As piscinas ganharam um ídolo. Os pais de Kaio Márcio Almeida, 21 anos, realizaram um sonho. Gisleide Costa e José Márcio Almeida, hoje, vêm seu menino se transformar em ídolo e conquistar marcas de gente grande. Títulos e medalhas. Um recordista mundial. Esperança de uma medalha de ouro olímpica na natação para o Brasil.
Até Kaio Márcio despontar, a natação paraibana ocupava um lugar muito discreto no cenário esportivo nacional. Com a repercussão de suas conquistas nas piscinas de todo o mundo, os olhos do País se voltaram para a Paraíba, procurando entender as razões que levaram um atleta do nível de Kaio, a surgir num Estado de pouca tradição no esporte e onde os investimentos em natação ainda são bastante escassos.
E os dias têm sido movimentados para a família do nadador paraibano, incluindo também o irmão Kaíque, de 16 anos. No início do mês, 5 de maio, Kaio Márcio participou de uma cerimônia em Brasília. Na ocasião, acompanhou o momento em que o presidente Luis Inácio Lula da Silva assinou o projeto de lei de incentivos fiscais ao esporte, durante a abertura da II Conferência Nacional do Esporte.
Logo em seguida, agora em João Pessoa, dia 9 de maio, Kaio participou de uma sessão especial na Assembléia Legislativa do Estado, quando recebeu a Medalha Talento Esportivo Desportista Genival Leal de Menezes
Foi no intervalo desses acontecimentos que o Clickpb, aproveitando a aproximação do Dia das Mães e o clima de valorização de tradições familiares, resolveu conversar com parte dessa família, que ao que tudo indica, é um dos segredos do sucesso do nadador paraibano.
Veja a seguir, a entrevista realizada com os pais de Kaio Márcio, Gisleide e ‘Zé’ Márcio, que falaram sobre a vida e a carreira de um dos seus filhos, por quem têm uma enorme admiração e muito orgulho.
O nascimento
Gisleide – Kaio nasceu de parto normal, eu tinha dezoito anos na época. Foi uma gravidez feliz, no final da adolescência, curtimos muito. O meu bebê chegou bem forte, grandão, pesando 4 quilos e 54cm. No dia em que nasceu, ele era o maior bebê da maternidade. Era o que chorava mais forte, inconfundível. E já era bem diferente. Pra gente foi uma alegria muito grande, o primeiro filho, e ainda era um menino, o que a gente queria
O nome
Gisleide – Eu ia colocar o nome dele de José Márcio, igual ao nome do pai, mas ia ficar dois ‘iguaizinhos’ e resolvi colocar Kaio. Daí ficou Kaio Márcio. A gente pesquisou e Kaio quer dizer premissas, primeiro. Márcio é uma homenagem ao pai.
O crescimento
Gisleide – Ele cresceu sempre como uma criança muito saudável, muito forte. Sempre foi uma criança muito tranqüila e muito feliz. Sempre acordou sorrindo, como faz até hoje. Quando ele abre o olho a primeira coisa que faz é sorrir, sempre muito sereno. Ele foi um bebê que a gente arrumava, botava na cadeira e ali ele ficava, parecia que nem tinha bebê dentro de casa. Isso até a idade de dois anos, porque depois ele começou a ganhar alguns brinquedos e mudar um pouco o comportamento, como a‘motoca’, que ele passava o dia inteiro montado, até comia nela . Sempre gostou de estudar, nunca deu trabalho em nada.
A determinação
Gisleide – Kaio é muito determinado, em tudo. Ele tem objetivo, traça uma meta, e alcança seus objetivos. Ele não fica falando nem comentando as coisas que ele almeja, mas segue em seu caminho e até abre mão de muita coisa quando quer alcançar um objetivo. Muito disciplinado e pontual. Ele nada 14 mil metros por dia, e a natação é um esporte solitário. Mas ele faz Psicologia e acho que ajuda muito.
Os estudos
Gisleide – Ele não é um aluno normal, de estar todo dia na sala de aula, porque viaja demais. Quando tem muito campeonato no semestre, ele tranca o semestre inteiro, e quando dá ele pega uma ou duas disciplinas. Nessa fase que ele está, não tem como estar na faculdade. E ele disse que não quer fazer o curso de todo jeito, ele quer realmente aprender, e até optou por um curso que ele possa aprender lendo, para aproveitar o tempo de folga das viagens. Ele gosta muito de ler, e também estuda Educação-Física. E passou para Administração, agora.
A paixão pela natação
Gisleide – Eu acho que foi o meio que ele viveu, porque quando ele era pequeno, o pai já era professor de natação. A gente não tinha onde deixar o bebê e o pai levava para as piscinas. Isso fez com que ele tivesse uma habilidade muito grande na água.
Zé Márcio – A gente queria que ele fizesse um esporte, a natação foi uma obrigação minha, porque eu era, e sou professor. Tinha obrigação de ensiná-lo a nadar o mais rápido possível. Eu tive que apressar esse processo até como uma forma de protegê-lo, porque ele estava sempre comigo, perto das piscinas. Tinha uma torcida para que ele fosse não só um nadador, mas também um jogador de pólo-aquático, que era o esporte que eu me aprofundei bastante, fui da Seleção Brasileira. Mas o importante era a paixão pelo esporte, ficamos satisfeitos com sua opção.
A primeira medalha
Gisleide – O pai tinha uma escolinha de natação e ele ia para lá brincar, treinava brincando. A gente fez um campeonato na escolinha e ele ganhou a primeira medalha de ouro dele. Pronto, aí ele não quis mais parar de ganhar medalhas. Ele quis treinar e o pai saiu procurando na cidade alguma equipe que desse para ele entrar, e ele foi reprovado, inclusive, em uma equipe. Isso porque ele estava nadando segurando a sunga, e as pessoas acharam que ele não sabia nadar. Quando ele pulou, o cadarço da sunga arrebentou e ele ficou segurando para não ficar sem roupa. O pessoal não percebeu isso e acharam que ele não sabia nadar e nem deram outra chance. Foi muito engraçado, ele tinha uns nove anos, acho. E quem reprovou ele, foi o próprio técnico atual dele (Leodegário Arruda, o Léo). Isso lhe desanimou um pouco, e ele quis fazer pólo-aquático, que era o esporte do pai. Lá, os técnicos insistiram que ele voltasse para a natação, e a gente conseguiu encaixar ele em uma equipe.
O início de uma história de sucesso
Gisleide – Teve muitos altos e baixos, porque ele estava na adolescência, de 12 para 13 anos. Aquele compromisso de ter que ir treinar, as competições muito pequenas, poucos atletas, até que em uma competição brasileira em Recife, um Campeonato Brasileiro, ele se deu muito bem, bateu Record na época, e os clubes de fora do Estado começaram a procurá-lo. Conversamos com vários treinadores e como a gente sabia que ele tinha um dom natural, uma aptidão, e que era determinado, a gente resolveu dar uma força à ele, nesse sentido. Aí Kaio já tinha 14 anos.
O despertar do talento
Gisleide – A gente percebeu primeiro que todo mundo, em casa. A gente dizia, mas as pessoas não davam crédito, isso foi uma guerra. A gente sabia do valor que a gente tinha em casa, sabia até onde ele iria chegar. Mas levou um tempo até que as pessoas acreditassem e confiassem no trabalho dele.
A experiência no Rio de Janeiro
Gisleide – Fomos para o Rio de Janeiro, e ele foi para o Flamengo. Lá ele treinou com uma equipe grande, ganhou muita experiência, tanto como atleta como experiência de vida também. Fomos com ele. Não ia deixar Kaio sozinho com 14 anos no Rio de Janeiro, de jeito nenhum. O Flamengo acabou contratando a família inteira. Não foi tão fácil, mas se você está criando seu filho, orientando, você tem que realmente acreditar. Não adianta dizer, incentivar, estimular, e não ser presente. Tem que haver todo um cuidado, principalmente para não haver um desvio de conduta, na parte da adolescência. Então a gente optou por abrir mão da vida aqui. Saímos dos empregos e fomos para acompanhá-lo. Foi muito bom, todo mundo aprendeu muito, todos crescemos.
A volta para João Pessoa
Gisleide – Chegou a hora de voltar. As coisas foram acontecendo, fazendo com que a gente retornasse. Era tempo de olimpíadas, ele já estava em nível olímpico, e o treinador daqui sempre acompanhava ele, na Internet, conversando, por telefone, nunca deixou ele sozinho. Aconselhava nas provas, e aconteceu que o clube (Flamengo) começou a ficar fraco, a natação foi acabando. Pessoalmente, houve o falecimento do meu pai, minha mãe ficou sozinha. E tinha também a vontade de Kaio, de treinar com Léo. Então decidimos voltar para casa. Chegando aqui, nada impediu o seu desenvolvimento como atleta.
Zé Márcio – Pelo contrário, melhorou.
Viver em João Pessoa
Kaio é apaixonado por João Pessoa. Sabe uma pessoa quando é enraizada na terra? É ele, ‘entranhado’ em João Pessoa, adora, adora. Ele conhece o mundo inteiro, e diz que não troca a cidade por nenhum lugar. Só se houver uma necessidade, novamente, de ter que ir, mas por opção, ele fica. Aqui é bom, tem tudo perto, ele não precisa pegar engarrafamentos, o clima é super agradável, não muda o ano inteiro, o que para ele é excelente. Ele treina no Cabo Branco (Esporte Clube Cabo Branco, no bairro de Miramar), que é um lugar muito arejado, tem muito oxigênio, o que ajuda muito. O vento vem direto do mar. O técnico dele é muito bom, porque além de ser técnico é amigo, eles se dão muito bem.
A profissão
Zé Márcio – Ele sempre encarou a natação como uma profissão. Se não for assim, você não cresce. Ele vê os outros atletas dos outros países, que encaram a natação como profissão. Então ele aprendeu isso, por isso não existe a ansiedade. A fórmula está dando certo.
Treinar em João Pessoa
Gisleide – O preconceito existia até antes do record mundial. As pessoas eram muito limitadas, o viam como nordestino, paraibano, e que em relação ao esporte, com uma estatura baixa. Então era difícil mesmo de acreditar. Ele sempre teve convites para treinar em outros países, as faculdades lhe oferecem bolsas, integrais e com salário. Mas ele não se interessa, no momento, porque ele ainda não atingiu tudo que pode aqui, ainda tem muito o que tirar. Pode ser que um dia ele decida sair. Mas ele é muito família, e diz que não adianta ir morar em outro país, sozinho, entristecer. Diz que no seio da família se sente mais tranqüilo. E que em relação aos estudos, as faculdades daqui são iguais as de qualquer lugar, não iria fazer diferença para os estudos, também. Nem em termos de currículo. Acredita também que um treinador estrangeiro não vai ter interesse de treinar bem um brasileiro.
José Márcio – O bairrismo é até natural, mas o cenário começou a mudar. Algumas pessoas, pela Internet, começam a demonstrar interesse por conhecer a Paraíba, por causa disso, é uma coisa diferente. Kaio se deu bem em sua terra.
Gisleide – Ele conquistou o seu máximo, morando aqui, e isso valorizou muito os profissionais da área da cidade. Estávamos em Brasília semana passada, e lá um profissional de Educação Física comentou isso, não só em relação à natação, mas em relação a todos os esportes. Isso fez com que houvesse uma credibilidade maior nos profissionais de João Pessoa, na Paraíba. As pessoas querem descobrir o nosso segredo, como se faz um recordista mundial. Os australianos e os americanos, que são os mais fortes da natação, eles querem saber como tem sido esse treinamento, de um recordista mundial, o que tem quebrado um tabu. É um nordestino mostrando sua força.
(Kaio vai para a cidade de Sierra Nevada, na Espanha, para treinar altitude por três semanas a cada ano)
O sucesso
Gisleide – Não mudou nada. Porque ele é muito tranqüilo. Só falta agora a medalha olímpica. Ele não se envaidece, nem fica orgulhoso, pelo contrário. Ele cuida do lado social, da família, sempre traz lembranças das viagens. Ele cuida das pessoas que ama. E sempre foi assim, antes e depois do sucesso. Hoje ele é muito assediado, tem até sentido um pouco de dificuldade para sair de casa, mesmo aqui em João Pessoa. É assediado principalmente pelas crianças.
Um sonho realizado
Gisleide – É muito para a gente, como pais, ver que tudo deu certo. Tudo que enfrentamos valeu à pena. Ele é realizado, podemos perceber a satisfação pessoal dele, de estar na piscina, cedo, às cinco da manhã. Depois faz musculação, e a tarde volta para a piscina. Tem toda uma alimentação especial. Nunca passou uma noite fora, dorme cedo. Ele é super realizado. Hoje, como mãe, eu me sinto também muito realizada, porque tive coragem de acompanhá-lo, e não fiquei exigindo.
A religiosidade
Gisleide – Deus sempre foi muito presente em nossas vidas. Isso é um fator primordial, ele sempre está nos guiando. Somos evangélicos. Kaio, mesmo com tantos compromissos, todo domingo pega a Bíblia dele, põe debaixo do braço, e vai para a Igreja. Deus sempre foi muito generoso com ele, que é muito correto com Ele. Quando ele bateu o record, ligou pra gente, estávamos em Araruama. Foi dizendo “mãe, bati o record, foi Deus que me deu. Eu pedi hoje a ele. Eu nunca tinha pedido nada antes”. Normalmente, nas entrevistas, a gente não fala sobre isso. Mas realmente a gente vive isso. Sempre oramos com ele, antes das viagens, vamos ao nosso pastor.
Um sonho secreto de mãe
Gisleide – Eu digo a ele, que ele é um juiz nato. Quero que ele ainda faça Advocacia, por causa da sua personalidade, do seu jeito. Quando criança, ele dizia que queria ser juiz, tenho até fotos dele, vestido de juiz. É uma coisa que ainda espero dele. O comportamento dele, como ele conduz sua vida e percebe as coisas, sempre correto, é um comportamento típico de um juiz. Hoje ele não fala nada a respeito, mas é uma expectativa de mãe. Ele gosta muito do curso dele, Psicologia, ele sabe ouvir, escuta muito as pessoas. Conversa um dia inteiro, se puder. Mas ele é quem sabe.
A Olimpíada
José Márcio – Kaio evoluiu bastante, tecnicamente. Agora tanto faz uma piscina curta como uma piscina longa. Eu acredito no trabalho que ele vem fazendo nos últimos dois anos, e isso não é só espírito de pai. Se não for, é porque não era para ser, mas o trabalho que ele está fazendo com Léo, é para isso, foi para isso que ele se preparou. Ele tem chances, sim, de brigar por uma medalha na Olimpíada, e ainda vai trabalhar bastante pra isso, porque ele gosta de trabalhar. Eu acredito em medalha, também nos Jogos Pan-americanos, em 2007, que vai ser um trampolim para todos os atletas. Dessa vez, na Olimpíada, ele vai estar com a experiência de uma Olimpíada anterior e dois Pan-americanos, além de uma bagagem de competições internacionais.
A natação na mídia
José Márcio – Hoje estão dando mais ênfase. Está acabando essa geração Gustavo (Borges), Xuxa (Fernando Scherer), e tem uma geração surgindo, novos talentos. A natação brasileira está se renovando. E a mídia está valorizando esse trabalho. E João Pessoa tem sido mostrada. Pelos e-mails que a gente recebe, a gente vê como as pessoas despertaram para a cidade.
O reconhecimento
Gisleide – Uma vez Kaio recebeu um e-mail, de um juiz que é paraplégico. Ele falou assim: “Kaio, eu me realizo em você, porque eu nado com você, quando você está nadando”. Tem muitas coisas muito interessantes, como a história de uma amiga que tinha um filho que não saía de casa de jeito nenhum, por conta do seu pé, que era muito grande. Depois que ele viu uma reportagem de Kaio, mostrando o pé dele, aquele ‘pezinho’ (46,47). Agora o garoto vai para todos os lugares, lhe tem como um exemplo.
O orgulho de ser pai e mãe de um campeão
Gisleide – Eu fico imaginando, é uma alegria tão grande no coração, parece que ele vive em festa. Porque você vê que o seu filho está tão feliz com o seu objetivo. Eu não sei nem o que dizer. Mas é uma satisfação muito grande, pelo sonho alcançado, e ver que ele conquistou uma coisa tão boa para ele, e para a gente também. Uma coisa que não atinge só a família, mas uma coisa nacional, que está trazendo tanto carisma para ele, sendo reconhecido pelo seu trabalho. A gente fica super feliz, como ele diz, super feliz.
José Márcio – É uma satisfação muito grande, uma felicidade muito grande.
O Dia das Mães
Gisleide – Tem o irmão, o Kaíque, de 16 anos. Eles estão aprontando. Só vejo os dois saindo juntos, e chegando no maior sigilo. Eu já botei na casa toda, bilhetinhos dizendo “eu quero o meu presente”. Provavelmente vamos passar na casa da avó, onde reunimos todas as mães da família, como fazemos todos os anos. Nunca passamos essa data separados.
Lilla Ferreira
ClickPB
Pais de campeão: o orgulho dos pais do nadador paraibano Kaio Márcio,
Gisleide Costa e José Márcio Almeida, hoje, vêm seu menino se transformar em ídolo e conquistar marcas de gente grande
Esporte
Esporte
Esporte
Esporte
Esporte