Maurílio Batista

O POVONÃO ESQUECE UMA TRAIÇÃO

Talvez nenhuma das perfídias humanas seja tão cruel quanto a traição. A história da humanidade está cheia de reviravoltas e […]


Talvez nenhuma das perfídias humanas seja tão cruel quanto a traição. A história da humanidade está cheia de reviravoltas e traições de todos os tipos. Grandes. Pequenas. Alguns parecem até acreditar que não existe o exercício da política sem que junto não caminhem as traições. Assim, traição faria parte da política. No mundo pragmático em que vivemos, segundo essa visão, trair não seria mais uma vergonha.

E ainda dizem mais: haveria uma escola que todo político é obrigado a frequentar se quiser ser bem-sucedido. Lá não se ensina nem Português nem Matemática. Não existe sala de aula nem corpo docente. Não tem livros, provas, trabalhos ou avaliações. Apenas um diploma aos que lograrem sucesso. É a chamada Escola da Traição, onde se aprende que palavra não tem nenhum valor, que caráter não é qualidade e que companheiros servem apenas para ser usados. Nessa famosa escola, o bom aproveitamento do aluno depende unicamente da sua capacidade de deixar seus escrúpulos de lado e fazer tudo que for necessário para atingir seus objetivos.

Mas não é bem assim. Eu, por exemplo, não frequentei essa escola. O que aprendi, na sala de aulas, é que, aos traidores, a história costuma reservar um lugar especial. Eles são atirados na lata de lixo da eternidade, servindo para sempre como amostra de conduta que avilta a dignidade e não deve ser imitada por ninguém. Mas, mesmo assim, eles são muitos e nunca se extinguem. Estão entre nós desde os tempos bíblicos.

Adão e Eva, no início de tudo, traíram a confiança de Deus ao provar do fruto proibido. Foram expulsos do Paraíso. O primogênito deles, Caim, também não se livrou da tentação. Por ciúme da preferência de Deus por Abel, convidou seu irmão para um passeio no campo – que acabou se revelando uma emboscada para matá-lo. A traição seguida do assassinato envergonhou Caim e ele teve de desaparecer no mundo.

Começamos também a nossa era a partir do gesto de um traidor – o beijo de Judas – que entregou Jesus ao martírio. Mais ou menos na mesma época, aconteceu também entre os romanos: César, ao cair vítima de dezenas de punhaladas, gritou “Até tu, Brutus!”, ao reconhecer seu filho adotivo entre os assassinos.

No Brasil, desde o descobrimento, os traidores aparecem em todos os grandes momentos da trajetória desse País imenso e variado. Lá atrás, entre 1630 e 1635, os invasores holandeses do Nordeste foram ajudados por Calabar, um mameluco nascido no interior de Pernambuco. Sua traição só não passou a símbolo maior desse comportamento degradante, no Brasil, porque pouco mais de 150 anos depois surgiria Joaquim Silvério dos Reis, o traidor que levou Tiradentes à forca.

Joaquim Silvério dos Reis é insuperável no nosso País como a síntese suprema do traidor, o mais vil de todos os que renegaram amigos e ideias, para mudar de lado. Porém, mais cedo ou mais tarde, a traição cobra o seu preço. Tanto Calabar quanto Joaquim Silvério dos Reis acabaram além da lata de lixo, atirados na própria latrina da história, pelo horror e canalhice do que fizeram.

Pela minha formação, pela minha vida pública que é de conhecimento de todo o povo goiano, posso dizer que não sei lidar com a traição. Pois naturalmente costumo criar expectativas a respeito dos amigos e dos projetos que temos em comum. O problema, creio, surge quando essas expectativas não são compartilhadas. Então, eu digo que tenho de dizer.

Na história recente da política brasileira, as traições pontuam ao lado das grandes manifestações de lealdade e fidelidade. Em nosso País e, em especial, em alguns Estados, é preciso concordar com o filósofo que a melhor maneira de testar a confiabilidade de um homem é dando-lhe poder.

Por isso, meu entendimento sobre política é que confiança e lealdade são palavras mágicas, imprescindíveis para o sucesso de um homem público.

De todos os sentimentos humanos, a traição é o que causa marcas mais profundas. Apesar de tanto tempo, o povo não esquece Judas. E nem esquecerá alguns homens públicos, aqueles que, ao chegar ao governo, correm para trair suas próprias palavras, sua própria história e seus próprios amigos.

Não tenho dúvidas: a traição faz e sempre fará mais mal ao traidor que ao traído. 


Opinião publicada pelo deputado federal
Carlos Alberto Leréia (PSDB/GO) 

Carlos Alberto Leréia é radialista profissional. 

Na Câmara Federal  é titular das Comissões CTT e suplente  nas Comissões CA,  CTASP e da  Pec- 44105

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