Justiça Federal

Decisão judicial garante prioridade de idosos na vacinação contra a covid-19 na Paraíba

A juíza federal Wanessa Figueiredo dos Santos Lima determinou a suspensão temporária da vacinação de trabalhadores da saúde que não atuem na linha de frente da pandemia.

Decisão judicial garante prioridade de idosos na vacinação contra a covid-19 na Paraíba

Número de idosos vacinados é muito menor do que o de profissionais da saúde — Foto:Secom-JP

A Justiça Federal atendeu petição dos três ramos do Ministério Público na Paraíba (Federal, Estadual e do Trabalho), garantindo prioridade de vacinação contra a covid-19 para o público idoso de todas as faixas, a partir de 60 anos, no estado. A decisão liminar, proferida nessa segunda-feira (15), prevê que vacinação dos demais trabalhadores da saúde, que não atuam na linha de frente do combate ao coronavírus, deve ser retomada quando for atingida a meta geral de vacinação do público idoso. 

Confira a íntegra da decisão.

Na decisão, a juíza federal Wanessa Figueiredo dos Santos Lima também determinou a suspensão temporária da vacinação de outros trabalhadores da saúde que não atuem na linha de frente da pandemia, com exceção dos que já tiverem recebido a 1ª dose, os quais, conforme a decisão, poderão receber a 2ª dose mediante apresentação do cartão de vacinação com o primeiro registro.

A magistrada declarou que, no atual momento da campanha de vacinação, o termo “trabalhadores da saúde”, constante no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 e nos atos estaduais e municipais editados para sua aplicação, deve ser interpretado como “aqueles que estejam na linha de frente do combate à pandemia da covid-19”.

A decisão fixa multa diária de R$ 10 mil, até o limite de R$ 300 mil, em desfavor da União, do estado da Paraíba e do município de João Pessoa, por dia de descumprimento, e multa pessoal de R$ 500,00, por dia de atraso, para os respectivos gestores, até o limite de R$ 15 mil.

Desproporção gritante – O pedido liminar foi feito em aditamento (acréscimo) à petição inicial, ajuizada no dia 5 de fevereiro deste ano, assinada por 15 membros representantes do MPF, MPPB e MPT. Eles ressaltam a desproporção de atendimento entre os dois públicos – trabalhadores da saúde e as pessoas idosas – nessa primeira fase da campanha de vacinação e citam dados extraídos do portal da transparência do município de João Pessoa, evidenciando que, até o momento de protocolização do pedido na Justiça Federal, teriam sido vacinados 19.672 trabalhadores da saúde e apenas 2.000 idosos acima de 80 anos.

Conforme é possível inferir, a partir da Nota Técnica nº 2, de 25 de janeiro de 2021, da Gerência Executiva de Vigilância em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde da Paraíba, aparentemente, esse quantitativo de trabalhadores já vacinados abrange todos os trabalhadores da linha de frente no estado. No caso de alguns municípios (como João Pessoa, Campina Grande e outros) “a quantidade de vacinas estimadas e enviadas para um total de 61% (34% num primeiro momento e mais 27% num segundo momento) desse público, acabou por ultrapassar o grupo de trabalhadores que atuam na chamada linha de frente de atendimento à pandemia”, apontam os órgãos ministeriais.

Na petição, também apresentam planilhas, encaminhadas pela Secretaria de Estado da Saúde (SES), segundo as quais, o total estimado de trabalhadores da saúde na Paraíba seria de 126.335, sendo que os idosos com mais de 80 anos no estado somariam 92.351, dados que mostram “o descompasso no atendimento de idosos, quando o plano nacional lhes confere prioridade maior diante dos altos índices de mortalidade do segmento”, apontam e argumentam que “seria perfeitamente viável ter atingido um maior público idoso, pelo menos na faixa de mais de 80 anos, se [tivesse sido] limitada a vacinação dos trabalhadores da saúde apenas aos que estão na linha de frente”.

Idosos são maiores vítimas – Os MPs citam resolução da Comissão Intergestores Bipartite da Paraíba (CIB), lavrada em reunião extraordinária, realizada em 25 de janeiro deste ano, que decidiu pela antecipação da oferta da vacina para o público prioritário acima de 80 anos com as doses da Covishield (Astrazeneca). A decisão da comissão tomou por base que, dos 4.056 óbitos por covid na Paraíba, 3.080 foram de pessoas com 60 anos ou mais, ou seja, até o momento de confecção do pedido de aditamento, 75,93% dos óbitos na Paraíba foram de pessoas idosas.

Na mesma resolução, a CIB informou: “Números mostram que a taxa de mortalidade dos idosos acima de 80 anos (1.337,29 óbitos/100 mil hab.) é 13 vezes maior que a taxa de mortalidade estadual (98,71 óbitos/100 mil hab.); bem como 31% (1.235/3.987) dos óbitos ocorreram nessa faixa etária, de acordo com os dados do Sivep.” O Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep) é ferramenta de dados do Ministério da Saúde (MS) que auxilia no mapeamento epidemiológico.

Conforme registra a petição, o município de João Pessoa, que concentra a maior parte dos óbitos decorrentes da infecção pandêmica, reflete um quadro semelhante: “Do total de 1.105 óbitos confirmados, 74% das vítimas tinham mais de 60 anos de idade, sendo, aproximadamente, 40% para indivíduos acima de 90 anos; 25% entre 80 e 90 anos; e 15% entre 70 e 80 anos (dados da Vigilância Epidemiológica e Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa)”.

Os órgãos fiscais da lei ainda acrescentam que, no caso do Brasil, existe a previsão legal expressa contida nos artigos 3º e 33 da Lei 10.741/2013 (Estatuto do Idoso), no sentido de que é obrigação da sociedade e do Poder Público assegurar aos idosos, com absoluta prioridade, a efetivação, dentre outros, do direito à vida e à saúde. “Logo, referido dispositivo deve ser sempre considerado na elaboração de qualquer estratégia ampla de promoção à saúde, como a de que ora se trata”, orientam os MPs.

Paraíba x outros estados – Mesmo diante de dados que demonstram a mortalidade da população idosa pela covid no estado e da escassa quantidade de imunizantes disponíveis, a Paraíba, conforme alertam os órgãos ministeriais, decidiu antecipar a vacinação de apenas uma parcela da população – a da faixa etária acima de 80 anos. “Enquanto a esmagadora maioria dos idosos ainda permanece não alcançada nesta primeira fase da vacinação (…) “outros estados da federação, como Rio de Janeiro, Pernambuco, Alagoas, Distrito Federal, Rondônia, Ceará, Acre e Amazonas, já iniciaram a vacinação de sua população idosa não institucionalizada, apesar da mesma limitação de quantitativo de doses disponibilizadas pelo Ministério da Saúde”, apontam na petição.

Falhas no Plano Nacional de Imunização – Para justificar a vacinação “a todo vapor” de trabalhadores da saúde que não estão na linha de frente do combate ao coronavírus, em detrimento da lenta e tímida vacinação do público diminuto de idosos – grupo mais fragilizado e vulnerável à covid-19, com mais alto índice de mortalidade -, os órgãos de saúde estadual e municipal alegam como fundamento as orientações do Ministério da Saúde para a execução do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19.

Ocorre que, ao averiguar o caso, os órgãos ministeriais constataram falhas no texto dos informes e notas técnicas complementares ao referido plano. Como exemplo, citam que ali se sugere que seriam prioritários apenas os trabalhadores de saúde da chamada linha de frente de combate à pandemia. “No entanto, o Ministério da Saúde acabou incluindo na ordem de prioridade também uma expressão que abrange todo um universo (para além da chamada linha de frente), qual seja: ‘demais trabalhadores da saúde’”, apontam.

Além disso, na primeira versão do plano, os idosos com mais de 75 anos figuravam expressamente na primeira fase da campanha, tendo sido suprimidos posteriormente, de modo que o público idoso foi “excessivamente restringido, num primeiro momento, apenas aos institucionalizados”.

Os órgãos fiscais da lei constataram, ainda, que estão sendo vacinados em todo o país trabalhadores de saúde que, conforme amplo conceito estabelecido no plano, têm pouca exposição ao risco de contágio, em comparação com os que estão na linha de frente do combate à pandemia. Assim, afirmam que, embora o primeiro objetivo do plano nacional seja reduzir mortalidade, o grupo mais vulnerável e sujeito a óbito (idosos) acabou ficando em segundo plano “em benefício de extenso grupo de trabalhadores em saúde que sequer compõem a força de trabalho específica de combate à pandemia”.

A respeito dos confusos critérios de vacinação definidos no plano nacional de vacinação, o MPF na Paraíba, por meio do Gabinete Integrado de Acompanhamento à Epidemia do Coronavírus-19 (Giac) da Procuradoria Geral da República, encaminhou pedido formal de esclarecimentos ao Ministério da Saúde. O mesmo questionamento foi apresentado ao secretário de Vigilância em Saúde do MS e à coordenadora do Programa Nacional de Imunização, durante reunião virtual, no último dia 9 de fevereiro, realizada pelo Giac. No entanto, a distorção apontada não foi esclarecida pela equipe do Ministério da Saúde.

Para o Ministério Público, “se tivesse sido restringido rigorosamente o alcance da vacinação para a categoria de trabalhadores em saúde, de modo a efetivar recorte dos efetivamente expostos a contato com pacientes direta e frequentemente (na chamada linha de frente), certamente poderia ter sido contemplado, desde logo, um grupo muito maior de idosos do que apenas o reduzidíssimo segmento dos ditos institucionalizados”, argumentam os órgãos ministeriais.

Correção da distorção – Os três ramos do Ministério Público pedem a correção dessa distorção, com a suspensão imediata da vacinação dos trabalhadores que não atuam na linha de enfrentamento ao coronavírus e direcionamento exclusivo das novas remessas de vacina contra a covid-19 aos idosos com mais de 60 anos, “ao menos para o estado da Paraíba”. Assim, pediram que a Justiça Federal fixasse interpretação corretiva dos planos federal, estadual e municipal de vacinação, para se reconhecer prioridade dos idosos sobre os demais trabalhadores da saúde (que não estejam na linha de frente do combate à pandemia).

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