Confesso que, quando vi as polêmicas decorrentes da estreia do filme da “Barbie”, assustei-me.
Nunca fui fã da boneca e não tinha assistido a nenhum filme anterior estrelado pela personagem da Mattel. O mundo da Barbie sempre foi totalmente estranho à minha infância e pré-adolescência. Como “nerd” de carteirinha, meus interesses eram computadores, videogames e filmes de super-heróis. A Barbie, para mim, coisificava e mercantilizava a mulher, hegemonizando um padrão de beleza, por vezes, inacessível e surreal às meninas.
Um horror!
Assim, a minha ideia era de que o “live-action” da Barbie seria mais um besteirol americano para adolescentes, narrando as peraltices fugazes de uma personagem que limitava grosseiramente a diversidade e a riqueza do universo feminino a um ser magro, de cintura afunilada, loiro, néscio e que vivia num mundo cor de rosa e fútil.
Todavia, quando li as críticas do portal americano “movieguide”, confesso que fiquei extremamente curioso em ver a película. O site alerta em letras garrafais: “Cuidado! Não leve sua filha para a Barbie” (tradução nossa) e sugere que a produção apresenta alguns conteúdos “repugnantes” e “censuráveis” que contrariam a moral cristã, tais como a presença de LGBTs na obra e ideias subversivas como o feminismo e o desestímulo para que meninas adolescentes sonhem com a maternidade.
O Pastor Rodrigo Mocellin, da Igreja Resgatar, em articulação machista e misógina, tachando mulheres feministas de “feminazis do sovaco cabeludo”, corrobora as críticas do “movieguide”, ratificando que o filme não é para cristãos (fonte: youtube).
A publicidade reversa patrocinada por religiosos xiitas funcionou. Não resisti! Rendi-me e fui ao cinema ver a Barbie.
De fato, o filme não é recomendado para crianças menores de 12 anos. A classificação etária é justa porque aborda temas complexos como patriarcado, machismo, crises familiares, relações de dominação e toxidade social. Tal aspecto, frise-se, não retira a leveza da estória e nem empalidece as cenas hilárias que o roteiro propicia.
É exatamente esta a grande sacada da trama: uma ruptura no corpo de plástico da boneca para o encarnar nas dores, sabores e dissadores da difícil arte de viver no mundo real: preconceituoso, machista, LGBTfóbico e perverso.
O filme, em tom alegórico e divertido, critica a própria superficialidade da bolha “cor de rosa”, onde a boneca foi concebida e a forma perfunctória como mantém relações sociais no seu meio. Mais: apõe os executivos da Mattel como vilões, já que a empresa, na narrativa, é dirigida por homens, todos apalermados.
É um conto feminista, feminino, inclusivo e respeitoso para com a diversidade humana. Exara a justa ideia de que a mulher pode ser tudo o que desejar. Apresenta Barbies negras, “plus size”, asiáticas, buscando-se regenerar do passado ariano e sexista que marcou a criação da boneca.
Sem dúvida, humanizou-se a personagem e, nesse contexto, lidou-se com as mazelas da sociedade de forma bem tramada e excepcionalmente dirigida por Greta Gerwig, floreada por uma trilha sonora de qualidade, interpretada por artistas do quilate de Dua Lipa.
Há cenas apoteóticas, como a paráfrase a 2001: Uma Odisseia no Espaço do grandioso Kubrick.
Não é uma peça cinematográfica descomunal ou algo que marcará a história do cinema. É apenas uma boa ideia, bem executada que, através de inteligente mudança conceitual, faz a plateia repensar seus preconceitos e pseudoverdades. É ideal para que adolescentes compreendam que a vida não é uma bolha rosa feita de um cenário de plástico.
Adorei.