Saúde

O crescimento não resolve todos os males do Brasil

O desenvolvimento não é uma decorrência natural do crescimento econômico

Também conta o avanço em educação e saúde, e em democracia O desenvolvimento não é uma decorrência natural do crescimento econômico, como defende uma ala “convencional” de economistas do Brasil e do mundo. A opinião é de José Eli da Veiga, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e colunista do Valor, que acaba de lançar o livro “Meio Ambiente &; Desenvolvimento”.

Neste trabalho, ele se coloca no “caminho do meio”, entre os convencionais e os adeptos do pós-desenvolvimento, corrente que considera o desenvolvimento uma ilusão. Veiga defende o conceito de neodesenvolvimentismo, que levaria as políticas desenvolvimentistas a serem aferidas pelo IDH (Índice de Desenvolvimento da ONU) e pelos indicadores de sustentabilidade ambiental hoje disponíveis. O professor afirma que prefere um crescimento mais modesto – como o do Brasil, que está melhorando o IDH – do que a expansão extraordinária de nações como a China. “O problema mais sério é que eles [os chineses] não têm como garantir energia para esse crescimento.”

Sua abordagem é polêmica e exige debate. Na segunda-feira, as propostas de seu livro serão justamente discutidas com dois nomes do pensamento econômico contemporâneo: Eduardo Giannetti da Fonseca e Sergio Besserman Vianna. O evento ocorre no prédio da FEA, na Cidade Universitária, em São Paulo, às 11h.

Leia os trechos da entrevista.

Valor: No livro, o senhor se posiciona no “caminho do meio” no debate sobre o conceito de desenvolvimento. O que isso significa?

José Eli da Veiga: Há quem considere crescimento e desenvolvimento a mesma coisa. E há os que acham que o desenvolvimento é uma ilusão, e estão organizados no pós-desenvolvimento. No fundo, eles são contra o progresso. O caminho do meio é o dos autores que não aceitam esses extremos, como Celso Furtado, Amartya Sen [Prêmio Nobel de Economia] e Ignacy Sachs [economista francês].

Valor: Por que é hegemônica a identificação entre crescimento e desenvolvimento?

Veiga: Esse debate começou no fim dos anos 50 e início da década de 60, assim que apareceram sinais de países que cresciam muito, mas não apresentavam sinais de desenvolvimento. A desigualdade aumentava, a pobreza não diminuía e as pessoas continuavam em grande parte analfabetas. O resultado prático desse debate foi o lançamento pela ONU, no começo dos anos 90, dos Relatórios de Desenvolvimento Humano e do IDH. O problema é que os economistas convencionais, que continuam dominando a cena, acham que a ciência econômica não tem nada a ver com as variáveis do IDH. Para eles, economista precisa saber como fazer para crescer. Outra visão é dizer que seria preciso saber qual é o avanço educacional, cultural e em saúde, e até se a sociedade tem liberdade e democracia, para indicar se está se desenvolvendo, independentemente da questão do crescimento.

Valor: O senhor aponta exemplos de países asiáticos que melhoraram seus indicadores de saúde e educação, apesar de terem passado por longos períodos de crescimento quase zero. Como isso foi possível?

Veiga: Por causa da intervenção pública. É o caso do Estado de Kerala, na Índia, e do Sri Lanka. No entanto, isso não chega a ser suficiente para se afirmar que o crescimento seria dispensável.

Valor: Crescer rápido ajuda um país a se desenvolver ou atrapalha?

Veiga: Crescer a essas taxas da Índia e da China sem olhar para outras coisas é uma loucura. Dou risada quando vejo as pessoas escrevendo nos jornais que têm inveja da China. Prefiro o Brasil como está, crescendo pouco, mas melhorando o IDH e outras coisas, como a questão alimentar, do que um crescimento como o chinês, que com certeza vai dar em guerra. O problema é que a equação energética na China não fecha. No momento, eles estão usando e abusando do carvão. E tem uma mortalidade por acidentes de trabalho nas minas de carvão que é uma coisa só comparável ao que ocorria na Revolução Industrial. Mas o problema mais sério é que eles não têm como garantir energia para esse crescimento. Os EUA, mesmo sendo uma democracia, nunca hesitaram em fazer guerra quando houve ameaças a seu suprimento de petróleo.

Valor: Como recebeu a declaração do presidente Lula a “The Economist”, de que prefere que o Brasil tenha crescimento duradouro, de 4% a 5%, em vez de 10% a 15%?

Veiga: Fiquei espantado que tanta gente tenha malhado a frase dele, que é uma das coisas mais lúcidas que Lula já disse. Se os políticos lerem o que está lá, provavelmente o debate destas eleições vai ser interessante. Não quer dizer que eu concorde com tudo o que ele disse.

Valor: Quando um país cresce aceleradamente, o meio ambiente sofre muito, como está acontecendo na China. Sob esse aspecto, seria melhor um crescimento mais lento?

Veiga: Começo meu livro dizendo que nenhum médico se deixa enganar ao olhar para dois garotos, um com aumento de gordura e o outro com crescimento de sua massa muscular. Sobre o primeiro, ele pode dizer que estará perdido no futuro, se continuar só ganhando tecido gorduroso. O segundo, a princípio deverá ser uma pessoa saudável. Precisamos fazer a mesma coisa com um país, olhando de onde estão vindo as taxas de crescimento. Certos países tiveram altas taxas, como a Indonésia, acabando com todas as florestas. Não quero que o Brasil cresça 10% do jeito que a China está crescendo.

Valor: O senhor mostra que mesmo a economia convencional tem gerado instrumentos de atenuação dos impactos ambientais dentro da lógica de mercado. No entanto, o senhor se mostra cético diante do afã em se precificar bens da natureza.

Veiga: Não acho que devemos concluir que a melhor maneira de cuidar do problema ambiental seria colocar preço em tudo, como os economistas convencionais estão pensando. Como podemos atribuir um preço para o buraco da camada de ozônio, por exemplo? Como precificar o aquecimento global? Alguns mercados podem até surgir e mitigar alguns problemas ambientais. Mas é absurdo imaginar que todos os problemas ecológicos possam ser resolvidos dando preço a tudo.

Valor: Há ecologistas que criticam o uso de instrumentos de mercado nas políticas ambientais. Mas um dos principais meios de execução do Protocolo de Kyoto é o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), instrumento de mercado. Essa seria uma contribuição positiva dos economistas convencionais?

Veiga: Conto no livro como se deu a regulamentação da troca de direitos de poluir nos EUA, que levou anos para acontecer, por causa de um impasse entre ecologistas e empresas e disputas regionais. Chegou-se a um acordo, ao se garantir que o total dos direitos diminuiria com o tempo. Foi uma maneira inteligente de resolver o problema. Não adianta se entrincheirar numa das duas posições extremas diante da questão, a de que o mercado resolve tudo ou a de que é diabólico.

Valor: Por que ainda não temos indicadores ambientais com credibilidade similar à do IDH?

Veiga: Fazer índice é a coisa mais fácil do mundo, pois bancos de dados não faltam. Mas uma coisa é selecionar dados, fazer ponderações e criar um índice. Outra coisa é esse índice emplacar e se legitimar. E o IDH indubitavelmente emplacou, por uma série de razões, como a de ter sido aprovado pela ONU e por abranger quase todos os países. No caso dos indicadores ambientais, a coisa se complica mais, pois não há séries estatísticas longas, como no caso dos dados sobre educação e saúde utilizados pelo IDH. Não há no Brasil, por exemplo, um indicador de erosão.

Valor: Como o senhor avalia a presença dos economistas no debate sobre o desenvolvimento sustentável no Brasil?

Veiga: Os economistas brasileiros continuam achando que a questão ambiental é perfumaria. Isso porque o debate brasileiro tem um atraso de no mínimo 15 anos. Os economistas brasileiros ainda não incorporaram em suas análises os Relatórios do Desenvolvimento Humano da ONU e continuam raciocinando o tempo todo em termos de PIB per capita. E muito menos incorporaram a questão ambiental, mesmo que falem de desenvolvimento sustentável. No início da década de 1990, o lançamento do IDH, o surgimento do movimento do pós-desenvolvimento e a Rio-92 indicaram a necessidade de criação de um neodesenvolvimentismo. Seria ser desenvolvimentista sem ignorar que o desenvolvimento deve ser aferido pelo menos por um índice como o IDH, com todas as limitações que possa ter, e pensar no desenvolvimento sustentável, aplicando os indicadores de sustentabilidade ambiental já disponíveis.

Fonte: Valor Econômica

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