Saúde

MP vai apurar se houve irregularidade na licitação de laboratório envolvido em infecção por HIV de transplantados

O laboratório tem como um dos sócios Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira. Ele é primo do ex-secretário de Saúde Doutor Luizinho, deputado federal e líder do PP na Câmara dos Deputados.

MP vai apurar se houve irregularidade na licitação de laboratório envolvido em infecção por HIV de transplantados

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro informou que vai investigar a contratação do laboratório Patologia Clínica Doutor Saleme (PCS-Saleme) pelo governo do estado, encaminhando o caso para os promotores de Justiça de Cidadania.

O laboratório foi apontado pela Secretaria Estadual de Saúde como responsável pelo erro em dois exames, o que culminou na infecção por HIV de seis pessoas que estavam na fila do transplante e receberam órgãos. O caso foi noticiado inicialmente pela Band News.

O laboratório tem como um dos sócios Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira. Ele é primo do ex-secretário de Saúde Doutor Luizinho, deputado federal e líder do PP na Câmara dos Deputados.

A investigação, segundo o MP, vai abarcar a análise do dano pelo serviço não prestado adequadamente e possíveis irregularidades na licitação, em decorrência dos vínculos mencionados.

Segundo o governo do estado, o PCS Lab Saleme, uma unidade privada de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, foi contratada pela SES-RJ em dezembro do ano passado, por meio de pregão eletrônico (um tipo de licitação) no valor de R$ 11 milhões, para fazer a sorologia de órgãos doados. Antes disso, houve outras contratações (veja abaixo).

Outro sócio do laboratório é Walter Vieira, casado com a tia de Luizinho. Os dois chegaram fazer campanha para Doutor Luizinho em eleições passadas.

Doutor Luizinho deixou o cargo três meses antes da contratação do laboratório. A irmã dele, Débora Lúcia Teixeira, trabalha na Fundação Saúde, empresa pública do estado que assina o contrato com o laboratório.

O deputado foi secretário de Saúde de janeiro a setembro de 2023. Entre 2022 e 2024, o laboratório recebeu quase R$ 20 milhões em pagamentos, de acordo com dados do Portal da Transparência.

2022: R$ 296.895,46
2023: R$ 3.261.726,89
2024: R$ 16.114.183,89
Total: R$ 19,6 milhões

Valores em contrato
A empresa já recebeu os R$ 19,6 milhões, desde 2022, da Fundação Saúde, que é uma empresa pública do governo do estado. Os valores foram subindo, ano a ano.

Os primeiros pagamentos feitos à empresa datam de agosto de 2022, pra análises laboratoriais em UPAs, como Bangu, Campo Grande e Realengo. Mas não havia um contrato sequer.

A PCS recebia a verba por meio de termos de ajuste de contas, ou TACs, da Fundação Saúde. Segundo o Tribunal de Contas do Estado, o TAC é um instrumento pelo qual a administração pública reconhece a prestação de serviços sem o devido contrato – uma modalidade de caráter excepcionalíssimo e que não poder ter a utilização banalizada.

Uma recomendação ignorada pela Fundação Saúde, que já gastou mais de R$ 300 milhões dessa forma. Segundo a côrte de contas, um uso desmedido, que reforça a deficiência no planejamento das contratações.

Depois de receber tantas vezes sem contrato nenhum, em 2023, a empresa começou a receber os pagamentos sendo contratada. Mas sem haver concorrência, como é recomendado no setor público.

Em fevereiro do ano passado, a Fundação Saúde fechou um contrato com a empresa por dispensa de licitação. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, o erro do laboratório que causou a infecção dos transplantados ocorreu numa outra contratação, feita em dezembro de 2023.

O contrato com o laboratório anterior tinha terminado em novembro. Técnicos da Secretaria de Saúde sugeriram, então, que o serviço passasse a ser prestado pelo Hemorio – que também é um órgão estadual.

Mas, segundo fontes da secretaria ouvidas pelo RJ2, a fundação saúde se opôs a essa mudança, sob o argumento de que o hemorio não teria capacidade pra fazer os exames. O que aconteceu então foi uma concorrência por pregão eletrônico, e a PCS venceu.

No dia da assinatura, Doutor Luizinho não era mais o secretário. Mas até poucos meses antes, o deputado federal era o titular da Secretaria Estadual de Saúde, a qual a Fundação Saúde é subordinada e onde uma outra prima do dono da empresa ainda trabalha. Débora Lucia Teixeira é irmã de Doutor Luizinho e tem o cargo de diretora de planejamento e gestão.

A vitória da PCS no contrato chegou a ser contestada. Uma das participantes da concorrência alegou que a empresa não tinha apresentado a documentação que comprovava a capacidade técnica, mas o recurso foi negado.

A Fundação Saúde, no entanto, parecia não ter queixas da PCS até a infecção ser revelada. Tanto que no sistema eletrônico do governo do estado consta uma minuta de termo aditivo desse contrato.

O documento, de 2 de outubro, indica que se pretendia ampliar os exames oferecidos pelo laboratório, mesmo quando já corria o procedimento pra apurar a infecção, aberto no começo de setembro. Por esse acréscimo, a PCS receberia mais R$ 780 mil reais da Fundação Saúde.

A Fundação Saúde disse que o contrato com o laboratório foi iniciado em primeiro de dezembro de 2023 e que nenhum aditivo foi feito. Disse ainda que débora teixeira atua no planejamento e gestão das UPAs, e não tem qualquer ligação com a área de contratos da Fundação Saúde.

O que diz o Doutor Luizinho

Em nota, Doutor Luizinho afirmou:

“Conheço o Laboratório Saleme há mais de 30 anos, dirigido pelo Dr Montano e posteriormente por seu Filho Dr Valter Viera (casado com a irmã da minha mãe, Ana Paula) e suas irmãs. Lamento veementemente o ocorrido, desejando ao fim das investigações punição exemplar para os responsáveis por esses gravíssimos casos de infecção.

Enquanto Secretário de Estado de Saúde , mantive a mesma equipe do Programa Estadual de Transplantes da gestão anterior e jamais participei da contratação deste ou de qualquer outro Laboratório.

É muito triste como um dos maiores defensores do Transplantes no País, cuja minha vida pública está marcada pela ampliação do número de transplantes no Estado, ver casos graves como esse! Espero punição aos responsáveis, independente de quem for.”

O Ministério da Saúde determinou a instalação de “auditoria urgente pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) em todo o sistema de transplante do Rio, e a apuração de eventuais irregularidades na contratação do referido laboratório, entre outras providências”.

G1

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