BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) — A nova manifestação da cúpula do Congresso na qual afirma ser possível cumprir a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) a respeito das chamadas emendas de relator é vista com ressalvas por alguns senadores, que levantam a hipótese de “manobra” para destravar a execução dessa verba.
O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), enviou na sexta-feira (3) uma manifestação à ministra Rosa Weber (STF) em que promete cumprir as decisões da corte relativas à transparência dessas emendas, incluindo as informações referentes aos Orçamentos de 2020 e 2021.
Tais emendas são alvo de polêmica por configurarem um esquema de negociação de verbas públicas sem transparência. Ela tem sido a principal moeda de troca, distribuída por governistas, em votações importantes no Congresso.
Por isso os parlamentares têm pressa. Querem que o STF descongele logo essas emendas e permita o pagamento dos valores dentro do Orçamento de 2021, véspera de ano eleitoral e motivo da ansiedade do Congresso.
O dinheiro disponível neste ano para esse tip de emenda é de R$ 16,8 bilhões e envolve o chamado “toma lá, dá cá”, alvo de críticas do presidente Jair Bolsonaro na campanha de 2018, mas depois consolidado ao longo de seu governo.
Antes dessa nova manifestação ao STF, Pacheco chegou a afirmar que era “inexequível” detalhar as informações de Orçamentos passados referentes aos pedidos que fundamentaram as emendas de relator, como, por exemplo, quais parlamentares as indicaram.
Em manifestação anterior ao Supremo, assinada também pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o Congresso pediu o “reconhecimento da impossibilidade fática e jurídica de cumprimento dos itens” da decisão que dizem respeito à retroatividade da transparência a ser dada para a destinação das emendas.
Já na peça enviada na última sexta-feira, sem apresentar mais detalhes, o Congresso adotou um novo tom e afirmou que vai cumprir a decisão do Supremo.
Pacheco afirma que deu um prazo de 180 dias para que o relator-geral do Orçamento, o senador Márcio Bittar (PSL-AC), adote as providências necessárias para o “cumprimento das citadas deliberações do Congresso Nacional e da mencionada decisão do Supremo Tribunal Federal”.
A manifestação argumenta que vai cumprir a decisão, apesar da inexistência de obrigação legal anterior de registro dos pedidos formulados ao relator-geral por senadores, deputados federais, ministros de Estado, governadores, prefeitos e associações da sociedade civil.
Também argumenta que não há “cadastramento prévio dos mesmos” em um setor específico do Congresso Nacional.
Mesmo assim, continua, pediu ao relator que sejam “adotadas as providências possíveis e necessárias para individualizar e detalhar as indicações das emendas de sua autoria e declinar as respectivas movimentações, apresentando, caso detenha, registros formais, informações pretéritas ou atuais sobre essas indicações, ou justifique a impossibilidade de fazê-lo”.
Reportagem do jornal Folha de S.Paulo deste domingo mostrou como as emendas de relator distribuídas pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB), tem sido usado como moeda de troca política.
O líder do Cidadania no Senado, Alessandro Vieira (Cidadania-SE), um dos principais críticos das emendas de relator, afirma que a nova manifestação deixa claro que o Congresso “mentiu para o STF” anteriormente.
O senador também afirma que a manifestação mais recente sinaliza uma possível manobra para destravar a execução das emendas, que seguem suspensas pela decisão do Supremo.
“Quando o Congresso Nacional informou que era impossível garantir a transparência, ele mentiu para o STF. Puxamos um grupo de parlamentares e informamos à relatora [Rosa Weber] que é mentira”, afirmou o parlamentar à reportagem.
“Talvez por isso, o Congresso Nacional recuou e reconheceu que é possível garantir a transparência, mas pediu um prazo desnecessariamente longo. Isso dá uma impressão de manobra para viabilizar acesso imediato aos recursos bloqueados, sem real garantia de transparência”, completou.
Vieira protocolou neste sábado (4) novo requerimento para a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar as emendas de relator.
Líder da oposição, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também afirma que o prazo de 180 dias “não é razoável” e que espera que a ministra Rosa Weber não atenda o pedido de liberação das emendas dessa forma, e sim determine um prazo mais curto.
“Se precisa de 180 dias para saber as indicações das emendas, isso é um fato extremamente grave. É algo grave porque deixa claro que não se tem controle de como foi distribuído o dinheiro”, afirma.
Randolfe afirma que o novo tom adotado pelo Congresso possivelmente se deu após uma “análise de custo-benefício”, considerando que a cúpula do Parlamento estava em desvantagem na queda de braço com o Supremo, com as emendas congeladas.
“Entregaram os anéis para não perder os dedos”, afirma o senador.
Um consultor legislativo do Senado, sob reserva, também aponta que os termos da nova manifestação e do ofício encaminhado ao relator-geral são genéricos e abrem brecha para descumprimento da decisão do STF.
Os efeitos práticos da transparência ou a falta dela, portanto, apenas seriam descobertos em seis meses.
O senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), por sua vez, prefere dar o benefício da dúvida para a cúpula do Congresso.
“Prefiro não acreditar que o pedido de tempo seja um subterfúgio”, afirma o senador, que acrescenta achar que a nova manifestação do Congresso se refere a uma preocupação para levantar “dados precisos”.
Pacheco e Lira vêm trabalhando para tentar destravar a execução das emendas, congeladas desde a decisão da ministra Rosa Weber – depois confirmada no plenário da Casa.
Há quase um mês, a corte decidiu suspender, por 8 votos a 2, “integral e imediatamente” o pagamento das verbas a deputados e senadores, além de determinar que o Congresso dê “ampla publicidade, em plataforma centralizada de acesso públicos”, a todos os documentos relacionados à distribuição dessas verbas em 2020 e 2021.
Os repasses estão suspensos até que o STF julgue o mérito da ação do PSOL, ainda sem data definida.
Para tentar destravar os recursos, a cúpula do Congresso inicialmente publicou um ato conjunto da Câmara e do Senado, que estabelece regras de transparência, mas apenas a partir de agora. Recusa-se, portanto, a divulgar as polêmicas informações sobre os Orçamentos de 2020-21.
Além disso, na segunda-feira (29), o Congresso aprovou um projeto de resolução regulamentando as emendas de relator. O texto colocou um teto para as emendas de relator, que será o total das emendas de bancada e individuais impositivas.
A proposta orçamentária encaminhada ao Congresso prevê R$ 5,7 bilhões para as emendas de bancada e R$ 10,5 bilhões para as emendas individuais.
O texto, porém, ainda manteve o controle da distribuição das emendas na cúpula do Congresso e reforçou que as medidas de transparência valem apenas daqui para frente. Ou seja, ele mantém secretos os parlamentares que indicaram as chamadas emendas RP9 em 2020 e 2021.
O Congresso usou essas duas medidas para tentar destravar o pagamento das emendas, argumentando que busca cumprir os termos da decisão do STF.
Além disso, Pacheco e Lira vêm explicando que a suspensão da execução das emendas trava a execução de serviços essenciais, como a realização de cirurgias eletivas.
ENTENDA O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES
A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o final de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte. Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares.
As emendas parlamentares se dividem em:
- Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16,3 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2021). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde;
- Emendas coletivas: subdivididas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido;
- Emendas do relator-geral do Orçamento: As emendas sob seu comando, de código RP9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo.
CRONOLOGIA
Antes de 2015
A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares.
2015
Por meio da emenda constitucional 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:
a) execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior;
b) metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a Saúde;
c) contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória.
2019
– O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que torna obrigatória também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas);
– Metade desse valor tem que ser destinado a obras;
– O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento: R$ 30 bilhões;
– Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral.
2021
Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:
– Emendas individuais (obrigatórias): R$ 9,7 bilhões;
– Emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 7,3 bilhões;
– Emendas de comissão permanente: R$ 0;
– Emendas do relator-geral do Orçamento (código RP9): R$ 16,8 bilhões.