A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu na última semana o Recurso Especial nº. 1.729.110/CE, envolvendo a inversão do ônus da prova em relações de consumo, compreendendo que é cabível a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória sobre a temática mencionada, com a compreensão de que esse tipo de recurso deve ser admitido não apenas nas situações em que há decisão acerca da distribuição dinâmica do ônus da prova, mas também nas hipóteses em que se defere ou não outras atribuições do ônus da prova distintas da regra geral, desde que se opere mediante a discricionariedade do magistrado e por autorização legal.
Entenda o caso: tratou-se na origem de uma ação de reparação de danos materiais e morais de um consumidor em face de revendedora e montadora de veículos, em decorrência de defeito no automóvel. A decisão interlocutória inverteu o ônus da prova, com a justificativa de hipossuficiência financeira e técnica do autor da ação, para que as empresas comprovassem a inexistência do defeito ou, se existente, quando surgiu e quem o provocou.
O acórdão do Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo interno interposto em face da decisão monocrática que não conheceu o agravo de instrumento, reafirmando-se que a inversão do ônus da prova pelo CDC não seria recorrível em separado por tal recurso, em razão da falta de cabimento, diante do que dispõe o art. 1015, CPC/15 e em atenção ao princípio da taxatividade. No Recurso Especial, além das violações aos dispositivos de lei federal, argumentou-se que o agravo de instrumento, nessa situação, seria cabível porque o conceito de distribuição dinâmica do ônus da prova também compreenderia a inversão prevista no CDC.
O STJ, nesse contexto, decidiu que a distribuição dinâmica (incidente a partir das peculiaridades da causa) e a inversão do ônus (atribuição pelo magistrado) são exceções a regra geral do art. 373, I e II, do CPC/15, criadas para superar dificuldades de natureza econômica ou técnica e buscar a maior justiça possível na decisão de mérito, caracterizando-se, pois, enquanto regras de instrução que devem ser implementadas antes da sentença para que não haja surpresa para a parte que recebe o ônus no curso do processo, assim como seja possível desincumbir-se do ônus recebido.
Desse modo, consignou-se que “é cabível a impugnação imediata da decisão interlocutória que verse sobre quaisquer das exceções mencionadas no art. 373, §1º, do CPC/15, pois somente assim haverá a oportunidade de a parte que recebe o ônus da prova no curso do processo dele se desvencilhar, seja pela possibilidade de provar, seja ainda para demonstrar que não pode ou que não deve provar, como, por exemplo, nas hipóteses de prova diabólica reversa ou de prova duplamente diabólica”, o que demonstra a importância do precedente para as situações em direito do consumidor, nas quais a comprovação se mostra de difícil ou impossível realização por causa de peculiaridades associadas ao caso concreto.
Wilson Sales Belchior – Graduado em direito pela UNIFOR, especialista em Processo Civil pela UECE, MBA em Gestão Empresarial e mestrando em Direito e Gestão de Conflitos na UNIFOR. Também possui curso de curta duração em resolução de conflitos na Columbia Law School, nos Estados Unidos. Na mesma instituição participou de série de pesquisa avançada. Palestrante, professor universitário em cursos de pós-graduação em diferentes estados e autor de diversos artigos e livros, publicados em revistas, jornais, portais de notícias e editoras de circulação nacional. Conselheiro Federal da OAB (2013-2015). Vice-presidente da Comissão Nacional de Advocacia Corporativa do Conselho Federal da OAB (2013-2015). Membro da Comissão Nacional de Sociedade de Advogados do Conselho Federal da OAB (2010-2012). Membro da Coordenação de Inteligência Artificial do CFOAB (2018). Atualmente é Conselheiro Federal eleito para o triênio 2019-2021.