Brasil

31 de março de 1964, Golpe ou Revolução? Como esta data deve ser lembr

Alguns representantes da sociedade civil paraibana declaram sua opinião à respeito desse significativo período da história brasileira

O movimento político-militar deflagrado em 31 de março de 1964 teve como objetivo depor o governo do presidente João Goulart. Sua vitória acarretou profundas modificações na organização política do país, bem como na vida econômica e social. Todos os cinco presidentes militares que se sucederam desde então declararam-se herdeiros e continuadores da ‘Revolução’ de 1964, período que se estende até o final do processo de abertura política no Brasil, em 1985. Marcado por autoritarismo, supressão dos direitos constitucionais, perseguição policial e militar, prisão e tortura dos opositores e pela censura prévia aos meios de comunicação.

A crise político-institucional da qual nasce o regime militar começa com a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961. Agrava-se durante a administração João Goulart (1961-1964), com a radicalização populista do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de várias organizações de esquerda e com a reação da direita conservadora. Goulart tenta mobilizar as massas trabalhadoras em torno das reformas de base, que alterariam as relações econômicas e sociais no país.

Isso leva o empresariado, parte da Igreja Católica, a oficialidade militar e os partidos de oposição, liderados pela União Democrática Nacional (UDN) e pelo PSD, a denunciar a preparação de um golpe comunista, com a participação do presidente. Além disso, responsabilizam-no pela carestia e pelo desabastecimento.

No dia 13 de março de 1964, o governo promove grande comício em frente a estação ferroviária Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em favor das reformas de base. Os conservadores reagem com uma manifestação em São Paulo, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 19 de março. A tensão cresce. No dia 31 de março, tropas saídas de Minas Gerais e São Paulo avançam sobre o Rio, onde o Governo Federal conta com o apoio de setores importantes da oficialidade e das Forças Armadas. Para evitar a guerra civil, Goulart abandona o país e refugia-se no Uruguai.

No dia 1º de abril, o Congresso Nacional declara a vacância da Presidência. Os comandantes militares assumem o poder e explicam suas razões. O general Mourão Filho queria impor o domínio e o cumprimento da Constituição. O general Carlos Luís Guedes desejava as reformas, por via do Congresso. No entanto, depois de 10 de abril de 1964, o Comando Revolucionário cassou deputados, senadores, governadores, prefeitos, militares, desembargadores, embaixadores e outros ocupantes de funções públicas. É decretado o Ato Institucional Nº1 (AI-1), que cassa mandatos e suspende a imunidade parlamentar, a vitaliciedade dos magistrados, a estabilidade dos funcionários públicos e outros direitos constitucionais.

Outra vez, o Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, voltou à Presidência da República, que havia sido declarada vaga. Foi Mazzilli quem entregou o cargo ao General Castelo Branco, eleito pelo Congresso Nacional em 11 de abril de 1964, ficando como Vice-Presidente José Maria Alkmin, líder do PSD.

Golpe ou Revolução? – Os patrocinadores do movimento defendiam que o processo seria uma Revolução. Tal visão é, ainda hoje, defendida por alguns segmentos da sociedade, principalmente por algumas parcelas do meio militar que ainda hoje chamam de Revolução, ou Contra-Golpe, o Golpe Militar de 1964. Faz parte dessa mesma visão a referência como ‘Revolução Redentora’, que teria sido um movimento político desenvolvimentista patrocinado pela classe média e pelo alto oficialato das Forças Armadas brasileiras.

A noção de que se trataria de uma revolução perde muito terreno na sociedade brasileira desde meados dos anos 70. Hoje, tal posição se sustenta em parcelas restritas tanto da sociedade quanto dos meios históricos, sendo quase impossível encontrar algum defensor de tal idéia que não tenha alguma ligação importante com o meio militar, onde parcelas restritas ainda defendem tal idéia.

Depoimentos – Aproveitando a data, o 42º aniversário da então chamada ‘Revolução de 1964’, a reportagem do Clickpb resolveu ouvir alguns representantes da sociedade civil paraibana sobre o assunto. Afinal, qual a denominação correta para se referir ao dia 31 de Março. Golpe, tomada inesperada do poder governamental pela força e sem a participação do povo, ou Revolução, movimento de revolta contra um poder estabelecido. Há quem defenda uma nova nomenclatura, que seria golpe civil-militar.

“Veja bem, os militares autodenominaram o Golpe que eles deram, no dia 31 de março de Revolução, porque no Ocidente, revolução tem um sentido positivo. Revolução Francesa, Revolução Americana, Revolução Inglesa, Revolução Cubana, no Ocidente o termo revolução tem um sentido positivo de transformação da realidade. Na verdade, o Golpe Militar foi um golpe conservador, um golpe para manter o poder da oligarquia dominante, manter o processo de reforma agrária que ia começar completamente parado, reprimir os setores populares que estavam se organizando. Então os militares chamaram de Revolução aquilo que de fato foi um Golpe Militar, com o apoio dos setores das classes dominantes, e respaldado pelo governo norte-americano, naquela sua luta anticomunista. Então com certeza é um Golpe Militar. Eu acho que é um momento importante para se discutir, acho que a cada 31 de março a gente deveria, em todas as esferas, discutir a problemática do Estado brasileiro, discutir o real papel dos militares, discutir o real papel dos partidos políticos, tentando criar uma discussão para evitar que esse fato, o fato do Golpe Militar de 31 de Março se repita. Agora a gente tem que lembrar que os militares só deram o golpe porque eles encontraram amplo respaldo nas classes dominantes. Setores conservadores, dos industriais, dos proprietários de terra. Então nós não podemos apenas responsabilizar os militares pelo golpe. Eles deram o golpe porque setores da classe dominante pediam, exigiam que eles saíssem dos quartéis. Então é esse fato que a gente tem que perceber, rememorar e discutir, para justamente evitar que uma conjuntura daquelas se repita”. Lúcio Flávio, coordenador do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA) da UFPB.

“Golpe. Porque um processo sucessório de administração a nível federal só tem respaldo social na medida em que vier um movimento respaldado pelas urnas. Então, o que acontece é que houve uma articulação entre parte da elite civil brasileira, e parte das Forças Armadas. E essa articulação resultou num governo militar que foi paulatinamente restringindo as liberdades civis, ou seja, a organização partidária, a organização da sociedade civil associativa através dos sindicatos, a aliança camponês, intelectual e estudante. E culminou com a ‘pá de cal’ que foi o AI-5. Aí houve uma formalização geral de toda uma verticalização do poder que numa via jurídico-formal, praticamente, deixou de fora todos os anseios populares que estavam sendo gestados. Então, nesse sentido, você não pode achar que uma estrutura de poder que se monta num processo de verticalização seria uma Revolução. Mesmo a Revolução de 30, ainda hoje já está sendo questionada. Muito embora tenha que se fazer um parêntese, de que tão logo o Governo Provisório assume instituiu uma Constituinte, e no caso dos militares, todos os atos jurídicos formais vieram através de Atos Institucionais. Quer dizer, não houve uma convocação de Assembléia Constituinte, que só se deu em 1988. Aí sim, nós podemos dizer que há um declínio dessa verticalização jurídico-formal e começaram a ser abolidas algumas artimanhas do poder, como por exemplo o bipartidarismo. Se você considerar que na própria Paraíba era o PMDB e a ARENA, ambos eram partidos da confiança desses militares, e também uns artifícios, como por exemplo o senador biônico, que não tinha nenhuma representatividade civil, em 1978, quando eles foram nomeados. E claro que todo mandato parlamentar que não emana do povo, tem essa feição autoritária. Por isso que na minha avaliação, eu acho que a mais correta, é de que foi um golpe militar”. João de Lima, documentarista, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

“Golpe.Os militares tomaram o poder dos civis. Foi uma ação entre eles e não houve participação popular defendendo isso. Portanto, para mim, jamais poderia ser caracterizada como uma Revolução”. Linaldo Guedes, jornalista, poeta e jornalista, editor do suplemento literário Correio das Artes e do Caderno de Cultura do jornal A União.

“Eu acho que não tem o que comemorar. E evidentemente que não foi uma Revolução, foi um Golpe de Estado. Mas é importante lembrar sempre, porque 64 significa que é uma interrupção de um processo político, institucional, econômico, cultural, em que toda uma perspectiva de crescimento, de desenvolvimento foi interrompido e isso teve um estrago, provocou um estrago profundo para sociedade brasileira, para o Brasil, de maneira que é sempre importante lembrar, não para comemorar, mas para que a gente não esqueça e para que isso não se repita”. Lúcio Vilar, jornalista, chefe do Departamento de Comunicação (Decom) da UFPB.

“Foi um mal necessário. Não dava para fazer uma limpeza sem sentir dores. Em países que existe uma certa liberdade, a turma confunde. Saddan Hussein era um ditador, mas o cidadão de bem vivia uma vida tranqüila. Se em 64 não tivesse tido um golpe de direita, tinha sido praticado pela esquerda. E se for a esquerda é pior. Mas o dia 31 de Março não tem que ser comemorado, não tem nada para ser comemorado no Brasil”, Eduardo Antonio da Silva, 35 anos, empresário que já militou no Partido Comunista do Brasil (PC do B), e que também serviu como oficial do Exército Brasileiro.

“Com certeza, golpe. Considerando que a elite brasileira não consegue dar conta dos procedimentos institucionais, democráticos, ela sempre recorre a artifícios, e um dos artifícios mais utilizados por essa elite, é exatamente o golpe. Se a gente pensar direitinho, o que foi o golpe de 15 de novembro de 1889, a Proclamação da República? Foi para alguns historiadores um golpe militar em que a elite se utiliza desses militares como alternativa para garantir o poder constituído. Posteriormente, em vários outros momentos a gente vai ver esse artifício utilizado, e em 64 frente a desestruturação do pacto social, como estava elaborado, as dificuldades enfrentadas em manter a ordem social, e também o medo de não manter a ordem econômica, que significaria a retirada de capitais e todo um procedimento que não interessava a essa elite. Eles recorrem aos militares como alternativa de garantir o poder constituído. Então, com certeza, é golpe.” Ariane Menezes de Sá, Doutora em História Social, pela Universidade de São Paulo (USP), professora da UFPB.

As comemorações – O 1º Grupamento de Engenharia de Construção de João Pessoa (1º Gpt E) realiza discreta comemoração nesta sexta-feira, 31 de Março, uma alusão à ‘Revolução de 1964’. A cerimônia, de caráter interno, acontece nas dependências do Grupamento, na Avenida Epitácio Pessoa, com a realização de uma formatura. Durante a solenidade, que será presidida pelo Chefe do Estado Maior, Coronel Rodrigues, será lida a Ordem do Dia, enviada pelo Comandante do Exército Brasileiro, General Albuquerque, especialmente para a ocasião.

Segundo informa o departamento de Relações Públicas do 1º Gpt E de João Pessoa, o Exército não quer que a data “passe em branco”, e a comemoração tem como objetivo mostrar para as novas gerações a importância da data. A cerimônia, prevista para durar cerca de meia-hora, entre 7h30 e 8h00, prevê ainda um desfile da tropa, que em seguida deverá participar de uma palestra, onde participarão também oficias das demais Unidades de João Pessoa.

O Comandante do 1º Gpt E de João Pessoa, o General de Brigada Paulo Kazunori Komatsu, embarcou na tarde desta quinta-feira (30) para Brasília, onde receberá, nesta sexta, os cumprimentos do Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, pela sua promoção a General de Divisão. A entrega da insígnia, determinada no último dia 16 de março, faz parte das comemorações do dia 31 de março.


Lilla Ferreira
Clickpb

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