O Ministro Luiz Fux, na decisão em Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.299/DF, suspendeu, por tempo indeterminado, a eficácia da implementação do “juiz das garantias”; da alteração do juiz sentenciante que conheceu de prova declarada inadmissível; da mudança do procedimento de arquivamento do inquérito policial; da liberação da prisão pela não realização da audiência de custódia no prazo de 24 horas; contemplando os pedidos cautelares feitos nas ADI’s 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, as quais, dentre outros aspectos, impugnam a redação acrescentada ao Código de Processo Penal no que se refere ao “juiz das garantias”.
Em síntese, a inovação trazida pela Lei nº 13.964/2019 quanto à figura do “juiz das garantias” diz respeito ao magistrado designado, conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, especificamente para supervisionar e presidir as investigações, assegurando os direitos de investigados e réus na fase pré-processual, ou seja, exercer o controle de legalidade da investigação criminal, diferente daquele responsável por proferir a sentença.
Inicialmente, se faz importante trazer uma das premissas utilizadas pelo Ministro Relator para firmar o posicionamento constante da decisão, particularmente sobre a competência do STF para “afirmar o que é constitucional ou inconstitucional, invariavelmente sob a perspectiva da Carta de 1988”, diferenciando-se, portanto, das funções legislativa e executiva, pois, segundo o Ministro Luiz Fux “não compete ao STF realizar um juízo eminentemente político do que é bom ou ruim, conveniente ou inconveniente, apropriado ou inapropriado”.
A decisão no que se refere ao “juiz das garantias” considerou evidenciada a probabilidade do direito a partir da inconstitucionalidade formal (art. 96, CF/88), decorrente da iniciativa legislativa do Judiciário para normas de organização judiciária e inconstitucionalidade material, relacionada à exigência de prévia dotação orçamentária (art. 169, CF/88) e à autonomia do Poder Judiciário (art. 99, CF/88) na redação das normas impugnadas, ao passo que que o risco na demora vinculou-se à “forte probabilidade de dano ao funcionamento da justiça criminal, com efeitos irreversíveis, especialmente se o julgamento de mérito redundar na declaração de inconstitucionalidade de alguns ou de todos os dispositivos”.
O Ministro Relator argumentou que apesar do raciocínio de que os dispositivos impugnados teriam natureza de leis processuais gerais que repartiram as competências entre magistrados nas fases de investigação e de instrução processual penal, “a criação do juiz das garantia não apenas reforma, mas refunda o processo penal brasileiro e altera direta e estruturalmente o funcionamento de qualquer unidade judiciária criminal do país”, por isso, a classificação das normas questionadas enquanto detentoras de “natureza materialmente híbrida, sendo simultaneamente norma geral processual e norma de organização judiciária”.
A inconstitucionalidade formal relaciona-se, nesse sentido, ao fato de alterar-se “materialmente a divisão e a organização de serviços judiciários em tal nível que demanda uma completa reorganização da justiça criminal do país”, destacando o “risco de a operação da justiça criminal brasileira entrar em colapso”, de sorte que os artigos 3º-A e 3º-F da Lei nº 13.964/2019 configuram-se preponderantemente em normas de organização judiciária, com iniciativa legislativa própria do Poder Judiciário (art. 96, CF/88).
A inconstitucionalidade material, por seu turno, associa-se “a ausência de dotação orçamentária e estudos de impacto prévios para implementação da medida e o impacto da medida na eficiência dos mecanismos brasileiros de combate à criminalidade”, violando, segundo o Ministro Relator, os artigos 169 (prévia dotação orçamentária para a realização de despesas pelos entes federativos) e 99 (autonomia orçamentária do Poder Judiciário), da CF/88, além do artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com a exigência de estimativa do impacto orçamentário e financeiro, pois a implementação do “juiz das garantias”, também de acordo com o Ministro Luiz Fux, “causa impacto orçamentário de grande monta ao Poder Judiciário, especialmente com os deslocamentos funcionais de magistrados, os necessários incremento dos sistemas processuais e das soluções de tecnologia da informação correlatas, as reestruturações e as redistribuições de recursos humanos e materiais”.
Finalmente, ressalte-se que a decisão do Ministro Luiz Fux de suspensão dos dispositivos, igualmente, se fundamentou em juízo de cautela para que se permita “o adequado colhimento de informações das autoridades interessadas, a ampla participação dos amicus curiae, e, oportunamente, a realização de audiências públicas para a democrática participação da sociedade civil”.
Wilson Sales Belchior – Advogado e graduado em direito pela UNIFOR, especialista em Processo Civil pela UECE, MBA em Gestão Empresarial e mestre em Direito e Gestão de Conflitos na UNIFOR. Também possui curso de curta duração em resolução de conflitos na Columbia Law School, nos Estados Unidos. Na mesma instituição participou de série de pesquisa avançada. Palestrante, professor universitário em cursos de pós-graduação em diferentes estados e autor de diversos artigos e livros, publicados em revistas, jornais, portais de notícias e editoras de circulação nacional. Conselheiro Federal da OAB (2013-2015). Vice-presidente da Comissão Nacional de Advocacia Corporativa do Conselho Federal da OAB (2013-2015). Membro da Comissão Nacional de Sociedade de Advogados do Conselho Federal da OAB (2010-2012). Membro da Coordenação de Inteligência Artificial do CFOAB (2018). Atualmente é Conselheiro Federal eleito para o triênio 2019-2021 e Presidente da Comissão Nacional de Direito Bancário.