Um trabalho cartográfico organizado por pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) identificou quatro principais bens comuns ameaçados na cidade de João Pessoa. São eles: os rios Gramame, Jaguaribe e Sanhauá e o sistema de falésias do Cabo Branco, margeado pelo terceiro maior recife de corais do mundo.
A publicação teve o financiamento do Centro Universitário Uniesp e será lançada na semana do Dia Nacional de Conscientização sobre as Mudanças Climáticas, em 16 de março.
Segundo o estudo, a falta de saneamento ambiental e a construção de obras e equipamentos públicos de grande porte, como o Centro de Convenções, a Reurbanização da Lagoa e o Parque Ecológico Sanhauá, estão entre os principais fatores que contribuem para essa degradação.
De acordo com o levantamento, 30% da cidade de João Pessoa não tem saneamento. No período de 2000 a 2018, a área desmatada no município equivale à de 625 campos de futebol. Os gastos públicos com os tais megaempreendimentos foram na ordem de R$ 136 milhões.
Ainda conforme a pesquisa, o sistema hidrológico da cidade caminha para um colapso. No rio Gramame, que segundo o estudo recebe diariamente rejeitos industriais, domésticos e da agricultura, hoje apresenta mais de 29 metais pesados na água, entre eles o mercúrio, em quantidade superior aos níveis aceitáveis. Já os corais estão ameaçados pelo turismo predatório no Seixas, Picãozinho e Bessa.
A professora e geógrafa Leticia Palazzi Perez, do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da UFPB, é uma das organizadoras do trabalho. Ela afirma que o objetivo do mapeamento, denominado “Gota d’Água: Cartografia dos bens comuns ameaçados de João Pessoa”, é a divulgação científica.
“Desejamos que seja utilizado por professores em escolas e nas universidades, assim como a divulgação das questões ambientais à população pessoense. O material deve ser compartilhado também para e por coletivos de pesquisadores, entidades ligadas ao meio ambiente e instituições públicas”.
Para Leticia Palazzi Perez, a situação desses bens comuns em João Pessoa é grave. Segundo a pesquisadora, a contaminação das águas do rio Jaguaribe, por exemplo, resulta da ocupação desordenada das suas margens, do lançamento irregular de esgoto e de lixo nas várzeas e no rio. “O rio Jaguaribe já está colapsado, ele é completamente poluído”.
No ponto de vista da docente, os corais correm risco de morte. “Principalmente no Seixas e Picãozinho. Ali ocorre o turismo mais predatório de corais que a gente tem. Menos de 10% desses corais estão vivos”, alerta. No Seixas, de acordo com a análise, menos de 7% dos corais ainda estão saudáveis.
Para a professora, no contexto atual de mudança do clima, é preciso preservar os bens comuns naturais, como os corais, para manter a vida marinha e a quantidade de peixes para o sustento dos pescadores.
“Precisamos preservar também as águas do rio Gramame, que abastece a cidade; a infraestrutura nos rios Sanhauá e Jaguaribe, para que as populações ribeirinhas não sofram com as cheias. É essencial para manter a vida no município”, alerta a geógrafa.
Foram impressos dois mil exemplares do mapa, que tem versão digital. “É um material para ser distribuído em escolas e para conscientização da população sobre esses bens comuns ameaçados”.
Trabalho interdisciplinar
O trabalho cartográfico foi fruto do curso “Mapeando o Comum Urbano de João Pessoa”, realizado e organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) e pelo Departamento de Geociências (DGEOC) da UFPB.
O curso foi ministrado pelos professores Pablo DeSoto, Leticia Palazzi Perez, Andrea Porto Sales e Paulo Rossi. O mapa foi construído de maneira coletiva pelos alunos, com a orientação dos docentes.
Realizado em outubro do ano passado, em parceria da Fundação Espaço Cultural José Lins do Rego (Funesc), teve a proposta de um método de laboratório interdisciplinar, em que se encontram para trabalhar, de forma horizontal, arquitetos, geógrafos, ativistas, artistas visuais, cientistas sociais e estudantes de graduação também de diversas áreas.
Durante o curso, foi realizada uma ação ativista nos corais ameaçados de Seixas, que consistiu em uma simulação e performance ativa, em que professores, estudantes e extensionistas alertaram à população sobre os perigos e danos aos corais, à falésia e à mata atlântica, devido ao turismo predatório e descaso para com as políticas públicas.