BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) — Em depoimento à CPI da Covid no Senado nesta quarta-feira (7), o ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias confirmou o jantar no dia 25 de fevereiro com o policial militar Luiz Paulo Dominghetti Pereira, revelado pelo jornal Folha de S.Paulo, mas negou ter cobrado propina de US$ 1 por dose para negociar vacinas ao governo federal.
O diretor exonerado logo após a denúncia de propina disse aos senadores que não tratava da compra dos imunizantes, apesar de reconhecer que conversou por mensagens de celular e por email com representantes da Davati Medical Supply.
Dias foi exonerado em 29 de junho, horas após a Folha de S.Paulo publicar a entrevista em que Dominghetti revelou o suposto pedido de propina.
Dias afirmou à CPI que se encontrou por acaso com o policial no restaurante Vasto, em um shopping na região central de Brasília (DF). “Não era um jantar com fornecedor, era um jantar com um amigo”, disse o servidor público.
Dias ainda jogou sobre a Secretaria-Executiva da Saúde, área dominada por militares durante a gestão de Eduardo Pazuello, responsabilidades por definir preços, volumes e as empresas contratadas nas negociações por vacinas.
Segundo o ex-diretor da Saúde, o policial chegou ao restaurante ao lado do coronel da reserva Marcelo Blanco, que havia sido demitido em 19 de janeiro do cargo de assessor do Departamento de Logística.
Ao se apresentar a Dias no jantar, Dominghetti teria dito que desejava vender 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca ao ministério. A Davati, que o policial dizia representar, não tem aval do laboratório para esta negociação.
“Exatamente para que não se tratassem de assuntos ministeriais, de assuntos de ministério fora do âmbito do ministério, eu pedi que ele formalizasse uma agenda junto ao Ministério da Saúde, que eu o atenderia”, disse Dias.
A agenda do policial no ministério foi confirmada no dia seguinte ao jantar. Recebido por Dias na Saúde no mesmo dia 26 de fevereiro, Dominghetti não teria apresentado credenciais da AstraZeneca, segundo o ex-diretor da Saúde.
“O mesmo se despediu, disse que teria que ir embora, e nunca mais tive notícias, como de diversos outros ofertantes de vacina”, disse Dias.
Além de Dias, Dominghetti e Blanco, participou do jantar José Ricardo Santana, ex-secretário-executivo da CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), apontado pelo ex-diretor da Saúde como seu amigo.
Dominghetti afirmou ao jornal Folha de S.Paulo e à CPI que foi chamado por telefone ao jantar por Blanco, com quem já conversava sobre a venda dos imunizantes ao ministério. O policial disse que os três o esperavam no restaurante.
Dias disse que Blanco “possivelmente sabia” que o encontraria no restaurante, mas que não havia avisado que Dominghetti também iria ao jantar. O ex-diretor da Saúde afirma que não conhecia até ali o policial militar, e que antes havia trocado mensagem apenas com outro representante da Davati.
À CPI o ex-diretor de Logística disse ainda que nunca pressionou nenhum servidor para avançar o processo de aquisição de vacinas, como a indiana Covaxin, e que a negociação para a compra da AstraZeneca com a Davati travou porque o policial militar e a empresa não apresentaram a documentação necessária.
Também disse que Dominghetti é um “picareta, que tentava aplicar golpes em prefeituras e no Ministério da Saúde”.
Dias declarou ainda que não cabia ao Departamento de Logística negociar a compra de vacinas e de outros insumos. “Eu não digo o quê, nem quanto, nem como, nem onde. E é essa segregação de função que mantém a segurança jurídica dentro do Ministério da Saúde na parte de aquisição”, afirmou.
Dias negou contradição ao conversar por WhatsApp com vendedores de vacina e afirmou que apenas cobrou da Davati provas de que a empresa era credenciada pela AstraZeneca.
“Não faço triagem de proposta que interessa ao governo. Mas na qualidade de subordinado do secretário-executivo, não posso passar ao meu chefe uma proposta sem pé nem cabeça”, declarou Dias.
O ex-diretor afirmou que não repassou a proposta ao então secretário-executivo Elcio Franco por causa da falta de documentos. Os senadores disseram que querem ouvir novamente Elcio, que é investigado pela CPI, após a fala de Dias.
Em 29 de janeiro, o ex-secretário centralizou na sua pasta as negociações das vacinas para a Covid. Antes as farmacêuticas eram recebidas por áreas técnicas, como a SVS (Secretaria de Vigilância em Saúde).
Dias também relatou que teve dois auxiliares exonerados e trocados por militares. Para o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), houve “clara intervenção” da Secretaria-Executiva na área de compras da Saúde.
O general da reserva do Exército Ridauto Lúcio Fernandes foi nomeado nesta quarta-feira (7) para ocupar o comando da Logística, na vaga de Dias, ampliando o domínio dos militares no setor.
Dias disse aos senadores que foi exonerado da Saúde por causa da denúncia de propina, enquanto a pasta afirmou, em nota, que a decisão ocorreu antes da divulgação da entrevista. “Minha exoneração se deve a esse fato esdrúxulo e inexistente de um dólar”, disse ele aos senadores.
Dias ainda sugeriu que o deputado Luis Miranda (DEM-DF) está por trás das acusações contra ele. “Eu estou tentando descobrir a quem interessa tudo isso, todo esse ciclo fecha no deputado Luis Miranda.”
O deputado e seu irmão, o servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda, disseram à CPI que Dias fez pressão para agilizar o processo de compra e importação da vacina indiana Covaxin.
A existência de denúncias de irregularidades em torno da Covaxin foi revelada pela Folha de S.Paulo no dia 18 de junho, com a divulgação do depoimento de Luis Ricardo Miranda ao MPF (Ministério Público Federal). Ele apontou “pressão atípica” para aprovar a compra da vacina.
À CPI Dias também disse ter recebido em uma audiência oficial o reverendo Amilton Gomes de Paula para tratar de vacinas. Fundador da ONG Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários), o reverendo foi convocado pela CPI da Covid para prestar depoimento sobre seu papel na intermediação com a Davati.
Relator da CPI da Covid, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) disse que as conversas de Dias com intermediadores da Davati reforçam o trânsito no Ministério da Saúde de pessoas que ofereciam vacinas, mas nem sequer eram credenciados pelas produtoras.
“Veja que o estilo é o mesmo. Esses lobistas, atravessadores, vendilhões de vacinas que não existem, eram recebidos prioritariamente, enquanto as grandes farmacêuticas, Pfizer, Butantan, OMS, essas que tinham compliance, não eram sequer recebidas”, disse o relator.
Dias disse aos senadores que foi indicado ao Ministério da Saúde pelo ex-deputado Abelardo Lupion (DEM-PR). A nomeação também foi afiançada pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), o que o deputado nega.
O ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias disse que desconhece pedido de demissão feita pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.
Pazuello pediu a demissão de Dias da Diretoria de Logística do Ministério da Saúde em outubro de 2020, quando ainda comandava a pasta. Mas, por pressão política, o presidente Jair Bolsonaro barrou a exoneração.
Dias ainda disse que um “factoide” barrou a sua indicação a diretor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Ele negou envolvimento em suspeitas de irregularidades na compra de R$ 133,2 milhões em insumos para testes RT-PCR da Covid.
Esse contrato foi decisivo para a retirada da sugestão de seu nome à agência. “Então a suposta irregularidade que foi atribuída ao meu departamento foi um factoide para que fosse retirada minha indicação à Anvisa”, disse Dias.
Dias comandava desde janeiro de 2019 uma das áreas mais cobiçadas por partidos políticos no Ministério da Saúde, responsável por pagamentos de cerca de R$ 10 bilhões anuais para compra de medicamentos e outros insumos.
O valor nas mãos do servidor disparou na pandemia. Apenas em 2021, o Departamento de Logística empenhou mais de R$ 30 bilhões, principalmente para a compra de vacinas contra a Covid-19.