Eles precisaram de um bocado de aulas para entender o conceito, mas os pássaros do laboratório de Timothy Gentner, nos EUA, parecem ter dominado um dos principais componentes da gramática das línguas humanas, a recursividade. A característica era considerada um dos pilares que faziam da linguagem humana um fenômeno único -mais uma ilusão que cai por terra, pelo visto.
Os “gramáticos” emplumados são estorninhos (Sturnus vulgaris), aves européias que já tinham uma reputação e tanto como grandes cantoras e imitadoras de vários tipos de som. Até agora, nenhum outro animal parece capaz de reconhecer os mesmos padrões gramaticais. Sagüis (teoricamente muito mais próximos dos seres humanos) foram reprovados num estudo parecido.
“É claro que os estorninhos tiveram muito mais tempo que os sagüis para aprenderem a regra, então isso pode ter sido um fator”, disse à Folha Gentner, que é pesquisador da Universidade da Califórnia em San Diego. “Mas não podemos descartar a hipótese de que realmente existam diferenças nas capacidades de cada espécie. Nesse caso, podem ser características do aprendizado de longas seqüências vocais, que está presente tanto em humanos quanto em pássaros.”
A recursividade é o traço das línguas humanas que permite, grosso modo, a criação de frases uma dentro da outra, num esquema de “cebola”. O exemplo clássico parece o poema “Quadrilha”, de Carlos Drummond de Andrade (“João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim”) e assim vai, teoricamente até o infinito.
É claro que os estorninhos não entenderiam nada tão complicado. O que os pesquisadores fizeram foi tentar ensinar a eles uma versão simplificada de uma regra gramatical recursiva. Usando gravações de um macho da espécie (a qual conta com quatro tipos básicos de som em seu canto), eles montaram duas “frases musicais” artificiais. Uma delas era uma mera alternância de dois tipos de som, que eles chamaram de “A” e “B” (A-B-A-B-A-B); a outra envolvia uma distribuição simétrica dos dois sons, de forma que o número de repetições de “A” no começo tinha de ser complementado pelo mesmo número de “B” no final (A-A-A-B-B-B).
Fonte: Universia
No fim das contas, nove dos 11 estorninhos -depois de meses de treino- aprenderam a bicar um botão quando ouviam a seqüência com recursividade.
As aves também se mostraram capazes de reconhecer qual era o canto “gramaticalmente correto” independentemente da duração, e também de perceber que seqüências do tipo A-A-B-B-B, por exemplo, estavam em “português errado”. Por outro lado, elas pareciam não reconhecer regras parecidas quando outro tipo de som de canto é usado.
Lingüistas como o célebre Noam Chomsky, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), lutam há décadas para definir o que os idiomas humanos têm de realmente único. Uma das propostas mais recentes de Chomsky e Marc Hauser, da Universidade Harvard, era justamente a recursividade.
“Acho que a nossa capacidade de escolher apenas uma característica e dizer “isso é uma coisa única da linguagem humana” está desaparecendo abaixo do horizonte”, avalia Gentner. “Descobrimos uma espécie que consegue fazer isso, outra que faz aquilo. Talvez esteja na hora de sugerir que foi todo um conjunto de fatores que nos permitiu o nível de complexidade que temos”, diz.
[Folha de S. Paulo]
Ave entende base da gramática humana
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