Saúde

Medicina não é comércio

Em tempos de sucateamento do serviço de saúde pública, muitas famílias de baixa renda optam por ser atendidas em pequenas clínicas populares

Em tempos de sucateamento do serviço de saúde pública, muitas famílias de baixa renda optam por ser atendidas em pequenas clínicas populares. Isto para fugir do mau atendimento e principalmente da fila de espera que, invariavelmente, se formam nas unidades de saúde com atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto o Sindicato dos Médicos alerta que a maioria destas clínicas oferece serviço de baixa qualidade. O Conselho Regional de Medicina do Estado do Pará vê com preocupação e cautela a atividade das chamadas clínicas populares.

Na avenida Pedro Miranda, na Pedreira, há um exemplo curioso. Em frente à Unidade Básica de Saúde do bairro. Durante as manhãs se forma uma fila de pessoas que querem consultas com pediatra, dermatologista, ortopedista, traumatologista, clínico geral e de ultra-sonografia.

As consultas são por ordem de chegada e custam R$ 20 e a ultra-sonografia, entre R$ 15 e R$ 25.

Fonte: Portal CRM

Os proprietários da clínica são os médicos Lurdes Viana e Roberto Xerfan. Ele explica que o preço popular das consultas tem o objetivo de servir aos necessitados. ‘É bom servir, deve haver reciprocidade entre nosso trabalho e o pagamento’, diz. Mesmo assim ele garante que dá para viver bem e pagar seus 12 funcionários sempre em dia. ‘Quando a galinha vai comer um prato de milho, ela entorna tudo de uma vez? Meu trabalho também é assim, de pouco em pouco’, explica, de forma bem-humorada.

Esta clínica existe há 32 anos. Para Roberto Xerfan, a existência da unidade nunca alterou seu lucro; ele sempre torceu para que a unidade funcionasse bem. Hoje, Roberto trabalha também no posto de saúde da Pedreira. ‘Trato o paciente da mesma forma nos dois locais. Nunca indiquei minha clínica para os pacientes do posto de saúde’, garante.

O lucro de Roberto Xerfan não está maior porque ele não oferece mais os serviços de cirurgias, que havia na sua clínica. ‘O povo está sem dinheiro’, diz.

O presidente do Conselho Regional de Medicina, José Antonio Cordero lembra que o Código de Ética Médica prevê que o médico deve cobrar um preço justo pelo seu serviço e muitos médicos consideram que R$ 20 por consulta é um preço antiético, por estar abaixo dos R$ 35 estabelecidos pela Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM). Entretanto Cordero explica que esta tabela, criada pelo Conselho Federal de Medicina, se aplica apenas para o sistema suplementar de saúde, isto é, para planos de saúde.

Se uma clínica cobra menos que os R$ 35 estabelecidos pela CBHPM, ela pode ser denunciada para o CRM, entretanto essa denúncia dificilmente terá efeito prático. ‘Nós recomendamos que os médicos adotem a CBHPM. Em caso de denúncia, chamamos o colega e tentamos conversar’, diz Cordero. ‘O problema é que normalmente o médico diz que dá consultas para um centro comunitário ou filantrópico. O que eu posso fazer? Não posso tolher o médico de trabalhar. Não há lei nem norma que estabeleça preço mínimo de consulta’, afirma.

Cordero afirma que os baixos preços das clínicas populares não causam desequilíbrio de mercado, pois a clientela normalmente é da periferia. ‘Essa é a realidade brasileira, só existe clínica popular porque o serviço do SUS é ruim. Eu não posso ficar fechando tudo que é popular dizendo que não presta, só porque cobra barato. E o SUS, que paga R$ 2,50 por consulta?’, questiona.

O presidente do CRM diz que não pode afirmar se é seguro se consultar em clínicas populares, mas ele diz que nunca o conselho recebeu queixa de tais clínicas. ‘Nunca ouvi queixa de que os médicos tratem mal sua população. Mas eles devem rever sua postura’, fala. Cordero diz que a população deve apenas se certificar de que o médico é registrado no CRM, pelo telefone 3204-4000. Em caso de denúncia, também pelo mesmo número.

SUS tem reclamação

O paciente da clínica, professor de kung fu Bertino Freitas, explicou porque escolheu pagar para fazer um check-up. ‘Aqui a gente paga e faz. Tentei fazer exame de rotina na unidade (da Pedreira), mas não consegui. O médico nunca está, deve ser ressaca do carnaval’, ironiza. ‘A gente entra com uma enfermidade e acaba saindo com duas: também com dor de cabeça’, diz. Já Daniele Praxedes estava na mesma clínica, ainda indignada pelo que havia passado na unidade da Pedreira. ‘Eu estava passando mal, para ser atendida na emergência, às 11 horas. Me disseram para passar lá às 15 horas. Voltei, mas me mandaram retornar outro dia’, conta. ‘Deixar alguém em estado grave no posto de saúde é entregar à morte’, diz.

A diretora da UBS da Pedreira, Ivone Ferreira, garante que o atendimento na unidade é bom. ‘A gente faz de tudo para atender bem’, diz. Mas Ivone admite que há demora no atendimento. ‘O problema é que a demanda é muito grande e um médico adoeceu na semana passada. Aí a espera fica grande’, conta.

Há várias opções

No bairro da Pedreira há outra clínica, também bastante procurada, embora o preço seja um pouco maior, R$ 25. João Augusto Mesquita, morador da Pedreira, conseguiu consulta para sua filha na unidade de saúde de seu bairro, mas não ficou satisfeito com o resultado. ‘O médico tratou mal, nem olhou direito e logo despachou. O remédio que ele passou só fez piorar minha filha’, conta. Resolveu ir à clínica porque tem boas referências e o preço é acessível para ele.

Em São Brás há outra alternativa para quem não quer enfrentar as unidades de saúde. A clínica, depois de funcionar oito anos apenas como laboratório, há quatro anos passou a receber também nove médicos que fazem consulta, em áreas como clínica geral, pediatria, cardiologia, obstetrícia, ortopedia e medicina preventiva, por exemplo. ‘Muita gente não tem como pagar as clínicas grandes e nem quer se sujeitar ao serviço público’, explica o administrador do laboratório, Arimatéia Mira.

ONG atende bem

Ciente da dificuldade de famílias carentes receberem atendimento de qualidade, o endocrinologista Francisco Pedrosa Gomes resolveu ajudar. Não com atendimentos de baixo custo, mas sim gratuitos. Ele fundou a ONG Casa do Diabético, que fica na Mauriti, entre 25 de Setembro e Duque de Caxias. Lá, ele atende quase 100 novos pacientes por semanas. Há pessoas que vêm de longe, como de Castanhal, para receber o atendimento, oferecido às quartas e sextas-feiras.

O doutor Francisco conta com ajuda de outros profissionais, como de psicólogo, cardiologista, dentista, cirurgião vascular, e nutricionista, todos dando consulta gratuita. Segundo cálculos de Francisco, o custo médio mensal de um diabético que se trata com plano particular é entre R$ 200 e R$ 250. Com ajuda da Casa do Diabético, o custo fica menos que R$ 50 por mês, para a compra de remédios. ‘Alguns laboratórios doam medicamentos, o que já ajuda’, diz.

Vistorias são feitas

Maria do Socorro Barbosa, coordenadora da divisão de fiscalização do exercício profissional do Departamento de Vigilância Sanitária (Devisa), da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), afirma que há poucas denúncias de clínicas populares. Não porque o atendimento seja bom, mas provavelmente por falta de informação da população. Em hospitais maiores, conta Maria do Socorro, o público é mais bem informado e denuncia mais. ‘Precisamos justamente desse apoio da população, em denunciar o que estiver errado’, apela.

A coordenadora conta que a maioria das clínicas – populares ou não – funciona de forma inadequada. Anualmente todos os estabelecimentos médicos recebem visitas da Devisa e a maioria precisa fazer ajustes na sua estrutura. ‘Neste início de ano estamos vistoriando primeiro os hospitais grandes. São mais de 60’, conta.

Ela diz que deve se saber se as clínicas têm o licenciamento em dia da Devisa, independentemente de serem populares ou não. Os telefones da Devisa para denúncia são: 3242-7029 e 3242-6927.

Sindicato faz alerta

A boa vontade dos donos de clínicas populares é reconhecida pelo diretor do Sindicato dos Médicos, João Fonseca Gouvêa, mas ao mesmo tempo é condenada. ‘O sindicato considera antiético que um médico cobre valor menor do que o da CBHPM’, afirma. ‘Além disso, com preço menor que este é impossível dar serviço de qualidade. Com certeza há problemas de infra-estrutura na clínica’, diz. Para Gouvêa, os baixos preços das clínicas populares são exemplos concretos do ‘barato que sai caro’, e ainda fazem concorrência desleal com outras clínicas, que acabam fechando. ‘Em vez de pagar um preço desses, é melhor ir à igreja pedir uma oração’, ironiza.

João Fonseca afirma que o sindicato estimula os pacientes a se tratarem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou por planos de saúde. ‘Por isso a gente briga por um serviço de qualidade no SUS’, observa. Além disso, Fonseca diz que o CRM deveria fiscalizar e tomar atitudes mais enérgicas contra tais clínicas.

COMPARTILHE

Bombando em Saúde

1

Saúde

Hospital de Trauma realiza primeira cirurgia de estimulação cerebral profunda em Campina Grande

2

Saúde

Pesquisa revela que gastos com saúde mental desorganizam finanças de 34% das famílias nordestinas

3

Saúde

Justiça decide que plano de saúde deve pagar medicamento com canabidiol para adolescente com autismo na Paraíba

4

Saúde

Prefeitura de João Pessoa libera novas emendas cidadãs para o Hospital Napoleão Laureano

5

Saúde

Falta de sono pode provocar tristeza, descontrole e falta de motivação e ser confundida com depressão