma foto da tela de um computador do Cindacta de Brasília, toda a grande área azul é a região que é visualizada por radar. Qualquer avião voando por ali pode ser acompanhando pelos controladores. No entanto, a área comandada pelo centro de Brasília é mais ampla. Um traço alaranjado é o limite da área do Cindacta 1. Ela vai até a cidade de Porto Nacional, em Tocantins. E pela foto é possível ver, claramente, uma enorme mancha negra dentro da área do Cindacta de Brasília: um ponto cego no radar que chega a milhares de quilômetros quadrados. Os aviões que voam nessa área têm contato por rádio com os controladores, mas não por radar. Está é a prova de que existe um enorme buraco negro nos céus do Brasil.
Enquanto o controlador fala com o avião, ele não vê o que está acontecendo. Foi exatamente nessa região do buraco negro, próximo de Jarinã, que o Legacy se chocou com o avião da Gol em setembro, provocando a morte de 154 pessoas. O controlador diz que, com todo esse conhecimento, não se sente seguro voando de avião. "A situação é muito grave", alerta.
Fonte: G1