Paraíba

Aos 81 anos, Elizabeth Teixeira, a viúva de “Cabra Marcado para Morrer

“Cabra Marcado para Morrer” (119 min, 1964/84) é considerado o melhor e mais importante filme documentário já realizado no Brasil

“Cabra Marcado para Morrer” (119 min, 1964/84) é considerado o melhor e mais importante filme documentário já realizado no Brasil. Em 2000, quando o país comemorava os 500 anos de seu descobrimento, o festival de documentários “É Tudo Verdade” pediu a 40 especialistas, entre cineastas e críticos, que escolhessem os dez títulos documentais mais importantes do cinema brasileiro. O filme de Eduardo Coutinho, lançado em 1984, foi o mais votado da lista, com quase o dobro de indicações obtidas por “Di”, de Glauber Rocha, o segundo colocado.

Ele conta uma história que tem início na década de sessenta, quando um líder camponês, João Pedro Teixeira, é assassinado por ordem dos latifundiários do Nordeste. Sapé, Paraíba. As filmagens de sua vida, interpretada pelos próprios camponeses, foram interrompidas pelo golpe militar de 1964. Dezessete anos depois o documentarista Eduardo Coutinho, idealizador e diretor do filme, retoma o projeto e procura a viúva Elizabeth Teixeira e seus dez filhos, dispersados pela onda de repressão que se seguiu ao episódio do assassinato.

Eram onze filhos, a mais velha cometeu suicídio logo após a morte do pai, quando Elizabeth foi presa, pela primeira vez. O tema principal do filme passa a ser a trajetória de cada um dos personagens que, por meio de lembranças e imagens do passado, evocam o drama de uma família de camponeses durante os longos anos do regime militar.

O encontro – Um Encontro histórico reuniu a líder camponesa Elizabeth Altina Teixeira e o deputado Francisco de Assis Lemos em debate na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), na noite da última terça-feira (18). Aconteceu durante o debate “A luta pela terra e a violência no campo”, promovido pelo Departamento de História da UFPB, com a participação dos alunos do Curso de Licenciatura Plena pelos Movimentos Sociais do Campo (MSC). O Centro Acadêmico (CA) de História e a ADUFPB, Sindicato dos Docentes da UFPB, também participaram da organização do evento.

Encontro que reuniu a líder camponesa Elizabeth Teixeira, 44 anos depois da morte do seu marido e 22 do lançamento do filme, e o advogado e deputado cassado pelo regime militar, em 1964, Assis Lemos. O encontro aconteceu no auditório 412 do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes (CCHLA), às 19 horas. Auditório lotado para ouvir dois dos nomes mais importantes das lutas sociais na Paraíba, antes do Golpe de 1964.

Ela, apesar dos 81 anos bem vividos, e marcado pela luta e por tragédias pessoais, ainda desfruta de lucidez suficiente para contar a sua história, e continuar defendendo o homem do campo. Ele, que era deputado estadual pela Paraíba, quando foi cassado, exatamente há 42 anos. Em abril de 64, e que foi obrigado a mudar-se para Londrina (PR), onde reconstruiu sua vida e tornou-se professor.

Os dois, além de contarem suas histórias de vida para uma platéia atenta, dividiram as mesmas idéias, quando defenderam a luta do homem do campo como uma necessidade de toda a sociedade. Ambos acreditam que criar condições para que o homem possa viver com dignidade no campo, é também uma das maneiras de resolver os problemas enfrentados pela população dos grandes centros urbanos, que costuma absorver exatamente essa população carente que busca as cidades à procura de uma vida melhor.

Uma emoção – O testemunho de Elizabeth ganha força de atualidade, diante das estatísticas sobre mortes no Brasil em decorrência de conflitos fundiários: 1.500 nos últimos anos, segundo a Comissão Pastoral da Terra, 39 delas em 2005. Fala das dificuldades em criar os filhos sozinha, sem o apoio da família que nunca aceitou seu casamento. Da dor de ver dois filhos assassinados, e o suicídio da filha. Relembra em detalhes o dia da morte do marido e conta o que mudou depois desse acontecimento. Falou da esperança de ainda ver o trabalhador do campo ganhar sua terra. No seu entender, “A reforma agrária ainda não foi implantada em nosso País”. Mas ela é uma mulher de esperanças, marcada para lutar.

Que revela sentir uma tristeza quando acontece qualquer violência com o homem do campo. Por conta de João Pedro. “Porque João Pedro é uma personalidade que só queria o melhor para a classe trabalhadora, do campo, lutando, e é assassinado em emboscada, barbaramente”, completa Elizabeth, que acrescenta, “até hoje eu vejo essa violência com o homem do campo e me sinto muito triste, o homem do campo luta por melhores condições de sobrevivência”

Segue dizendo que “João Pedro era uma pessoa que lutava dia e noite para que o homem do campo tivesse condições de viver com seus filhos, não ver seus filhos morrer de fome. E por essa razão ele fundou a Liga Camponesa, na cidade de Sapé (PB). Como tinha muitos pais de família naqueles engenhos vendo seus filhos morrer de fome, a luta de João Pedro era para que o homem do campo não visse seu filhos morrer de fome e tivesse condição de colocá-los numa escola, para que fossem alfabetizados”.

Continua contando que seu marido sabia que ia morrer, e sempre lhe pedia para assumir a sua luta, mas que ela nunca respondia. Foi no seu leito de morte, ao pegar sua mão ainda ensangüentada, que ela lhe teria respondido. Iria continuar sua luta sim.Elizabeth impressiona pela sua simplicidade e segurança. Ouviu atentamente o discurso do seu companheiro de luta, Assis Lemos, mas na sua hora de falar, pegou o microfone e fez questão de ficar em pé. Nessa posição, com voz e postura firme, narrou sua história e defendeu suas posições.

O exílio – Elizabeth sofreu um exílio interno no interior do Rio Grande do Norte, exatamente os anos de interrupção do filme. Mudou de nome e, acompanhada por um de seus 11 filhos, reiniciou uma nova vida. Os outros filhos foram distribuídos por parentes e ficaram 17 anos sem ter notícia da mãe. O filho que lhe acompanhava, a família não aceitou cuidar. Era muito parecido com o pai. Com a anistia política retoma sua vida. Ela afirma que foi ‘resgatada’ pelo cineasta Eduardo Coutinho, que havia lhe deixado um número de telefone para que ela o procurasse, quando pudesse. Foi exatamente o que ela fez.

A luta – Elizabeth e Assis Lemos, juntos no debate que falava sobre A luta pela terra e a violência no campo”, por alguns momentos parecem pertence à um tempo muito distante. Onde a luta pela terra era apenas uma questão de sobrevivência. Uma luta que ainda não estava permeada pelos vícios da política. Uma época quase romântica, onde a luta era de classes. Assis lembra que era proibido envolver política , religião, ou qualquer outro assunto na luta camponesa. E recorda que essa palavra foi abolida nos anos de ditadura, a imprensa proibida de utiliza-la. Por isso o movimento ressurgiu com outro nome, MST, Movimento dos Sem-Terra.

Os dias atuais – Hoje, Elizabeth mora em João Pessoa, em Cruz das Armas, na casa comprada com o dinheiro do filme que fez com Eduardo Coutinho. Sobrevive com o apoio dos filhos e com a pensão concedida pela Comissão de Anistia. Não tem mais condições de acompanhar a luta no campo, mas cumpre o seu papel, contando a sua história e orientando todos que lhe procuram. Como exemplo, a história de luta do seu marido, que se confunde com a sua.

Na cena final de “Cabra Marcado Para Morrer”, quando se despede de Eduardo Coutinho, Elizabeth fala:

– A luta que não pára. A mesma necessidade de 64 está plantada, ela não fugiu um milímetro, a mesma necessidade do operário, do homem do campo, a luta que não pode parar. Enquanto existir fome e salário de miséria o povo tem que lutar. Quem é que não luta? É preciso mudar o regime, enquanto tiver este regime, esta democracia, (…) democracia sem liberdade? Democracia com salário de miséria e de fome? Democracia com o filho do operário sem direito de estudar, sem ter condição de estudar?

Elizabeth Teixeira, educadora, mulher da reforma agrária, mulher da Liga Camponesa de Sapé, que continua achando que a reforma agrária no Brasil ainda precisa “ser realizada”, apesar de oficialmente ter começado em 13 de março de 1964, no Governo de João Goulart.

Um pouco da história de João Pedro – João Pedro Teixeira nasceu em 4 de março de 1918, em Pilõesinhos, naquele tempo um distrito do município de Guarabira (PB). É filho de um pequeno produtor do mesmo nome – João Pedro Teixeira – e Maria Francisca da Conceição do Nascimento. Sua revolta contra o modo de trabalho imposto aos camponeses começou com os ensinamentos de seu pai, que se envolveu em um conflito na propriedade, da qual era arrendatário. Não aceitou que o proprietário quisesse se apossar de uma parte das terras. A disputa começou na época em que nasceu o futuro líder das Ligas Camponesas, e durou seis anos. A tensão era muito grande, que num forró, dois filhos do dono com mais dois capangas provocaram uma briga. Para não morrer, João Pedro, pai, acabou matando os dois. Fugiu e nunca mais foi visto. Esta dor o filho carregou por toda a vida.

A mãe mudou-se para Guarabira e depois para Sapé. Levou a filha, mas João Pedro foi entregue aos avós. Quando o avô morreu, um irmão do pai terminou criando João Pedro Teixeira, em Massangana, Cruz do Espírito Santo. João Pedro aprendeu trabalhar na roça, mas quando completou 18 anos foi trabalhar na pedreira perto de Café do Vento. Foi quando conheceu Elisabeth, com quem se casou em 26 de julho de 1942, tendo que fugir, pois os pais eram contra. Elisabeth tinha 17 anos de idade, e era a mais velha dos nove filhos de Manoel Justino da Costa e de Altina Maria da Costa.

Em 1955, aconteceu o primeiro Encontro dos Camponeses de Sapé, na casa de João Pedro, com a presença de outros líderes como Nego Fuba (João Alfredo Dias) e Pedro Fazendeiro (Pedro Inácio de Araújo) – os dois primeiros desaparecidos políticos do Regime Militar de1964. No dia 02 de abril de 1962, há 44 anos, o líder camponês João Pedro Teixeira foi assassinado.

Lilla Ferreira
ClickPB

COMPARTILHE

Bombando em Paraíba

1

Paraíba

Cabo Gilberto e demais parlamentares desembarcam nos Estados Unidos para posse de Donald Trump

2

Paraíba

Som na Calçadinha do Mag Shopping reúne mais de 3 mil pessoas

3

Paraíba

Laudo aponta que fezes encontradas em praias de Cabedelo são de tartarugas

4

Paraíba

Matrículas para novatos nas escolas municipais de Campina Grande começam na próxima segunda-feira

5

Paraíba

João Pessoa e Cabedelo têm caos no trânsito com congestionamentos na BR-230, Manaíra, Bessa e Intermares