A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento, por unanimidade, ao Recurso Especial 1.880.334/SP, mantendo o acórdão que negou o pedido de indenização por danos materiais feito por anunciante em face de plataforma de intermediação em decorrência de fraude praticada por terceiro. A Ministra relatora Nancy Andrighi delimitou a controvérsia ao propósito de “definir se o site intermediador no comércio eletrônico pode ser responsabilizado por fraude perpetrada por terceiro, a qual culminou na venda do produto pelo ofertante sem o recebimento da contraprestação devida”.
Na situação fática, a recorrente encaminhou um smartphone usado que havia anunciado na plataforma de intermediação ao potencial comprador sem que tenha acontecido o efetivo pagamento. Isto porque o fraudador passou-se pela empresa utilizando endereço de e-mail falso por meio do qual encaminhou mensagem à recorrente, informando a compra do produto e a necessidade de enviá-lo antes do recebimento do valor cobrado.
Frente a este contexto, a anunciante ajuizou ação de reparação de danos materiais, julgada procedente com a condenação da plataforma ao pagamento de importância igual ao valor do smartphone. O Tribunal de origem, entretanto, reformou a sentença, pois não reconheceu se tratar o caso concreto de hipótese de responsabilização da empresa. No Recurso Especial, dentre outros argumentos, alegou-se falha na prestação dos serviços em virtude de a fraude somente ter se concretizado por causa do e-mail falso.
No voto da Ministra relatora Nancy Andrighi a solução jurídica para controvérsia foi encontrada fixando-se premissas a respeito das relações mantidas entre as partes interessadas no ambiente de uma plataforma de intermediação. Em particular, a aplicabilidade do Marco Civil da Internet, a natureza da relação jurídica e os possíveis regimes de responsabilidade.
As plataformas de intermediação sujeitam-se às normas do Marco Civil da Internet enquadrando-se na categoria dos provedores de aplicações, responsáveis por disponibilizar na rede as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação. Tais plataformas fornecem aos potenciais vendedores serviços de veiculação de ofertas de produtos ou serviços, assim como meios de pagamento quando a contratação é finalizada na plataforma, além de gerenciarem, nessa hipótese, os valores entre adquirente e vendedor.
Ou seja, “o responsável pelo site de comércio eletrônico, ao veicular ofertas de produtos, disponibilizando sua infraestrutura tecnológica e, sobretudo, participar das respectivas negociações em caso de aceitação por parte do adquirente, assume a posição de fornecedor de serviços”. Contando, nesse sentido, com remuneração direta (comissão em percentual sobre o valor da venda) ou indireta (anúncios publicitários realizados no site).
Ressaltou-se, entretanto, que as relações formadas nas plataformas colaborativas apresentam peculiaridades próprias impondo ao julgador a “tarefa de definir o regime de responsabilidade civil aplicável” aos vínculos formados nesses ambientes. A relação pode ser ou não de consumo, a depender da natureza habitual da atividade do vendedor, profissional ou não profissional, aplicando, conforme a hipótese, o Código Civil ou o CDC.
Na responsabilização da plataforma perante o anunciante, o voto fixou exemplos de responsabilização: (1) fornecimento a terceiros de dados pessoais do anunciante; (2) falha na entrega de correios eletrônicos; (3) permissão de acesso indevido de terceiros a e-mails ou conteúdo de mensagens; (4) ausência de repasse do valor pago pelo adquirente; (5) prestação de informações deficientes sobre a correta utilização do serviço ou falta de advertência quanto aos riscos a ele atrelados.
No caso concreto, considerando-se essas premissas, concluiu-se pela ocorrência de fato exclusivo de terceiro e a inexistência de falha no dever de segurança, ambos explicáveis pela natureza da fraude praticada. Em outras palavras, entendeu-se que a fraude “não tem qualquer relação com o comportamento da empresa, tratando-se de fato de terceiro que rompeu o nexo causal entre o dano e o fornecedor”, por isso, inexistente a falha na prestação dos serviços. Acrescentou-se, por fim, que “cada situação demanda uma análise pontual do caminho percorrido pelo fraudador, a fim de que se possa definir o fato como fortuito interno ou externo”.
Wilson Sales Belchior – Graduado em Direito, especialista em Processo Civil e Energia Elétrica, MBA em Gestão Empresarial, Mestre em Direito e Gestão de Conflitos, Doutorando em Direito Constitucional. Advogado, palestrante, professor universitário em cursos de pós-graduação em diferentes estados e autor de diversos artigos e livros, publicados em revistas, jornais, portais de notícias e editoras de circulação nacional. Atualmente é Conselheiro Federal da OAB eleito para o triênio 2019-2021 e Presidente da Comissão Nacional de Direito Bancário.