Cotidiano

Educação não é luxo

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O jornalista Gilberto Dimenstein, 50 anos, é uma figura polêmica. Membro do Conselho Editorial da Folha de São Paulo e criador da ONG (Organização Não-Governamental) Cidade Escola Aprendiz, ele é responsável por diversos projetos sociais envolvendo a área de Educação.

Além de jornalista, Dimenstein é escritor, premiado com dois prêmios Jabuti, o maior da literatura brasileira. Recentemente esteve em Ribeirão para o lançamento de seu último livro, “O mistério das bolas de gude”, onde conta a saga de personagens de diversas origens que têm em comum o desejo de criar alternativas à desesperança vivida pelos que se encontram em situação de risco. Ele concedeu entrevista ao jornal A CIDADE depois da sessão de autógrafos.

Durante a conversa, declarou que o Brasil deveria começar a “pensar grande” se quiser ser incluído entre as grandes nações deste século. “Acho que sofremos por não pensar grande. O que penso que falta ao Brasil é a preocupação de pensar no longo prazo, planejando o futuro, e também ser generoso. Aqui o esperto é o rei, o generoso é o babaca”, avalia. Confira os principais pontos da entrevista.

O senhor está lançando um livro em que aborda a relação entre a educação e a criminalidade. Falando sobre isso, como mudar as condições sociais que levam à violência?

Como não sou candidato, nem político, e também não o pretendo ser, tenho que admitir que uma resposta como essa levaria muito tempo para ser dada, se é que eu poderia respondê-la. Acho que tenho uma pequena parte dessa resposta apenas.

Penso que existem coisas óbvias, como o policiamento e um combate maior ao crime, mas eu enfoquei, em meu livro, sobretudo a questão da Educação. Não só a Educação em escola, que tendemos a tomar como a única, mas sim o conhecimento utilizado para estimular nas crianças o sentido de pertencimento, de que ele participa de uma comunidade, pode apostar em seu futuro e reconhecer o seu passado. Uma pessoa que não tem esse senso pode aproximar-se com muito mais facilidade das drogas e está muito mais predisposta à utilização da violência, porque não tem nada a perder. Penso que este é o segredo.

O senhor trabalha com intensidade em projetos envolvendo a Educação. O que o senhor pensa sobre a Febem?

A Febem tem experiências maravilhosas, que acontecem em cidades do interior, em unidades pequenas, onde os jovens estão perto de suas famílias. O grosso da Febem que tenho visto é isso. O grande problema da instituição é quando se opta por colocar um grande número de internos juntos, em unidades que não têm nada a ver com a localidade natal deles.

Estive conversando com o então governador Geraldo Alckmin e comentei: governador, imagine o senhor colocando três mil monges tibetanos na unidade do Tatuapé da Febem. Faça uma aposta comigo: em quanto tempo eles estarão se matando?

Se monges não suportam o convívio em grandes grupos, imagina um jovem, sem fazer nada. Eles vão realmente se matar. O que funciona são pequenos lugares onde ele se reconhece e reencaixa em uma família. Se quiser não funcionar, mantém-se o padrão de grandes unidades. A Febem tem um ótimo futuro, mas precisa rediscutir o modelo.

O senhor considera que a mídia não cobre adequadamente as questões relativas à Educação?

Ela cobre, mas cobre mal. Digamos que a mídia não cobre Educação com a mesma competência e profundidade que cobre Política, Economia ou Esportes, por exemplo.

Tenho a certeza, entretanto, que ao passo em que as pessoas passarem a perceber a importância da Educação para viabilizar política, econômica e socialmente uma nação, as empresas passarão a qualificar melhor os seus repórteres e editores para que realizem uma cobertura à altura da importância do assunto.

E sobre a sociedade, qual seria o papel dela para melhorar o desenvolvimento social do país?

Na verdade, o que é público não é só o que é do governo. Público é tudo. Se quisermos fazer uma nação realmente transparente e democrática, as pessoas devem sentir-se como pessoas públicas, e não simplesmente deixar nas mãos das outras pessoas a responsabilidade pela sua vida. Penso que, quando chegarmos a esse estágio, haverá um grande salto no desenvolvimento social do Brasil. Veja bem, para a população em geral um remédio muda a vida muito mais do que um projeto de Lei. Os novos remédios contra o câncer, o Viagra, as descobertas sobre o coração, influem muito mais no dia-a-dia das pessoas do que o orçamento inteiro no Ministério da Educação. Essa é uma realidade. O que precisamos é entender – e esse é o segredo, quando todos entendermos – que a socialização dos avanços tecnológicos e médicos só será possível quando todos “colocarem a mão na massa’. E para isso é preciso participação.

Notamos, cada vez mais, mão de obra com formação universitária fora do mercado de trabalho. Existem falhas no processo educativo brasileiro?

É uma boa pergunta, e lamento informar que vai ser cada vez pior. Muito do que se ensina nos bancos escolares não tem nada a ver com a realidade e, às vezes, as pessoas que ensinam na faculdade não têm sequer relação com o mercado de trabalho. Os currículos são montados não para desenvolver habilidades, mas para fazer provas. Um exemplo: se eu colocasse um quadro negro aqui e mostrasse a tabela periódica, e pedisse para qualquer um preenchê-la, pagando US 1 milhão para quem conseguisse, aposto que ninguém conseguiria.

Quando vejo os testes de Biologia da Fuvest, tenho a certeza que, hoje, não sou capaz de responder sequer um deles. E não me sinto uma pessoa fracassada. O que acontece é que o vestibular não é feito para medir conhecimento, e muito do que é ensinado nas escolas não tem relação com o aprendizado.

Os americanos fizeram um teste e concluíram que as pessoas utilizam somente cerca de 10% do que aprenderam na escola durante toda suas vidas.

Por outro lado, o conhecimento muda em um prazo tão curto que existe uma dificuldade imensa de reciclagem profissional, que é uma exigência cada vez maior do mercado. Assim, mesmo com uma boa formação, um bom profissional pode ficar à margem do mercado.

Qual o grande problema, em sua opinião, da escola hoje?

São vários problemas, mas o que mais me preocupa é a questão do método. As aulas de 45 minutos, por exemplo. Como foram determinadas? Elas não nasceram assim. O tempo foi definido após um estudo técnico que determinou que o jovem é capaz de manter a atenção em um assunto por 45 minutos, depois dispersa.

Refizeram o teste no final dos anos 90, e concluíram que a capacidade de concentração do jovem baixou para oito minutos. Então, veja o problema de estrutura: as aulas têm a duração de 45 minutos, mas os jovens só conseguem manter a atenção por oito. O aluno está acostumado ao mundo dos video games, internet, interatividade, mas a aula é um professor falando com a criança sobre temas que ela não sabe sequer como utilizar. Falta, a meu ver, uma adaptação maior da sala de aula, e do espaço escolar como um todo, a uma nova realidade. A escola não conseguiu reciclar-se, e nem a faculdade.

Então o senhor vê os mesmos problemas na faculdade?

Sim, sem dúvida. Vou utilizar o jornalismo como exemplo porque tenho contato muito mais estreito com as faculdades e com a realidade desta área. Visito freqüentemente faculdades que não têm um único profissional que tenha trabalhado em redação nos últimos cinco anos. Esse profissional vai ensinar o que? As universidades precisam inserir os jovens rapidamente em estágios, em trabalhos comunitários, para que o estudante comece a lidar com a realidade. Os problemas observados na educação são, sem dúvidas, muito similares aos que encontramos nas universidades.

Segundo o filósofo Richard Rorty, um dos maiores problemas do ocidente é o fato de que nos acostumamos a pensar pequeno. Faça uma análise sobre essa máxima aplicada ao dia-a-dia da Nação brasileira.

Acho que sofremos por não pensar grande. O americano, por exemplo, é um povo que pensa grande, por mais que possamos não gostar deles. A Nação americana foi fundada tendo como base o conceito de liberdade e, quando analisamos os textos dos fundadores americanos, já está lá, expressa em palavras, a preocupação com a Educação. Quando eles fundavam cidades, primeiro construíam a escola, depois a igreja. O que penso que falta ao Brasil é a preocupação de imaginar o longo prazo, planejando o futuro, e também ser generoso. Aqui o esperto é o rei, o generoso é o babaca.

Na verdade, temos que pensar grande, mas também pensarmos profundamente pequeno. Temos que saber o que cada um de nós pode, pensando grande, fazer para modificar cada pequeno espaço individual. A grande revolução brasileira hoje, pensando grande, é a revolução das microrrevoluções. É como uma cidade se melhora, como um bairro se melhora, como uma escola pública se melhora. O pensar grande, para mim, é querer mudar o país, mas preocupado primeiro em mudar o entorno de onde vivemos.

Entrando um pouco na questão política, faça um contraponto entre o governo Lula e o as duas últimas presidências tucanas.

Lula tem pontos positivos imensos. Hoje somos um país com a inflação estabilizada, com mais recursos chegando aos mais pobres, com altas taxas de exportação e próximos a atingir a suficiência energética. Claro que esse cenário não é mérito exclusivo do Lula, mas o país não está uma tragédia. Estamos preparados para crescer, embora tenhamos uma situação fiscal difícil. Simultaneamente, pesam contra Lula graves acusações no campo da moralidade mas, mais uma vez, volto a frisar, não é uma questão da decadência do país. Penso que somos um país cada vez mais atento, com mais poder de saber o que é certo e o que é errado, com mais condições democráticas para que desvios como os observados no governo Lula possam ser investigados.

De resto, também houve irregularidades nos governos FHC, como é sabido, mas ele teve mais competência política para contorná-los.

Podemos afirmar que as instituições democráticas saem fortalecidas da crise ética do PT?

Nossas instituições estão muito mais avançadas do que no começo da abertura política, por exemplo. O Palocci, o grande homem da economia, caiu e a percepção internacional sobre o Brasil não foi sequer modificada. Se fosse em qualquer outro tempo, com certeza teríamos fugas de capital e uma grave crise institucional. Mesmo a questão entre Lula e Alckmin, sobre a sucessão presidencial, não desperta grandes temores: o mercado está tranqüilo porque sabe que, independente do nome, o Brasil é um país sério e que funciona à margem de seus governantes. A estrutura, o mercado sabe, não será modificada.

Esse avanço nas instituições pode ser interpretado como uma melhora real no nível de educação do povo?

Ainda estamos muito longe de uma melhora concreta, mas penso que esse é o caminho. Está aumentando o número de pessoas na escola, a democratização nos meios de comunicação é notável e, arrisco dizer, existe uma conscientização da sociedade para a importância da Educação. Tudo isso junto está fazendo com que ocorra uma melhora substancial no nível de Educação e no olhar que as pessoas têm sobre o assunto. Mas, como todos sabemos, é um caminho muito longo, e estamos somente no começo da estrada.

O que o senhor pensa sobre o programa espacial brasileiro e a recente ida do astronauta Marcos Pontes ao espaço?

Espero que o mundo não desabe em cima de mim, mas eu acho essa viagem do astronauta de um provincianismo imenso. O primeiro astronauta a ir para o espaço foi um russo, na década de 1950. No Brasil, em 2006, as pessoas ficaram orgulhosas do fato, mas eu, pessoalmente, fiquei muito diminuído. Ficaria muito mais orgulhoso se os U$ 10 milhões fossem investidos para fazer uma escola pública modelo, que ninguém ainda tenha feito e que funcione na prática, mesmo que fosse somente uma. Tem algumas coisas no Brasil que nos remetem a um país atrasado, e essa é uma delas. Estou convencido que o dinheiro poderia ser utilizado em alguma coisa mais útil.

Voltando à política, o senhor citou Palocci. Qual é sua avaliação sobre o ministro?

Com todos os problemas que o Palocci tenha enfrentado, ele é um individuo que, bem ou mau, soube manter a economia estável e dar um norte para o país. Se cometeu um crime, terá que ser punido, e já está sendo, mas ele conseguiu garantir uma estabilidade ao país. Mesmo em sua saída, que não assustou os mercados, foi um indicador de que ele fez um bom trabalho, pelo menos no que se restringe às questões técnicas de sua pasta.

Finalizando, o caminho continua sendo a Educação?

Sempre foi, e continuará sendo. Só podemos começar a pensar em mudar de foco quando a Educação for uma realidade concreta na vida de todos os brasileiros, e não de uma elite cada vez menor e menos preparada.

Temos o exemplo da Coréia. Em duas ou três décadas de investimentos maciços em Educação, conseguiram um crescimento invejável do PIB (Produto Interno Bruto) e na qualidade de vida de seus cidadãos. Investir em Educação não é um luxo, nem uma situação que deva ser analisada em qualquer contexto. É uma obrigação para os países que realmente querem crescer.

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