Depois de abrir fogo contra a irmã e matá-la, na manhã do último sábado, a soldado Rhaillayne Oliveira de Mello, presa em flagrante pelo próprio marido — o também PM Leonardo de Paiva Barbosa —, “bateu com as algemas na própria testa” repetidas vezes. Segundo o laudo de exame de corpo delito, ao qual O GLOBO teve acesso, a mulher também “arrancou as unhas dos dedos mínimos das mãos”. Rhaillayne atirou na comerciante Rhayna Oliveira de Mello em meio a uma discussão entre as duas parentes em um posto de gasolina do bairro Camarão, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio.
O documento assinado pelo perito Celso Eduardo Jandre Boechat atesta ainda que a soldado apresentou “comportamento sugerindo psicose ou estado pós-traumático” ao ser examinada no Posto Regional de Polícia Técnica e Científica (PRPTC) de São Gonçalo na tarde de sábado, passadas cerca de dez horas do crime. Na avaliação do profissional, Rhaillayne encontrava-se “apática com os fatos relatados”.
Na análise, o perito afirma também que a policial apresentou hematomas “condizentes com a autolesão relatada”. O profissional enumerou, então, os machucados sofridos por Rhaillayne: “Tumefação frontal, equimose e tumefação em terço distal do antebraço esquerdo, face antero-medial, ausência da unha do 5º dedo da mão esquerda”.
Ao prestar depoimento na Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI), responsável pelas investigações, Rhaillayne chegou a aparentar descontrole em diversos momentos. Do lado de fora da especializada, era possível ouvir gritos da policial militar: “Quero a minha irmã de volta”, repetia ela. Também ouvido na DHNSGI, Leonardo contou que a esposa vinha se mostrando nervosa e “claramente sem paciência” nos últimos tempos.
Assinado pelo mesmo perito legista, o laudo de exame de necropsia realizado no cadáver de Rhayna mostrou que ela morreu em decorrência de um disparo de arma de fogo no tórax. No documento do Instituto Médico-Legal (IML), é apontado que ela sofreu hemorragia interna, além de lesões pulmonar e vascular após ser baleada pela irmã. O documento aponta que o projétil da pistola ponto 40 pertencente à Secretaria de Polícia Militar foi encontrado na região dorsal direita da vítima.
Já no laudo de exame em local de encontro de cadáver, o perito criminal Fabiano de Souza Gomes afirma ter recolhido cinco estojos de munição calibre ponto 40, estando dois deles ao lado do corpo de Rhayna e o restante espalhados pelo local, além de uma munição a aproximadamente três metros da vítima. No local, também foram encontrados vasilhames normalmente utilizados no envasamento de entorpecentes como cocaína e ainda um recipiente de bebida alcoólica quebrado.
Rhaillayne só conseguiu ingressar na Polícia Militar por força de decisões judiciais. Após prestar concurso em 2014, a aspirante a PM acabou reprovada na etapa de Exame Social e Documental, também chamada de “pesquisa social”, quando aspectos da vida pregressa do candidato são avaliados. Um documento de 2018 do Centro de Recrutamento e Seleção de Praças obtido pelo GLOBO indica que a própria Rhaillayne informou que “já fez uso de substância tóxica por três vezes em festas rave”, situações nas quais teria ingerido “maconha, LSD, ecstasy e MD”.
Após ser impedida de integrar as fileiras da corporação, Rhaillayne entrou com uma ação na Justiça contra a decisão. “Em relação à alegação de uso de substâncias entorpecentes, a autora agiu de forma totalmente transparente e honesta ao responder a pergunta realizada pelo pesquisador, momento em que afirmou ter feito uso de substâncias entorpecentes POR APENAS TRÊS VEZES NO ANO DE 2013”, pondera a petição apresentada pelos advogados da candidata. “Tal posicionamento de expor o ocorrido anteriormente demostra o seu caráter, o sentimento de agir com a verdade e retidão com o que preceitua, acreditando-se que não estaria devendo nada à Justiça ou a qualquer outro órgão”, prossegue a defesa, cuja tese acabou prevalecendo nos tribunais.
Nesta segunda-feira, a PM confirmou ter apreendido a carteira funcional de Rhaillayne. Com o documento retido pela Corregedoria da corporação, o porte de arma da policial fica temporariamente suspenso até pelo menos a conclusão da investigação ou até uma decisão contrária da Justiça.