Clilson Júnior

Fim do jogo

Gabeira e ponto de vista lúcido de quem esteve na luta armada e militou na esquerda desde sempre, mas tem a autocritica necessária

Fim do jogo

Fernando Gabeira — Foto:Gabeira

Reproduzo aqui o artigo do jornalista Fernando Gabeira, publicado hoje no Jornal O Globo.

Fim do jogo.

O impeachment representa oficialmente o fim de uma experiência de 13 anos da esquerda no governo. Em 1964, após o golpe do militar, ela denunciou a ditadura, mas mergulhou num processo de autocrítica, destacando o populismo como um dos seus grandes erros. Infelizmente, para uma parte importante dela, o caminho escolhido foi a luta armada com todas as suas consequências. Esse processo foi alvo de intensa autocrítica que nos levaria, se a análise fosse completa, a uma marcha pelas instituições.

O chamado socialismo do século XXI, que teve suas consequências mais graves na Venezuela, lançou na América do Sul um modelo que não era a marcha pelas instituições, e sim a captura das instituições. Primeiro o Executivo, depois o Legislativo, o Judiciário e, finalmente, a imprensa.

Nesse modelo, a democracia é só uma tática não o objetivo estratégico. O populismo, no fundo, partilha dessa escolha. A diferença da experiência democrática de agora é a ausência de autocrítica. A narrativa do PT é que ele foi afastado do poder por suas qualidades e o bem que fez ao país.

Compartilhei das críticas no pós-64 e das críticas à luta armada que decorreu da análise equivocada do fracasso do populismo. Por que agora a autocrítica é tão difícil?
Quando deixei o PT e o governo, em 2003, disse que estava deixando pelo conjunto da obra. Vejo essa expressão retornar nos debates sobre o impeachment. Em 2003, não tinha ocorrido o mensalão e o que se passou até o processo que arruinou a Petrobras.

Todos esses fatos não produziriam ainda um impeachment pela lentidão das investigações e julgamento. Os decretos suplementares, o uso ilegal do Banco do Brasil revelam a ilusão de que o dinheiro cai do céu e podemos gastá-lo à vontade. O populismo orçamentário. De novo, o populismo derruba a esquerda.

Quando vejo jovens gritando “golpe” e outros slogans da esquerda, sinto ternura pelo passado, mas também inquietação. É possível que acreditem que o mal triunfou. A eles está sendo negada uma saudável crítica. No seu lugar, a visão monolítica. Num tempo de reconstrução política e econômica, revolução digital e aquecimento planetário, que papel terá uma esquerda se insistir no papel de vítima?

Artigo publicado no Jornal O Globo em 01/09/2016

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